Infância e juventude em Quiririm, distrito de Taubaté. Descrição dos negócios do avô e do pai. Central do Brasil. Fábrica de cordas e olaria. Construção do sobrado da Família Indiani. Taubaté nos anos 40 e 50. Reflexos da Segunda Guerra. Casamento. Filhos e netos. Relações e cotidiano familiares. Atividades atuais.
IDENTIFICAÇÃO
Eu me chamo José Indiani. Nasci no distrito de Quiririm, no dia 13 de janeiro de 1931, no sobrado que é hoje o Museu da Imigração Italiana.
FAMÍLIA
Meu pai chamava-se Luiz Caetano Indiani e minha mãe Adélia Salari Indiani. Meus avós chamavam-se, paterno, Galdêncio Indiani e Blandina Faraboli Indiani, e maternos, Joseph Salari e Ana Maria Benasi. Meus avós eram italianos da província da região da Lombardia, do Norte da Itália, da província de Cremona, e de lá eles embarcaram como imigrantes. Desembarcaram no porto de Santos no dia 15 de outubro de 1892. De lá subiram pra São Paulo, lá na hospedaria, e da hospedaria com destino ao Vale do Paraíba. Eles desembarcaram aqui em Taubaté, de Taubaté foram pra Fazenda do Quilombo, chamada também de Fazenda do Barreiro. Posteriormente - isso foi em 92, 1892 - depois, em 94, se estabeleceram definitivamente em Quiririm. Eles já não foram das primeiras levas [de imigrantes], porque eles chegaram em 1892. Em 1890, e até 89, já tinha chegado em São Paulo os imigrantes com destino pro Vale do Paraíba. Meus pais vieram de lá, da Itália, porque meu pai chegou com seis anos, junto com meu avô. Eram seis filhos: cinco vieram com meu avô e o mais velho já estava casado e ficou lá porque ele queria ingressar nos Carabineri - na polícia italiana. Mas não sei o que aconteceu, não deu certo, aí ele chegou seis meses depois. Veio por conta própria, desembarcou, fez o mesmo trajeto e foi pra fazenda se ajuntar com os pais. Então eram seis irmãos. Minha mãe já é outra história, muito complicada. Eles fizeram a vida aqui, meu pai, meu avô, minha avó, e quando foi já no século XX meu pai voltou pra Itália pra passear - isso foi em 1919, porque já tinha acabado a Primeira Guerra Mundial. Então ele já achou diferente, porque ele já estava com 27, 26, 27 [anos] - porque ele nasceu em 86, 1886. E voltou [para o Brasil] novamente, trabalhou mais um pouco, e em 1905 ele foi novamente pra lá, voltou. Em 1929 começa a história, porque aí ele foi, namorou, noivou e casou-se com a minha mãe no dia 5 de fevereiro 1930. Casou lá na Itália. Ela era de Calvatoni - é a mesma coisa que Quiririm - Taubaté: é um lugarzinho pequeno que por enquanto nem está no mapa, que eu tenho o mapa da Itália e não está no mapa, e pertence a Cremona. Agora Cremona já [é] uma cidade bem atualizada. Então ele já conhecia, mas quando ele conheceu, porque aí é um contraste, meu pai - eu estou aqui contando a história porque meu pai se casou muito tarde, com 44 anos, caminho pra 45, minha mãe tinha 27, e minha mãe sempre foi obediente aos meus pais, aos meus avós, aliás. Ela até falou assim: “Vocês não querem que eu case pra ir embora pro Brasil, eu não caso com ele”. Ele disse: “Não, você vai fazer sua vida, você vai se casar e você vai pra lá”. E foi o que aconteceu. Meu pai ficou lá oito meses lá, mas acertou tudo, porque meu avô já era conhecido da família Indiani lá, os Salari e os Indiani, então já era conhecido. Eu acredito que meu pai estava esperando amadurecer mais um pouco pra depois ele - porque ele já estava passando da idade, pode-se dizer, eu já fiz a conta, porque o meu pai, se tivesse casado na idade que eu casei, acho que eu não estava mais aqui contando história, eu devia estar com 91 anos, por aí. Então, casaram em 5 de fevereiro de 1930. Já vieram pro Brasil. Eu até tenho o convite original, eu coloquei no museu, porque eu sou enterrado lá dentro do museu lá, e eu não abandono aquilo. Só tiveram um filho: eu. Sabe por quê? É que eu não contei, e aí é que começa a história: porque eles tiveram só eu, pra ser mais fácil pra voltar. Porque meu pai encheu minha mãe de conversa, que ele ia vender tudo que ele tinha e depois ele voltaria pra lá. E aí eu nasci em 31, 13 de janeiro de 31, e passou um ano, dois - e minha mãe - , três... E eu já, desde de pequeninho, com três anos, eu já, eu lembro do que acontecia, então minha mãe sempre, não era assim aquela coisa, mas sempre, né... Minha mãe levou uma vida sofrida, sofrida, foi sofrida demais. Outra: lá tinha três jornais que chegavam no sobrado, um era o Diário Oficial, porque minha prima era professora, outro era a Folha de São Paulo e o outro era o Fanfula - deve ter por algum museu em São Paulo, deve ter. Através do jornal Fanfula - era um jornal que circula na Itália, mas trazia todas a notícias da Europa inteira - , então já estava começando a cheirar a Segunda Guerra Mundial. Meu pai era uma pessoa vivida, uma pessoa que andava muito, ele trabalhava com banco, ele ia pra São Paulo, ia pro Rio, nós tínhamos fábrica de corda, então ele era uma pessoa experiente da vida, ele sabia de tudo. Ele sabia deixar o céu pra ir pro inferno, ele ia contentar minha mãe, mas iam correr risco de vida. Porque depois que a Itália se associou com a Alemanha, fizeram pacto ali do Eixo, acabou, não teve mais jeito. E quanto mais foi passando os anos 34, 35 a coisa foi piorando, e eles lá escreviam pra gente que a coisa estava ruim, estava feio o negócio. Tinha gente saindo, vindo embora, saindo da Itália, porque estava feio, o negócio estava piorando. E quando foi final de setembro de 39 estourou a Segunda Guerra. Então um tio meu, casado com a irmã da minha mãe, morreu nos frontes da Rússia, nunca mais acharam o corpo, morreu congelado - foi uma tristeza, contar tudo. As tropas alemãs, italianas quando invadiram - porque praticamente a Itália foi invadida, quem passou o domínio, então tudo isso ajuntou tudo. Então não adiantou nada eles terem eu só pra ser mais fácil voltar, porque não conseguiram nunca.
SEGUNDA GUERRA
A Segunda Guerra, eu já era adolescente, foi uma calamidade. Meu pai não podia sair mais, que nós trabalhávamos com uma juta - Companhia Fabril de Juta - , eram todos amigos da gente, Félix Guisard, aqui da CTI [Companhia Taubaté Industrial], era gente aqui de posse. Então meu pai precisou ir na polícia, aqui em Taubaté, aqui na delegacia e tirar um salvo-conduto, fotografia. Meu pai adorava uma caçada, que podia caçar aquela época porque não tinha problema. Ele ficou em risco, confiscaram a espingarda, denunciaram o nome da cachorra perdigueiro que nós tínhamos, não se podia falar mais o nosso italiano dentro do sobrado, porque só a língua italiana era o dialeto, mas era a língua italiana. Então a gente era assim controlado, não podia, de jeito nenhum, sair fora daquilo, porque tinha quem entregasse a gente. A gente era tachado como quinta coluna: o Eixo era Japão, Alemanha e Itália, o Pacto. E quem denunciava? Tinha portugueses, porque Portugal era neutro, neutro na guerra, então achavam que eles podiam ser prejudicados. Então não era fácil, foi um momento difícil, difícil. Apareceu, eu acredito, que umas dez ou doze famílias japonesas procurando abrigo no Quiririm e lá, por sorte, tinha um senhor, o senhor Joaquim Mendes Castilho - foi uma grande figura, um português de bem - então deu abrigo pra esses japoneses. E eles saíam, corriam, eram tocados fora - eu não sei se vocês sabem, em Pindamonhangaba houve um campo de concentração. Vocês não sabem disso aí, então, nós sabemos disso aí. Mas tudo acabou, graças a Deus acabou. Os brasileiros foram deixar suas vidas à toa lá. A minha mãe chorava e dizia assim: “O italiano imigrou pra aqui pra dias melhores e os filhos vão combater contra os irmãos na Itália”. Foi o que aconteceu: brasileiros deixaram suas vidas lá, descendentes de italiano - porque vieram aqui, eram brasileiros. Era uma época difícil.
CIDADES
Quiririm Praticamente Quiririm, eu não achava que era cidade na minha época, era roça, era uma roça, porque a gente saía pro mato procurar fruta, que era uma abundância de frutas. Lá no sobrado, principalmente, nós tínhamos uma quantidade enorme, trazia os amigos pra subir nos pés de laranja, era pêra, era jaboticaba, era laranja, era banana, era pêssego: tinha tudo.
FAMÍLIA
No sobrado... É o seguinte, pra gente começar, vamos pôr a história certinha no lugar. Então eu tenho que começar pelos velhos, pelos meus avós. É o seguinte: eles montaram uma olaria, porque todos os lotes que foram vendidos no Quiririm - o coronel Marcondes de Matos era sobrinho do doutor Francisco Palio de Toledo, então esse doutor Francisco Palio de Toledo era uma pessoa sentada no dinheiro. O terreno pegava das barrancas do Paraíba e ia até no mar. Então ele disse pro sobrinho dele, Benedito Marcondes, o coronel - coronel era comprado, ele não era coronel coisa nenhuma, era coisa comprada - . então ele falou assim: “Eu te dou metade do que eu tenho, mas tira aquela italianada de lá porque lá eles não vão ter futuro nenhum, eles vão catar lata”, como dizia o ditado. Aí tiraram eles de lá, veio engenheiro do governo e abriram estradas e tudo, tiraram eles de lá. Meu avô chegou dois anos depois e já estavam começando a dividir as terras; ele pegou uma parte alta. Aí, dividiram os lotes, as terras, tudo bem, meu avô preferiu uma parte alta ali, uns três, quatro alqueires de terra e montou uma olaria. Mas quando ele veio pro Quiririm, saiu da fazenda, meu pai dizia: “Em 94 nós nos estabelecemos definitivamente no Quiririm”. Então ficaram lá resto de 92, 93, 94. Por que ficaram lá todo esse tempo? Porque no momento que eles desembarcaram em São Paulo - e no momento estavam sendo contratados - eles estavam assumindo a dívida da viagem, e seria pago com trabalho. Agora, funcionava uma caderneta - que eu guardo uma até hoje de lembrança - essa bendita caderneta de venda, como chamava na roça. Era venda, não era armazém, venda, e ali o que você produzia na lavoura era anotado, o que você consumia também era anotado. Quando chegava no fim do ano você não via dinheiro, meu avô disse que não via dinheiro, meu pai também. Aí então você ia avaliar o que você produziu e o que você gastou, mas sempre era mais que você gastava do que você produzia, eles eram lerdos, queriam segurar o caboclo ali de qualquer maneira. E foi assim. Por isso que o homem falou que tinha que tirar eles de lá, ficar escravo pro resto da vida, que acabou a escravatura negra e tinha começado a branca. Bem, meu avô se estabeleceu lá - a Central do Brasil passava ali desde 1876, mas não tinha plataforma de embarque, estação de embarque, não tinha nada. Essa é Quiririm. Os diretores da Central do Brasil mandaram um emissário, gente ali, e puseram... como no Quiririm: não era só quem ia cultivar, a cidade estava começando a formar, então tinha quem fabricasse tijolos. Então tinha dez olarias - tive a felicidade de conhecer quatro dessas olarias, naquela época - , então pôs na concorrência quem ia fornecer os tijolos mais em conta pra Central. E foi a felicidade do meu avô, porque do sobrado ali na estação é trezentos metros mais ou menos, quatrocentos metros, meu avô ganhou a concorrência e aí ele começou. E ele, os primeiros tijolos que ele fez... Em italiano, primeiro vem o sobrenome depois o nome, então tem os tijolos lá IG: Indiani Galvenci. Depois ele trocou para EFCB: Estrada de Ferro Central do Brasil. E foi que eles levantaram. Aí formaram essa chácara enorme, tinha 1600 pés de laranja-pêra, e essa laranja era colhida e vendida, e iam pra Inglaterra, embarcar no porto de Santos, ia embora pra lá. Tinham montado a fábrica de corda... Todos trabalhavam unidos, as moças também. Meu avô já tinha a fábrica de cordas na Itália. Lá eles não estavam tão mal assim de vida, estavam até mais ou menos. Depois começaram com gado também, então eles estavam bem, já estavam bem. Mas aí o tio Basílio com a tia Anunciata, que casaram lá - essa tia Anunciata faleceu aqui em Taubaté, ela é mãe de todos os escolásticos que tem aqui em Taubaté. Então o tio Basílio com a tia Anunciata tiveram sete filhos, então aí começaram a casar e foram saindo, saindo, então foi diminuindo depois a família lá. Teve três casamentos no sobrado. No quarto em que eu dormia foram realizados três casamentos. Você vê que tempo bom, fazia casamento em casa. Eles começaram lá por 1903 ou 4, porque é o seguinte, a minha avó, o senhor dela era o sobrado, queria demais que o meu avô fizesse o sobrado. Com a olaria, cada vez que eles enchiam o forno, tiravam - separavam - um pouco de tijolos pra fazer o bendito sobrado, e quando foi em 96 já tinha aquela pilha de tijolo, mas os tijolos de antigamente eram enormes, eles mediam 32 por 12 de altura, é um despropósito. Como eram produtos dele, eles não tinham miséria: abriram um alicerce - meu avô achou que aqueles montes de tijolos davam pra fazer - abriram um alicerce com dois metros e meio, e são tijolos duplos assim, uma camada, depois uma inversa e, olha, veja bem, tudo assentado no barro, não gastaram um centavo em ferro, em cimento, areia eles tinham e o barro também, eles tinham ali a terra vermelha. Aí levantaram, quando saíram fora da terra, adeus tijolos, já tinha acabado os tijolos. Então foi uma coisa, uma frustração, frustração, os tijolos que ele pensava que dava pra erguer o que eles queriam foi tudo no alicerce. Aí: “Vamos trabalhar pra construir mais”, mas eles precisavam viver também. Aí deu uma maré danada: seis meses consecutivos de chuva, sem sol, não podiam fazer nada, seis meses. A família morava num rancho, onde hoje os Gadioli têm o restaurante. Tiveram que desmanchar o alojamento da criançada pra poder vender o tijolo, porque não tinha dinheiro mais. Até que o tempo melhorou e eles continuaram. Terminaram em abril de 1903, o bendito sobrado... Foram sete anos; está lá: “Aprile de 1903”. Aí minha avó ficou satisfeita. Muita coisa aconteceu nesse sobrado, muita coisa. Ele ficou com tijolos a vista e só com aquelas telhas comuns em cima, caindo assim a pingadeira, e quando foi lá por 1911, 12, por aí, ele recebeu o acabamento, o reboque. E não era veneziana, era janela maciça, tudo maciça, imagina. E quando foi em 1938 mais ou menos, 39, tiraram as janelas maciças e botaram venezianas. E ele está lá até hoje. Hoje é o museu, Museu da Imigração. Devo isso ao prefeito Bernardo Ortiz. Minha casa, onde nasci, minha casa é museu hoje em dia, eu trabalho lá a hora que eu quero, faço o que eu quero lá dentro, tenho liberdade.
COMÉRCIO
A fábrica de corda começou logo que eles se estabeleceram. Meu avô já tinha as duas coisas, a olaria e a fábrica de corda, e depois o gado. A corda eles fabricavam e vendiam pra Minas Gerais, era o cordel de barrigueira, pra fazer a barrigueira do animal, que era muito usada naquela época. Ia pra Passa Quatro, Belo Horizonte, Formiga, Curvelo, Itajubá e São Lourenço, todos esses lugares assim, de roça, usavam muito aquilo. E a corda também ia pra Porto Alegre. Lá tinha uma firma - chamava-se Lemos & Lemos. E aquilo dava dinheiro. Foram, trabalhavam que nem os italianos dizem, “que nem besta”, desde manhã cedo até à noite, era aquilo, era trabalhar, o imigrante - não só da minha família, o imigrante - veio aqui pra trabalhar, ele não queria saber de coisa, era trabalhar. Pra mim, levantava a moral dele, deixaram a pátria mãe pra vir num lugar duvidoso e tudo que prometeram não foi cumprido, então eles tinham que trabalhar. Então a coisa não era fácil.
EDUCAÇÃO
Em Quiririm tinha escola, Grupo Escolar de Quiririm. Como eu era filho único - agora vou contar uma coisa contra mim, que arrependimento que eu fiz na minha vida, viu, que arrependimento -, pois é, único filho minha mãe, meu pai fazia de tudo pra eu estudar, mas saí, não quis mais. A minha vida era no campo, não queria saber de estudo de jeito nenhum. Os meus filhos já obriguei todos eles: “Não, vocês vão estudar porque não vão bancar o asno do seu pai”. Graças a Deus me defendi. Daí eu voltei, não quis estudar mais - isso foi em 44 - eu voltei e fui pra fábrica, aí eu estava no meio das árvores, no meio do campo, no meio dos bichos que eu sempre adorei. Quando foi em 1º de agosto de 1950 fui convocado pro Exército, aí fui pra Lorena.
JUVENTUDE
Servi em Lorena. Aí foi uma pancada pro meu pai, porque só estava meu pai e meu tio lá tocando a fábrica e os empregados que pegavam de fora. Mas empregado é empregado, é fogo, porque quando a pessoa manda o pedido daquela corda tinha que ser feito daquela corda, era dessa grossura assim, era três milímetros, se a pessoa colocasse mais de uma corda, ele não aceitava o pedido, você perdia o pedido. Então o meu pai era o cabeça dali, ou eu, ou então os meus primos que trabalhavam comigo. Aí quando foi final de 52, quando foi... Aliás, voltando um pouquinho, foi em 45, 1945, chegou um primo meu aqui de Taubaté e falou assim pro pai dele e pro meu pai: “Olha, vou dar uma notícia pra vocês: a Central do Brasil vai deixar de passar aqui no Quiririm”. Olha, eu nunca vi os dois ficarem tão acabrunhados, pensei que fosse dar um treco nos dois, porque toda a vida dependemos da estrada de ferro, toda vida, e eu principalmente, pra embarcar pra outro quartel. Toda vida, precisava dela. Eu ia no pasto, pegava os dois bois, colocava no carro - olha que coisa deliciosa - , chegava lá na fábrica, colocava os volumes pesados em cima, o empregado ajudava, lá ia com o carro pra levar na estação pra ir embora pra Minas ou pro Rio Grande do Sul. Então pra ver... Isso tudo marcou a minha vida. Quando foi em 52 meu pai resolveu dar baixa lá. Aí, em 53, um irmão dele já faleceu.
TRANSPORTE
A estrada de ferro continuou passando em Taubaté, mas aí já ia complicar, já tinha que pegar caminhão, porque carro de boi já estava começando a ficar perigoso por causa da estrada, antiga estrada. Antiga Rio - São Paulo, tinha que pegar ela. Passava dentro do Quiririm. Tinha comércio em Quiririm. Minha mãe fazia compra de armazém ali. Agora, roupa era em Taubaté. Roupa, sapatos, os móveis.
SEGUNDA GUERRA
Na época da guerra, foi uma calamidade. De 39 até 45 a condução era uma desgraça, era só trem e o trem atrasava muito, porque o carvão foi desviado pros navios que estavam combatendo. Então, a Central era movida por um xisto betuminoso. Até andaram fazendo depois furação, aqui no Vale do Paraíba, tem muito isso aí. Então a máquina não tinha pressão, atrasava demais, duas, três horas. Como eu vinha pra Taubaté com a minha mãe, eu dava graças a Deus de atrasar porque eu ficava no jardim da estação, tinha um parque com muitos bichos ali, nossa, eu ficava ali, vendo os marrecos, os bichos todos.
TRANSPORTE
De Taubaté a Quiririm... tinha um trem chamado misto, porque era um trem de carga e no fundo dele tinha uma miserável classe. Era tanto tranco que a pessoa... Um dia minha mãe estava sentada, aquele banco de frente assim, ela foi parar no colo de outro, do tranco que deu pra sair. Esse era o tal de misto. Tinha o Expressinho também, e esse que vinha do Rio de Janeiro e passava no Quiririm dez pras oito da manhã e chegava no norte, estação Roosevelt, meio-dia, meio-dia e meia, por aí. E à tarde tinha outro. Tinha o rápido, tinha o noturno, tinha trem de luxo, tinha muitos deles. Mas pra nós, para ir pra Taubaté, você tinha que esperar o das dez horas. Dez horas da manhã. Era meia hora. Não tinha outro transporte na época da guerra. Não tinha jeito porque, não tinha... O combustível era racionado, não tinha mais, aí transformaram os carros em gasogênio. Gasogênio, porque era mais econômico. Aí depois começou a melhorar um pouquinho. E os trens atrasavam muito. Uma vez, minha mãe disse: “Ah, Zé” - ela me chamava Zé - “Ah, Zé, o trem está demorando tanto, está muito atrasado, não sabe a hora que vem” - porque ele estava lá pra Cachoeira Paulista ainda. E ela disse assim: “Vamos embora a pé, é tão pertinho”. Ai madonna mia, ai meu Deus do céu, minha Nossa Senhora Era um bom pedaço. Não parece, porque nós saímos por aqui, aí você passava a linha onde é aqui na Independência, depois pegava aquele trecho, depois passava o cemitério, até chegar lá. Criança tudo é festa, mas minha mãe chegou baqueada lá, e com coisa na mão, sacola...
NAMORO
Em 1º de maio de 1949 comecei a namorar a Lenina, e ela já me conhecia há dois anos. Ela morava ali onde hoje é o Bristol, e eu passava com o carro de boi pra... Aí ela começou a me pedir informação, disse: “O que é que ele faz? Que isso, que aquilo. O que é que ele faz?”. Disse que desde de pequenino, eu indo pra escola, o meu apelido é Zé I, ninguém me conhece por José Indiani, Zé Indiani, diminutivo. Então Zé I, Zé I qualquer gato, cachorro sabe quem é. Bom, aí ela perguntava, depois que ela contou pra mim, mas eu tive mais outra namorada antes dela, mas assim, conversa. Agora, 1º de maio de 49 peguei pé firme mesmo, sabe. Ai meu Deus do céu, foi só conversar com ela na praça ali, atrás da igreja que dava ali, que dava uma vista bonita, já foram levar pra minha mãe que eu estava namorando, aí começou o inferninho... Filho único, e ela não queria, queria me levar solteiro pra Itália, pra eu casar com uma italiana lá. Ainda com a idéia... Nossa Senhora Pra resumir o caso, eu não desejo pra ninguém o que eu passei. Eu passei sete anos e dezenove dias triste - namorei sete anos e dezenove dias. Não sei onde Deus mandou aquela coragem de deixar o pai e a mãe e ir pra igreja.
FAMÍLIA
Meu pai e o meu sogro, Bento Alvarenga, jogavam bocha juntos lá no restaurante da Rosana, hoje, ali era um jogo de bocha. José Bento de Alvarenga. Ele teve armazém aqui em Taubaté, no largo do Rosário. Esse doutor Francisco de Paula Toledo era um português ricaço, não sabia o que tinha e ali tinha uma colônia de portugueses, pra baixo da estação tinha também portugueses e do lado do posto tinha um português que era o senhor Francisco Castilho. Então esse homem era casado duas vezes, e ele veio lá de Portugal com três ou quatro filhos, esse doutor Francisco Castilho, e daí depois ele deixou tudo pro filho, o senhor Joaquim Mendes Castilho, e ele em 1904, 1904, achou que ali era um ponto muito bom por causa da estrada de ferro, então ergueu aquele armazém. E ele ficou rico, mais rico ainda, e ficou o nome, ficou sempre Casa Castilho, agora que trocou por Le Bristô. O meu sogro alugou. Eram muitas irmãs, eram dez, fora o que faleceu quando pequenos. Uma mora no Paraná, uma já é falecida, e o resto estão todas vivas, quando se encontram é uma festa.
CASAMENTO
Quando eu namorava, cada vez que saía de casa minha mãe falava: “Já vai atrás, já vai atrás”. Saía de casa era tempestade, chegava lá em cima era trovoada, porque sempre - eu não posso dizer nada, do sogro e da sogra que eu tive, eu desejei eles pra todos. Porque agüentar um cara encostando em casa sete anos, saber se vai casar ou não vai, ela dizia pra Neli, ela tinha apelido de Lila, então dizia: “Lila, não adianta, o Zé I não vai casar com você, o pai e a mãe dele quer que ele case com uma italiana, que vai embora lá pra Itália, não sei o quê”. Mas eu gostava dela e ela também, porque senão a gente não tinha agüentado tudo isso. Eu sei que quando foi um belo dia lá, ela disse assim: “Olha aqui, vamos dar um fim nesse negócio”. “Vamos.” Aí ela mesmo marcou o casamento no dia 20 de maio de 1956, num domingo, às quatro horas da tarde. Eu me lembro até isso, até hoje, foi um parente do pai dela até que fez o casamento, Cícero de Alvarenga, já é falecido, então ele que nos fez o casamento, porque padre não era sempre que ia lá, então quando fazia os casamentos assim, geralmente era domingo à tarde e o meu foi quatro horas, dia 20 de maio de 1956. Ah, eu me despedi deles lá no sobrado, tudo pra sair. Eu era muito mimado, um filho só... Fui lá no pasto, peguei o carro, botei todas as minhas coisas em cima e lá fui eu pra minha casinha onde nós íamos morar. Eu aluguei uma casa, estava tudo certo. Aí depois do casamento, aí a coisa endireitou. Depois endireitou, mas minha mãe pra lá, minha mulher pra cá, não passavam na ponte junto, de jeito nenhum, de jeito nenhum. Como meu pai acabou com a coisa, eu fui plantar, fui plantar verdura. Aí eu casei, tudo bem, bom, aí a coisa começou a engrenar: “Graças a Deus agora vai dar certo a coisa”. Aí nasceu o meu primeiro filho, aí minha mãe, Nossa Senhora, ela carregou o menino pra lá, ela mais vivia lá do que em casa - aí eles já estavam morando na parte alta. A parte alta é onde eu moro e a parte baixa é onde plantava arroz. Bem, daí o menino vivia lá na casa da minha mãe. Nossa, ele vinha bem penteadinho, tomado banho. Mas em casa foi a oração de são Bento, um pra fora e outro pra dentro: foi um filho atrás do outro, foram seis, e aí a Neli ainda perdeu um. Italiano... a família é grande. E meu pai não se conformava, minha mãe não se conformava, falava pro sogro: “Mas meu Deus, o Zé I, outro filho lá, outro filho”, mas graças a Deus tudo trabalhando, eu trabalhando. Depois apareceu um serviço na prefeitura - o meu sogro era subprefeito de Quiririm. Aí - eu sempre gostei dessa coisa de jardinagem, essas coisas - , aí eu entrei, entrei e me aposentei pela prefeitura, me aposentei bem, até, e daí consegui ir pra frente. Depois meu sogro comprou aquela casa onde eu moro, então é da família, eu é quem pago tudo: imposto, água, tudo sou eu. E lá fazem, vai pra 46 anos que eu moro lá, vou fazer 48 de casado.
FAMÍLIA
Em 62, dia 11 de novembro de 62, o meu pai falece. Aí meu menino foi morar definitivamente com minha mãe. Mas depois pediram a casa lá, sabe, aí ela veio morar comigo. Aí começou outra vez a coisa, aí não deu certo outra vez. Porque diz o ditado: quem casa quer casa. Mas aí, meu Deus do céu, trabalhavam juntas, minha mãe não falava com a minha mulher - eu tenho dó de falar isso, mas é verdade.
CIDADES
Taubaté O comércio de Taubaté, o que eu me lembro bem é o seguinte: quando eu estava no quartel - veja só o que eu fazia - , soldado nunca tem dinheiro, eu vinha em casa pra pegar dinheiro do meu pai e depois era cinema, sete dias passava logo, depois ficava com o bolso vazio e vinha buscar. Pra voltar não tinha dinheiro mais, o que a gente fazia? Hoje que eu estou revelando isso na frente de uma câmera porque eu não tenho coragem de fazer isso. A gente saía, juntava lá uns três ou quatro, dava um trocadinho pro guarda, e a gente saía como paisano por baixo e a farda por cima, e vinha pra estação de Lorena. E quando era mais ou menos duas horas da manhã passava o noturno, era um trem de luxo naquela época e tinha um dormitório, uma classe atrás que não abria aquele ziguezague, era fechado ali. Então a gente vinha de graça de trem, subia... Tirava o uniforme, trazia pra minha mãe lavar, daí a gente subia, eu vinha até Taubaté de graça. Aí daqui ia embora por Quiririm, era dois minutos já estava lá. E daí eu tinha esse pessoal da Francano, da fábrica de doce, que no sábado ele fazia entrega de doce lá pro sogro, então ele me dava carona - olha só - , tudo engrenava certinho. As lojas, então eu lembro desses irmãos Alam, Jorge Alam, eu lembro do senhor Jamil, um outro que era turco também ali, tinha a Casa Diamante que amolava as coisas no mercado ali. Tinha a Casa Philadelpho, o seu Eliazinho, que tinha uma beneficiadora de café, na rua do Café, ainda tem o nome até hoje, né? Tinha um armazém também ali no largo, a famosa bica do Bugre... A Casa Taubaté, eu tenho uma recordação. Era dia do aniversário da Neli, eu não sabia o que dar. Passei na esquininha da casa Taubaté ali, depois passou Casa do Pêssego, pegado ao antigo Palace, ali na esquina, eu vi uma baianinha em forma de sino - e eu acredito que seja prata, até porque é muito pesada - , aí eu trouxe a caixinha, a última que tinha, eu comprei e dei pra ela. A lembrança da casa Taubaté. Eles moraram uns tempos aqui em Taubaté, porque o pai dela teve armazém no Pinheirinho, lá no Passa Quatro do Paraíba, e vai embora. Depois de lá ele estava bem, aí ele veio aqui nessa casa em Taubaté. Coitado, o fiado acabou com ele.
CIDADES
Quiririm A gente fazia compra lá no Quiririm mesmo. Roupa vinha pra cá. A criançada estudava tudo lá em Quiririm. Lá tinha uma lojinha, tem até, nesse lugar - ele chama de lojinha - , depois começou os armarinhos - ele chama de armarinho - e ali começou a vender de tudo um pouco, pra evitar o transtorno de a pessoa vir aqui, embora fosse um pouquinho mais caro lá. Quiririm significa assim, é um lugar que não acontece nada, lugar de gente pacata, lugar tranqüilo. Era um fazendão, era um fazendão, apenas uma estrada passava no fundo da minha casa, que ainda passa até hoje, atravessava dentro do Quiririm. Não tinha nada no Quiririm. E ali vinha o café. Eu gosto muito de ler, então eu peguei um livro da prefeitura e estava lá, o café sendo embarcado pra Bragança Paulista, passava por Nazaré Paulista, pra cá, transpondo a Serra do Mar, ali, a Serra da Mantiqueira, descia pelo varjão do Quiririm, atravessava o Quiririm, pegava em Ubatuba, depois destino Ubatuba pegava o café no navio pra ir pro Rio de Janeiro. Então Quiririm tem essa história. Ele passou a ser reconhecido como distrito em 1914, foi aí quando aconteceu aquela coisa do frade, lá. Em 1914 aconteceu um caso triste no Quiririm, foi verídico. Em 1914 Quiririm passa a ser paróquia. A diocese de Taubaté manda pro Quiririm porque sabia que ali eram só italianos, manda um frei. Esse frei era descendente de austríaco - olha só a confusão que foi armada. E acontece que a Itália e a França eram aliadas, e Alemanha com a Áustria também aliada na Primeira Guerra, do 14 ao 18. Então conta, meu pai contava, que o frei, quando Alemanha, Áustria faziam suas vitórias sobre a Itália e a França, ele gozava da italianada dentro da igreja, e quando era ao contrário a italianada fazia o mesmo. Mas o clima foi se agravando de tal maneira que a italianada prometeu matar o frei. E contam os antigos, gente que eu consegui de consciência, que ele desceu correndo o morro pra pegar o trem pra ir embora, que eles queriam matar, mas antes de ele embarcar, pôs uma praga no Quiririm: que o Quiririm havia de ser sempre uma coisa minúscula, nada ia ser pra frente, os descendentes iam morrer de doença contagiosa. E aconteceu, coisa que eu fui prova, coisa que não havia de se ter entendimento: famílias, brigas por posse de terras, tudo isso aconteceu. Agora diz que essa coisa já foi tirada, eu não sei, mas que aconteceu, aconteceu.
INFÂNCIA
Nossa Senhora Aparecida, [eu] ia sempre pra São Paulo. Ia de trem, e pra mim era a coisa mais gostosa que tinha. Ia passear, porque depois eu despachava de caminhão a verdura, eu ia lá no Mercadão central receber lá da japonesada. Mas falar de trem preciso contar alguma coisinha quando ia pra São Paulo com meus pais. Andando no trem você vê, eu dizia assim: “Por que as arvores estão correndo da gente?” - porque o trem, as árvores vão sumindo. Aí chegava em Jacareí eu ficava abismado de ver o pátio dos trilhos. Ali era onde consertava as máquinas antigamente, então tinha uma parada de quinze a vinte minutos. Vinham as pessoas responsáveis e examinavam a máquina, e a máquina era a vapor, então a gente ficava ali. Vinham aquelas pessoas vender as coisas: “Biscoito de Jacareí”, fruta, uma coisa, outra, me lembro direitinho. Meu pai ia contando as estações até chegar em São Paulo: “Agora é Mogi das Cruzes, agora não pára mais, agora vai direto no norte”. Tinha a primeira parada, São Carlos, Bom Jesus, mas essas estaçõezinhas passava direto. A primeira vez que me levaram coincidiu com 7 de setembro. Ali no Brás, quando desembarcamos estava tendo o desfile, eu fiquei, nossa, aquilo parecia que o coração ia explodir de ver aquele pessoal, eu dizia: “Mas como é que tem tudo esse povo tudo vestido igual?”, porque a roupa toda igual, aí eles tiveram que me contar. Depois fomos pro mercado, meu pai queria mostrar o mercado pra mim, pra minha mãe também. Minha mãe ia sempre com ele, e eu toda vida fui doido por banana, eu gosto de banana mesmo, não sei por que eu sempre gostei de banana. Ia passando, assim, perto de uma banca, perto do mercado, isso vem vindo, era uma espanhola bem “troncada”, sabe, bem corada, quando eu vi aquele monte de caixa de banana-ouro, banana-maçã, assim, prata, tudo encostado. Eu corri e já abracei: “nana, nana” - em italiano, quer dizer, “Banana, banana” - , eu abracei, ela veio, coitada da espanhola, ela me deu duas ou três, eu saí contente na mão do meu pai, da minha mãe, todo contente, nunca mais esqueci isso daí. Ah, tinha uns cinco, quatro, cinco anos. Depois fomos pra Santos, passamos aquela bendita daquela coisa, o Guarujá ali tem uma travessia de balsa ali, balsa, barco... Então tem uns porcos, que chama de porcos marinhos que acompanham a embarcação, em torno do barco, da balsa. Tinha uns bancos pra sentar e pra ver, minha mãe me colocou de joelho, não, eu queria ficar de pé ali, pá, ela me esquentou. Mas olha, é tanta coisa. Uma vez, meu pai comprou um chapéu Ramenzoni, melhor chapéu que existia na época, depois dele era o Prada, não existe mais. E o fogão de lenha ardia o dia inteiro lá em casa, um caldeirão de água quente, sempre pra pôr no tanque. Eu peguei, assoprei um pouquinho, fui pôr o chapéu lá dentro. Eu fui demais de danado, eu chamei ele - porque eu não chamava meu pai de pai e nem minha mãe de mãe, era Adélia e Caetano. Então chamei, ela: “Meu Jesus Cristo”, eu corri tanto, eu passei a fábrica, eu passei o pomar e subi pro pomar, fui subindo no pé de laranja. E lá em casa tinha hora certa pra tudo, eu disse: “Ah, acho que eles esqueceram da tragédia, né?”. A gente chegando de mansinho, mas não deu outra: entrei em casa e já pá, pá, pá, apanhei porque fugi, apanhei porque botei o chapéu no forno, apanhei porque cheguei atrasado pro almoço. Não adiantava mais chorar, porque daqui a pouco estava aprontando outra, não adiantava nada. Ia no galinheiro, espatifava a galinhada, amarrava um fio com um pano vermelho e tocava pra fora. A gente era proibido de assistir, ouvir rádio, a gente não tinha televisão por causa da guerra, a gente era vigiado. O meu cunhado, coitado, já faleceu, era técnico de rádio, essas coisas. Ele montou um rádio tão potente que se ouvia as notícias de lá, da Itália, mas eles queriam só ouvir as notícias boas do nosso lado, mas não queria saber que a Itália estava perdendo a guerra, Alemanha estava perdendo a guerra, achavam que ainda... eles tinham aquela esperança. Mas aí, aquela senhora lá, uma italianona, fazia o pão em casa naqueles fornos assim, fazia manteiga em frente de casa, lambuzava aquilo lá. Antes de ela entregar aquilo pra gente, eu estava brincando com os netos dela, assim, numa sala, eu já tinha comido aquilo com os olhos - em casa não faltava nada, meu Deus do céu, tinha de tudo - , ela vinha, só falava italiano com a gente: “Toma esse pedaço”. Eu comia aquilo, e brincando com a criançada. Ela, coitada da senhora, via que já tinha acabado o pão, ela vinha com mais pra trazer pra gente, está pensando que eu pegava? Primeiro eu olhava pra minha mãe, conforme a fisionomia que a minha mãe fazia, eu falava: “Não, não quero mais”, de jeito nenhum. Agora, se ela desse um sinal ou um riso lá, podia pegar outro. De jeito nenhum, nunca aprendi a ser “entrão” assim.
VALE DO PARAÍBA
Conheci outras cidades aqui do Vale, ia de trem. E depois começou a melhorar, tinha ônibus. Era por causa das orquídeas também, aí já comecei a colecionar orquídeas, fazer exposição de orquídeas, ia sempre por um lado, por outro, ia sempre. Ia encontrar com os amigos, mas isso bem mais agora, mais agora, mas naquela época lá já era mais difícil. Depois começou uma empresa de ônibus, até o rapaz ainda é vivo, mora em Lorena, o Malerba, empresa Malerba. Mas na época mesmo da guerra, era assim: passava na estação tinha que sujeitar o trem, porque não tinha outra condução, não tinha de jeito maneira, era só isso daí. Agora, depois da guerra, que aí depois começou a normalizar, aí o pessoal da roça lá vinha e olhava, via, se o trem tivesse na hora ficava no trem, senão eles subiam de ônibus.
TRANSPORTE
Quando fez a Dutra, eu estava no quartel. Ela começou em 48, já começou o traçado. Em 50, 51 tinha uma parte bem pavimentada. E nessa época também a estrada de ferro deixou de passar no Quiririm. Eu já passava aqui em Pindamonhangaba, o trem ia devagarinho, as pedras até iam rodando assim, sabe, porque ainda não estava firme no leito da Central. Eles mudaram o trajeto da Central porque a Central sempre deu prejuízo. Na época da guerra não tinha mais carvão, era lenha. Aí foi a degradação - isso é que corta o coração - depenaram a Serra da Mantiqueira, como é que diz, Campos do Jordão, aterraram defronte a Caçapava, desceram com tudo, cortaram tudo. Vinha de carro de boi, vinha trinta carros de boi por dia empilhando aquela lenha tudo no pátio da estação, aí o trem era movido a lenha, então acabaram com a natureza, acabaram. E era assim: chegavam mil metros de lenha, diziam que eram dois, então a Central foi pro brejo, não teve mais... O pessoal roubava demais, infelizmente foi o que aconteceu.
CIDADES
Quiririm Em Quiririm tinha a tradicional festa de santo Antônio e de Nossa Senhora, porque a festa de santo Antônio era uma inveja aqui no Vale do Paraíba: vinha gente de todo lugar, porque era uma festa... Eram quinze dias, porque lá eles colocaram assim: santo Antônio, 13 de junho, porque veio muita gente de Pádua pro Quiririm, então santo Antônio de Pádua, e veio gente de Cremona e Calvatoni, que era Nossa Senhora Conceição, Imaculada Conceição, então puseram lá. E um dia um padre lá do Quiririm perguntou: “Seu Zé I, por que tem essa imagem de Nossa Senhora aqui? Diz que foi os frades trapistas que puseram?”. Eu disse: “Não, não foi. Não foi porque os frades trapistas chegaram aqui na fazenda do Birizau em 1904, e os italianos já estavam assentados desde de 1890 lá no Quiririm, e o lugar foi bento em 1895”. Então eles tinham uma vantagem de quase dez anos. Os frades contribuíram com os italianos, foi a semente de arroz melhorada, porque os italianos plantavam arroz que era nativo, um arroz que quando descasca a mulherada não gosta muito de comprar. Porque tem arroz vermelho dentro, então aquele é o arroz nativo. Os frades sabiam que tinha uma colônia italiana e eles vieram oferecer a semente, e aí melhoraram. É por isso que tem essas festas. Agora, a festa de santo Antônio, eu me lembro que quando acabava a festa no domingo tinha um baile no salão do Quiririm. Tem uma sede lá e a minha mãe adorou toda vida o bendito baile. Eu tinha uns três anos, mais ou menos, e tinha o pessoal do Valério, já se foram todos... Mas eu tinha uns dois anos, três anos, dois anos e meio, três anos, eu me lembro disso aí. Eu me esperneava no colo da italianada lá, e minha mãe dançando. Mas o baile começava quinze pras oito, oito horas, no máximo onze e meia, meia-noite terminava. Agora, hoje não: começa meia-noite e vai até seis, sete horas da manhã. Então meu pai ia jogar bocha, baralho e minha mãe ia no baile. Depois desciam os dois juntos. Isso era infalível. Mas fora a festa, todo sábado e domingo tinha o bailinho da italianada, lá. E quem ia tocar lá era o famoso Quintino Brotero de Assis e Tremembé, já falecido, com a bandinha dele. Esse era infalível, era ele quem tocava.
FAMÍLIA
Depois minha mãe se familiarizou aqui: era samba, era qualquer coisa lá, era valsa e todas essas coisas, mas era isso aí. E tem outra coisa, com esse negócio de ela ir lá e aqui, quando minha mãe chegou da Itália, tinha uma bandinha, uma minibandinha no Quiririm, tinha uns quatro, cinco, seis, sempre tem nos lugarzinhos pequenos assim de roça, sempre tem. Aí sabiam que meu pai ia chegar com a minha mãe, foram na estação esperar e foram tocar até no sobrado. Lá teve um baile quando eles chegaram, chegaram no Expressinho das nove e meia da noite de São Paulo, porque vieram desembarcaram em Santos, vieram pela antiga Rio - São Paulo e vieram embora. Ela voltou pra Itália em 31 de julho de 79. Foi uma sobrinha minha do Paraná, sobrinha da Neli, por parte da Neli, e ela disse assim: “Tio, o senhor não quer me dar o endereço lá de Calvatoni, onde mora a vó Adélia”. Não era nada dela, mas chamava vó. Passei pra ela por telefone. Aí quando ela chegou em Gênova, ela ligou lá pra minha mãe. A minha mãe quase deu até um troço nela, as minhas tias elas falaram que ela ficou tão contente que ia alguém do Brasil lá visitá-la, aí disse assim: “Oi, dona Adélia como vai a senhora?”. “Pode vir”. Ficou um mês lá, passeou por toda redondeza, ficou hospedada com as minhas tias, chegou na hora de vir embora ela estava com um pé no Brasil e outro na Itália. No ano que ela foi embora casaram-se dois filhos meus, e já tinha os netos, eu já tinha os meus netos, os filhos deles. Ela disse: “Dona Adélia, e agora está chegando o dia de eu ir embora. Como é, a senhora vai ficar ou quer voltar pro Brasil pra conhecer os netos?”, pondo fogo, pondo brasa na fogueira. Mas, olha, ela arrumou o passaporte dela, pegou o avião e veio embora. Aí alugamos um microônibus, lá foi a turma do Quiririm. Eu tenho a foto. Fomos lá em Congonhas recebê-la. Ela veio embora e não voltou mais. Ela foi viúva, depois, porque meu pai faleceu em 62, ela voltou em 79. Então, eu disse: “Puxa vida, quem sabe agora vai dar certo aqui em casa”. Não adiantou nada: a coisa foi bem um mês, dois, depois começou a entortar tudo de novo. Foi até o dia em que ela faleceu. Ela viveu quase 93 anos, ela faleceu dia 5 de março de 95. E o meu sogro também faleceu no mesmo ano, só que ele tinha feito 93 e ia pra 94. Tenho cinco netos e um casal de bisnetos. Nossa Senhora, isso aí pra mim... Num domingo, não se ajuntar a turma, não é domingo pra mim, não é. A filha, de vez em quando ela liga: “Pai, cadê a mãe?”, eu digo: “A mãe está aqui”. Aí ela fica bordando lá o dia inteiro, gosta de bordar, minha mulher gosta de bordar, gosta de fazer as coisas. Vai uma filha: “Vai mãe, faz uma coisinha”, ela fica lá, ela gosta. Então daí, se não se reúne, pra mim é uma bordoada. Então: “Pai, não vai dar pra ir porque hoje a sogra quer que vamos comer com ela”, lá na roça, ela tem a sogra viva, o sogro já faleceu. “Ainda bem, um de menos já pra vim, então vai diminuir uma cadeira e um prato na mesa, né?” Mas vem o resto, vêm os outros, aí ajunta. Quando ajunta tudo tem uns dezoito, vinte, 21, 22, e pra mim é uma alegria, gaste o quanto gastar, eu quero a turma.
AVALIAÇÃO
Trajetória de Vida Tirando o que eu passei, essas “coisaradas”, mas mesmo assim, graças a Deus eu tenho saúde, eu fico o dia inteiro no sobrado, eu vou lá na roça, eu vou no meu orquidário, desço aquele morrinho não sei quantas vezes por dia, lá. Olha, graças a Deus, por enquanto está tudo bem, 13 de janeiro, se Deus quiser, eu intero 73. Vamos fazer um presépio, todo ano fazemos um presépio, isso é costume da gente. Eu criei meus filhos na praça, e sempre foi ali, eu criei meio rígido. Porque bastava dar uma assobiada, já procurava onde estava e já pra casa. Então, naquele tempo podia fazer o que quisesse ali, a praça ali sempre foi uma praça mesmo. Uma maravilha.
Memórias do Comércio - Vale do Paraíba (MCVP)
A vida de José Indiani
História de José Indiani
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 11/03/2004 por Museu da Pessoa
P1 – Boa tarde, senhor José.
R – Boa tarde.
P1 - Eu gostaria de iniciar perguntando seu nome, o seu local de nascimento e data de nascimento.
R – Meu nome, eu me chamo José Indiani, nasci no Distrito de Quiririm, no dia 13 de janeiro de 1931, onde é hoje o sobrado que é o Museu da Integração Italiana.
P1 – Senhor José, o nome dos seus pais.
R – Os meus pais, meu pai chamava-se Luiz Caetano Indiani e minha mãe Adélia Salari Indiani.
P1- O nome dos seus avós.
R – Meus avós chamava-se, paterno Galdêncio Indiani e Blandina Faraboli Indiani e maternos posso falar?
P1 – Pode.
R – Joseph Salari e Ana Maria Benasi.
P1 – Seus avós são italianos?
R – Sim.
P1- Vieram pro Brasil quando?
R – Eles são da província da região da Lombardia, do norte da Itália, da província de Tremona e de lá eles embarcaram como imigrantes, desembarcaram no porto de Santos, no dia 15 de outubro de 1892. De lá subiram pela antiga (Rioei?), que hoje tá desativada pra São Paulo lá na hospedaria e da hospedaria depois destino Vale do Paraíba.
P1- Já pra Quiririm?
R – Isso, depois eles desembarcaram aqui pra Taubaté, de Taubaté foram pra fazenda do Quilombo, chamada também de Fazenda o Barreiro. Posteriormente isso foi em 92, né, 1892, depois em 94 se estabeleceram definitivamente em Quiririm.
P1- Então eles vieram nas primeiras levas de imigração de Taubaté.
E – É, eles já não foram as primeiras leva, porque eles chegaram em 1892, em 1890 e até 89 já tinha chegado em São Paulo os imigrantes com destino pro Vale do Paraíba.
P1 – E seus pais nasceram já no Brasil?
R – Não, meus pais vieram de lá, né, porque meu pai chegou com 6 anos junto com meu avô. Eram seis filhos, cinco vieram com meu avô e o mais velho já estava casado e ficou lá porque ele queria ingressar nos Carabinéris, na policia italiana. Mas não sei o que aconteceu não deu certo, aí ele chegou 6 meses depois. Veio por conta própria, desembarcou, o mesmo trajeto e foi pra fazenda se ajuntar com os pais, né, então eram seis irmãos.
P1- Sua mãe?
R – Não, minha mãe já é outras história.
P1- Mas ela chegou...
R – Não, já é outra história, porque como eu contei pra Claudia lá em casa a coisa é complicada, viu, é muito complicada. Ele fizeram a vida aqui, meu pai, meu avô, minha avó e quando foi já no século XX meu pai voltou pra Itália pra passear, isso foi em 1919, porque já tinha acabado a primeira guerra mundial, né. Então ele já achou diferente, porque ele já tava com 27, 26, 27, porque ele nasceu em 86, 1886 e voltou novamente, trabalhou mais um pouco e em 1905 ele foi novamente pra lá, voltou, em 1929 começa a história. Porque aí ele foi namorou, noivou e casou-se com a minha mãe no dia 5 de fevereiro 1930.
P2 – Mas ele casou com a sua mãe lá na Itália?
R – Lá na Itália.
P2- Como é que ele conheceu sua mãe lá?
R – Ah, porque era de Calvatoni, desculpe que eu esqueci, é a mesma coisa que Quiririm/Taubaté, é um lugarzinho pequeno que por enquanto nem tá no mapa, que eu tenho o mapa da Itália e não está no mapa e pertence a Cremona, agora Cremona já uma cidade bem atualizada. Então ele já conhecia, mas quando ele conheceu, porque aí é um contraste, meu pai, eu to aqui contando a história porque meu pai se casou muito tarde que eu falei, com 44 anos, caminho pro 45, minha mãe tinha 27, e minha mãe sempre foi obediente aos meus pais, aos meus avós aliás, ela até falou assim: “Vocês não querem que eu case pra ir embora pro Brasil, eu não caso com ele”, ele disse: “Não, você vai fazer sua vida, você vai se casar e você vai pra lá” e foi o que aconteceu.
P2- Quer dizer, ficou um tempo até seu pai conhecer sua mãe, é isso?
R – É, ele ficou lá 8 meses lá, sabe, mas acertou tudo, sabe, porque meu avô já era conhecido da família Indiani lá, né, os Salari e os Indiani, então já era conhecido, né. Eu acredito que meu pai estava esperando amadurecer mais um pouco pra depois ele, a minha mãe, né, não ele, porque ele já tava passando da idade pode-se dizer, né. Eu já fiz a conta, porque o meu tivesse casado na idade que eu casei, eu acho que eu não tava mais aqui contando história, né, eu devia tá com 91, por aí, né, não sei, o pai lá em cima é quem sabe, né?
P2 – Pois é, então eles casaram em 30 e vieram pro Brasil?
R – É, 5 de fevereiro de 1930.
P1- E já vieram pro Brasil?
R – Já vieram pro Brasil. Eu até tenho o convite original, eu coloquei no Museu, porque eu sou enterrado lá dentro do Museu lá e eu não abandono aquilo, né?
P1 – E foram quantos filhos que eles tiveram?
R – Único.
P1 – Único filho?
R – Sabe porque? É que eu não contei e aí é que começa a história. Porque eles tiveram só eu pra ser mais fácil pra voltar. Porque meu pai encheu minha mãe de conversa, que ele ia vender tudo que ele tinha e depois ele voltaria pra lá e aí eu nasci em 31, né, 13 de janeiro de 31 e passou um ano, dois e minha mãe, três e eu tenho boa memória, excelente, pra minha idade eu tenho uma boa memória, eu não esqueço de nada. E eu já desde de pequeninho com três anos eu já, eu lembro do que acontecia, então minha mãe sempre, não era assim aquela coisa, mas sempre, né,...
P2 – Sua mãe não queria voltar então, seu pai enganou sua mãe então, na verdade ele não queria voltar?
R – Mas aí, minha mãe levou uma vida sofrida, sofrida, lembra aquilo que nós conversamos lá em casa, foi sofrida demais, sofrida, sofrida, sofrida. Outra, lá tinha três jornais que chegavam no sobrado, um era o Diário Oficial porque minha prima era professora, outro era a Folha de São Paulo e o outro era o Fanfula, nenhuma de vocês chegaram a conhecer esse jornal, né? Deve ter por algum Museu em São Paulo deve ter. Através do Jornal Fanfula era um jornal que circula na Itália, mas trazia todas a noticias da Europa inteira, então já tava começando a cheirar a segunda guerra mundial, entendeu. Então meu pai era uma pessoa vivida, uma pessoa que andava muito, ele trabalhava com Banco, ele ia pra São Paulo, ia pro Rio, nós tínhamos fabrica de corda, então ele era uma pessoa experiente da vida, viu, ele sabia de tudo. Ele sabia deixar o céu pra ir pro inferno, ele ia contentar minha mãe mas iam correr risco de vida. Porque depois que a Itália se associou com Alemanha, fizeram pacto ali do eixo, acabou, não teve mais jeito. E quanto mais foi passando os anos 34, 35 a coisa foi piorando, né, e eles lá escreviam pra gente, que a coisa tava ruim, tava feio o negócio, tinha gente saindo, vindo embora, saindo da Itália, porque tava feio, o negócio tava piorando. E quando foi final de setembro, 28, 29 de setembro de 39 estourou a segunda guerra. Então um tio meu casado com a irmã da minha mãe morreu nos frontes da Rússia, nunca mais acharam o corpo, morreu congelado, foi uma tristeza, contar tudo, as tropas alemãs, italianas quando invadiram, porque praticamente a Itália foi invadida, quem passou o domínio, então tudo isso ajuntou tudo, entendeu. Então não adiantou nada eles terem eu só pra ser mais fácil voltar que não conseguiram nunca, entendeu.
P2 – Seu José, aproveitando esse gancho aí que o senhor tá falando da segunda guerra, o senhor já era adolescente...
R – Ah, sim, lógico.
P2- O senhor lembra, como é que chegou a noticia em Quiririm da segunda guerra?
R – Ah, foi uma calamidade.
P2 – Foi por jornal, foi por radio.
R – Foi, eu até trouxe um documento aí do meu pai, que ele não podia sair mais, que nós trabalhava com uma juta, Companhia Fabril de Juta, né, eram todos amigos da gente, o Artur ______, seu Parodi, tudo essa gente vivia lá em casa. Mas era gente, naquela época era gente, entendeu, né, então meu pai...
P2- Era gente de dinheiro, né?
R – É, era gente, Felix Guisar aqui da CTI, era gente aqui de posse. Então meu pai precisou vim na policia, aqui em Taubaté, aqui na delegacia e tirar um saldo conduto, fotografia, eu trouxe aí até, então sem aqui não podia sair mais. E eu vou destampar o tachou, eu vou contar tudo mesmo que é verdade. Meu pai adorava uma caçada, que podia caçar aquela época, né, que não tinha problema, ele ficou em risco, confiscaram a espingarda, denunciaram o nome da cachorra perdigueiro que nós tinha, não se podia falar mais o nosso italiano dentro do sobrado, porque só a lingua italiana era o dialeto mas era a lingua italiana. Então a gente era assim controlado, entendeu, não podia de jeito nenhum sair fora daquilo porque tinha quem entregasse a gente, então a gente era tachado como quinta coluna, o eixo era Japão, Alemanha e Itália, né, o pacto.
P2- Mas ali não tinha só italiano, seu José, quem ia denunciar?
R – Ah, mas os próprios ali, tinha portugueses, porque Portugal era neutro, né, neutro na guerra né, então achavam que eles podiam ser prejudicados porque a gente fizesse isso aí, e tudo, então não era fácil, foi um momento difícil, difícil. Apareceu eu acredito acho que umas 10 ou 12 famílias japonesas procurando abrigo no Quiririm e lá por sorte tinha um senhor lá, o senhor Joaquim Mendes Castilho, foi uma grande figura, um português sentado bem, então deu abrigo pra esses japoneses. E eles saiam, corriam, eram tocados fora, eu não sei se vocês sabem, em Pindamonhangaba houve um campo de concentração, vocês não sabem disso aí, então, nós sabemos disso aí. Mas tudo acabou, graças a Deus acabou, né, os brasileiro foram deixar suas cordas a toa lá, a minha mãe chorava e dizia assim: “O italiano imigrou pra vim aqui pra dias melhores e os filhos vão combater contra os irmãos na Itália”, foi o que aconteceu, 475, 435 brasileiros deixaram suas vidas lá, descendentes de italiano porque vieram aqui, eram brasileiros, botaram pra, então era uma época difícil.
P1 – E a infância, o senhor tinha primos?
R – Tenho, bastante?
P1 – E como era a infância na cidade?
R – Praticamente Quiririm, eu não achava que era cidade na minha época, era roça, era uma roça, porque a gente saía pro mato procurar fruta como é que era, era uma abundância de frutas lá no sobrado principalmente, nós tínhamos uma quantidade enorme, trazia os amigos pra subir nos pés de laranja, era pêra, era jabuticaba, era laranja, era banana, era pêssego, tinha tudo.
P1 – No sobrado morava o senhor, seu pai, sua mãe ou moravam mais pessoas também?
R – Não, aí é o seguinte, pra gente começar vamos por a história certinha no lugar.
P2 – Porque primeiro o seu avô fazia o que?
R – Então, eu tenho que começar pelos velhos, pelos meus avós, né. É o seguinte, eles montaram uma olaria, porque todos os lotes que foram vendidos no Quiririm, o Coronel Marcondes de Matos era sobrinho do doutor Francisco Palio de Toledo, então esse doutor Francisco Palio de Toledo era uma pessoa sentada no dinheiro. O terreno pegava das barrancas do Paraíba e ia até no mar. Então ele disse pro sobrinho dele Benedito Marcondes o Coronel, Coronel era comprado, né, ele não era Coronel coisa nenhuma, era coisa comprada. Então ele falou assim: “Eu te dou metade do que eu tenho, mas tira aquela italianada de lá porque vocês, lá eles não vão ter futuro nenhum, eles vão catar lata”, como dizia o ditado, né, aí tiraram eles de lá, aí veio engenheiro do governo e abriram estradas e tudo, né, aí tiraram ele de lá. Meu avô chegou dois anos já tavam começando a dividir, aí ele pegou uma parte alta, ela não foi no Museu ainda, né?
P2 – Não.
R – Não foi, né?
P1- Já conheço a cidade.
R – Então, mas apareça em casa um dia a gente vai lá, aí dá pra explicar tudo, já teve lá, né?
P2 – Já.
R – Aí, dividiram os lotes, as terras, tudo bem, meu avô preferiu uma parte alta ali, uns três, quatro alqueires de terra e montou uma olaria. Mas quando ele veio pro Quiririm saiu da fazenda meu pai dizia: “Em 94 nós nos estabelecemos definitivamente no Quiririm”, Então ficaram lá resto de 92, 93, 94. Porque ficaram lá todo esse tempo? Porque no momento que eles desembarcaram em São Paulo e no momento tavam sendo contratado eles estavam assumindo a divida da viagem e seria pago com trabalho, viu. Agora funcionava uma caderneta que eu guardo uma até hoje de lembrança, essa bendita caderneta de venda como chamava na roça, era venda, não era armazém, né, venda, e ali o que você produzia na lavoura era anotado, o que você consumia também era anotado, quando chegava no fim do ano você não via dinheiro, meu avô disse que não via dinheiro, meu pai também. Aí então você ia avaliar o que você produziu e o que você gastou, mas sempre era mais que você gastava do que você produzia, eles eram lerdos, né, queriam segurar o caboclo ali de qualquer maneira e foi assim, por isso que o homem falou que tinha que tirar eles de lá, ficar escravo pro resto da vida. É o que eu falei pra Globo um dia que ela apareceu lá em casa, era uns cinco, seis dele, eu falei assim pra ele “Que acabou a escravatura negra e tinha começado a branca”, não é, começou a branca. Bem, meu avô se estabeleceu lá, a Central do Brasil passava ali desde de 1876, mas não tinha plataforma de embarque, estação de embarque, não tinha nada.
P2- Aí nós já estamos falando de Quiririm?
R – Isso, essa é Quiririm. Bem, é o seguinte, os diretores da Central do Brasil mandaram um emissário, gente ali e puseram como no Quiririm, não era só quem ia cultivar, tem quem também, a cidade tava começando formar então tinha quem fabricasse tijolos. Então tinha dez olarias, falaram em 11, eu tava vendo, até eu trouxe uma revista aí, falavam em 11 mas o certo é dez, eu cheguei a conhecer quatro delas, tive a felicidade de conhecer quatro dessas olarias naquela época. Então pus na concorrência quem ia fornecer os tijolos mais em conta pra Central dessa olaria e foi a felicidade do meu avô, porque do sobrado ali na estação é 300 metros mais ou menos, 400 metros, meu avô ganhou a concorrência e aí ele começou. E ele, os primeiros tijolo que ele fez era o italiano primeiro era o sobrenome, depois o nome, né, então tem os tijolo lá IG, Indiano Galvenci, depois ele trocou EFCB – Estrada de Ferro Central do Brasil, e foi que eles levantaram, entendeu, o que eles levantaram. Aí formaram essa chácara enorme, tinha 1600 pés de laranja pêra e essa laranja era colhida e vendida e iam pra Inglaterra, embarcar no porto de Santos, ia embora pra lá. Tinham montado a fabrica de corda, eu falei naquele dia lá, né?
P2 – Então, o seu pai já trabalhava com seu avô?
R – Ah, sim, todos unidos, as moças também.
P2 – Então aí a gente volta na pergunta da Andressa, quer dizer no casarão morava todo mundo?
R – Então, aí quando foi de 1912, abril de 1912, até foi interessante, na noite que o Titanic ia indo a pique, minha avó faleceu no sobrado, e foi uma pancada. Eu não sei se tá lembrada, eu to escrevendo um livro, né, tá bem adiantando, o pessoal tá me cobrando demais, então eu tenho que por, porque não tem mais ninguém pra contar. Aí foi uma pancada essa morte, morreu moça com 67 anos, morreu lá no sobrado mesmo. No mesmo ano dia 11 de novembro uma tia minha morre sentada fazendo escrito um raio, uma faísca elétrica matou a moça. Saiu da Itália com 30 dias, chegou aqui com 62 dias, foi 32 dias de viagem, morreu com 20 anos no sobrado, sentada escrevendo _______. Então só foi uma perda irreparável, entendeu.
P2 – Tá, mas enquanto isso já tinha a olaria e já tinha a fabrica de corda.
R – Isso e já tinha...
P2 – Seu avô que teve a idéia da fabrica de corda?
R – Eles já tinham lá na Itália, eles não tavam tão mal assim de vida lá não, eles tavam até mais ou menos. Depois começaram com gado também, né, então eles tavam bem, já tavam bem. Mas aí o tio Basilio com a tia Anunciata que casaram lá, essa tia Anunciata faleceu aqui em Taubaté, ela é mãe de todos os colasticos que tem aqui em Taubaté.
P2 – Da família Daneli?
R – Isso, então o tio Basilio com a tia Anunciata tiveram sete filhos, então aí começaram a casar e foram saindo, saindo, né, então foi diminuindo depois a família lá, entendeu, lá teve três casamentos no sobrado, no quarto que eu dormia, meu quarto foi realizado três casamentos, você vê que tempo bom, fazia casamento em casa, né.
P2 – Então e a fabrica de cordas eles começara, o senhor lembra o ano que eles começaram a fabricação?
R – Ah, eles começaram lá por 1903 ou 4, porque é o seguinte, a minha avó o senhor dela era o sobrado, queria que demais o meu avô fizesse o sobrado.
P2 – Ah, seu avô que construiu o sobrado da família?
R – Ah, sim, foi ele. Então aí eu vou pular um pouquinho, atrasar um pouquinho. Em 1896, já viram fazer tijolos em olaria? Então é batido num terreno assim, tem que fazer tempo bom senão não consegue, aí cada fornada, quer dizer, cada vez que eles enchiam o forno e tiravam ele separava um pouco pra fazer o bendito sobrado, sabe, e foi, quando foi em 96 já tinha aquela pilha de tijolo, mas o tijolo de antigamente eram enormes, eles mediam 32 por 12 de altura, é um despropósito, eu não mandei aquele dia lá, né, eu não mostrei, eu tenho lá em casa, sabe. Bom, aí ______ que o tijolo dava pra fazer, começava o alicerce. Como era produtos dele, eles não tinham miséria, abriram um alicerce que no lado do meu quarto eles pegaram uma vertente... (PAUSA)
P2 – O que a gente tava falando, que sobrava sempre pro senhor.
R – Certo, aí meu avô achou que aqueles monte de tijolos, porque era enorme, dava pra fazer, abriram um alicerce com 2 metros e meio e são tijolos duplos assim, uma camada, depois uma inversa e olha, veja bem, tudo assentado no barro, não gastaram um centavo em ferro, em cimento, areia eles tinham e o barro também eles tinham ali, a terra vermelha, né. Aí levantaram, quando saíram fora da terra adeus tijolos, já tinha acabado os tijolos, então foi uma coisa, uma frustração, né, frustração, os tijolos que ele pensava que dava pra erguer o que eles queriam foi tudo no alicerce. Aí “Vamos trabalhar pra construir mais”, mas eles precisavam viver também, né, aí deu uma maré danada, meu disse que seis meses consecutivos de chuva, sem sol não podiam fazer nada, seis meses. A família morava num rancho aonde, do lado assim, agora ficou lá pros Gaviola onde tem o restaurante. Tiveram que desmanchar o alojamento da criançada pra poder vender o tijolo porque não tinha dinheiro mais, tinha, até que o tempo melhorou que eles continuaram. Aí foi, sabem quando eles terminaram? Em abril de 1903, o bendito sobrado...
P1 – Foi começado em 1892.
R – Não, 96, foram logo 7 anos, tá lá, aprile de 1903, entendeu.
P2 – Aí sua avó ficou satisfeita?
R – Aí ela ficou. Aí eu escrevi lá no livro a biografia, aí muita coisa aconteceu nesse sobrado, sabe, muita coisa. Porque ele ficou com tijolos a vista e só com aquelas telhas comum em cima, caindo assim a pingadeira e quando foi lá por 1911, 12, por aí, aí ele recebeu o acabamento, entendeu, ele recebeu o acabamento, o reboque, né, e não era veneziana, era janela maciça, tudo maciça, imagina. E quando foi em 1938 mais ou menos, 39, aí tiraram as janelas maciças e botaram venezianas, né, aí foi a dona veneziana que foi no lugar.
P2 – E ele tá lá até hoje, né, seu José?
R – Ah, tá lá.
P2 – Hoje é o Museu, né?
R – É, o Museu.
P2 – É, Museu da Imigração?
R – É, imigração. Eu não fui propriamente o convite do ____________________, como diz o ditado ____________, mas ele ficou contente, porque tinha uma moça lá e a moça ia ter criança, tava esperando criança, isso foi em fevereiro de 95, porque ele ficou lá, uma coisa e outra não dava jeito pra nada porque não tinha verba, aí o Bernardo Otiso devo essa obrigação pra ele, porque ele restaurou a minha casa, não posso mais nada. minha casa onde nasci, minha casa é Museu hoje em dia, eu trabalho lá a hora que eu quero, faço o que eu quero lá dentro, tenho liberdade, né, tá certo que é sempre pra melhorar, né. Mas eu olho bem pra aquilo lá, quando era e agora eu não acredito, né, como é que ficou e a coisa de família isso aí eu preferia até...
P2 – Não, nós vamos passar, mas eu quero contar a história da fabrica de corda. Quando ele resolveu fazer a fabrica de corda?
R – Então a fabrica de corda começou logo que eles se estabeleceram.
P2 – Então ele já tinha, ele tinha as duas coisas, a olaria e a fabrica de corda?
R – E depois, posteriormente o gado.
P2- O gado então, aí a fabrica de corda o senhor não me contou, ele vendia bastante aí pelos caminhos, como é que é?
R – A corda eles fabricavam e vendiam pra Minas Gerais, era o cordel de barrigueira, pra fazer a barrigueira do animal, sabe, que era muito usada naquela época. Deixa vê se eu ponho a cabeça pra funcionar, ia pra Passa Quatro, Belo Horizonte, Formiga, Curvelo, aqui outro lugar aqui, Itajubá e deixa vê outro lugar aqui, São Lourenço, todos esses lugares assim de roça, então usava muito aquilo, sabe, então ia tudo pra aquilo lá.
P2 – E teu pai sempre trabalhando junto?
R – Ah, sempre junto.
P2- Sua mãe também ajudava?
R – Não, minha mãe foi bem depois.
P2- Foi depois, né?
R – Foi depois.
P2 – Ah, é, ela só veio pra cá em 30, tá certo. Seu pai então, seu pai, seu avô, seus tios tavam nesse negócio de corda. Aí o senhor me contou que, aí fizeram a estação, a de Quiririm.
R – É, certo, então aí depois começaram e aquilo que foi que...
P2 – E ele vendia pelo trem, né, seu José? Ele punha a corda no trem...
R – Então, e a corda também ia pra Porto Alegre, lá tinha uma firma chamava-se Lemos e Lemos, quando vejo essa placa Lemos em São Paulo eu me lembro direitinho. Queria que trabalhasse só pra lá, sabe, e aquilo dava dinheiro, mas depois eu chego lá. Aí, sabe, foram, trabalhavam que nem os italianos dizem: “Como liberte”, “Que nem besta”, desde manhã cedo até a noite, era aquilo, era trabalhar, o imigrante não só da minha família, o imigrante veio aqui pra trabalhar, ele não queria saber de coisa, era trabalhar, pra mim levantava a moral dele, deixaram a pátria mãe pra vim num lugar duvidoso e tudo que prometeram não foi cumprido, então eles tinham que trabalhar, então ao coisa não era fácil.
P2- Tá, e aí, bom, depois de muito tempo o senhor nasceu e o senhor estudou em Quirirm, como que é, tinha escola em Quiririm?
R – Não, eu fui até o quarto ano lá.
P2- Em Quiririm tinha escola?
R – Tinha escola, Grupo Escolar de Quiririm tá lá, punha só assim, Grupo Escolar de Quirirm, Quiririm dia tal, punha tal. Bom, como era filho único, agora vou contar uma coisa contra mim, que arrependimento que eu fiz na minha vida, viu, que arrependimento, pois é, único filho minha mãe, meu pai fazia de tudo pra mim estudar, fiquei um ano no ______, mas que, saí não quis mais, a minha vida era no campo, não queria saber de estudo de jeito nenhum, os meus filhos já obriguei todos eles “Não, vocês vão estudar porque não vão bancar o asno do seu pai e tudo, né”, graças a Deus me defendi, né, mas precisa vê, né. Então daí eu voltei, não quis estudar mais isso foi em 44, eu voltei e fui pra fabrica, aí eu tava no meio das arvores, no meio do campo, no meio dos bichos que eu sempre adorei, né, sempre eu gosto e foi assim. Quando foi em, 1º de agosto de 1950 aí fui convocado pro exército, aí fui pra Lorena.
P2- Serviu lá em Lorena?
R – Servi em Lorena. Aí foi uma pancada pro meu pai porque, aí só tava meu pai e meu tio lá tocando a fabrica e os empregados que pegavam de fora, mas empregado é empregado, né, é fogo porque quando a pessoa manda o pedido daquela corda tinha que ser feito daquela corda, era dessa grossura assim, era 3 militros que nós chamava aquilo. Se a pessoa colocasse mais de uma corda ele não aceitava o pedido, você perdia o pedido, então o meu pai era o cabeça dali, ou eu, ou então os meus primos que trabalhavam comigo, né. Aí quando foi final de 52, quando foi aliás voltando um pouquinho, foi em 45, 1945, chegou um primo meu aqui de Taubaté, o pai do ______ Indiani, falou assim pro pai dele e pro meu pai, disse: “Olha, vou dá uma noticia pra vocês, a Central do Brasil vai deixar de passar aqui no Quiririm”. Olha, eu nunca vi os dois ficarem tão acabrunhado, pensei que fosse dá um treco nos dois, porque toda a vida dependemos da estrada de ferro, toda vida e eu principalmente pra embarcar pra outro quartel, toda vida, precisava dela, né. Eu contei, né, que eu ia no pasto, aquele dia eu não sei se eu contei, eu ia no pasto pegava os dois bois, colocava no carro, olha que coisa deliciosa, chegava lá na fabrica colocava os volumes pesados em cima, o empregado ajudava, lá ia com o carro pra levar na estação pra ir embora pra Minas ou pro Rio Grande do Sul, então pra vê isso tudo marcou a minha vida, entendeu. Quando foi em 52 meu pai resolveu dá baixa lá, aí em 53 aí um irmão dele já faleceu.
P2 – Porque aí tinha que trazer pra Taubaté, né seu José? Ela continuou passando em Taubaté?
R – Aí já ia complicar, já tinha que pegar caminhão, porque carro de boi já tava começando ficar perigoso por causa da estrada, antiga estrada, né?
P2 – Antiga Rio/São Paulo?
R – Não, isso tinha que pegar ela.
P2- Ela passava por ali.
R – Passava dentro do Quiririm.
P2- Ah, dentro do Quiririm?
R – Dentro do Quiririm.
P2 – Então aí o seu já não podia mais por _______.
R – Ah não, disse que não dava certo mais, né. E aí que começa uma coisa que eu não queria contar e a gente acaba entrando na conversa, né, o meu pai falou pro meu tio: “Escuta, você não quer comprar a minha parte, eu to querendo morar na parte alta do Quiririm”, aí ele disse: “Ah, não sei”, “Mas eu to precisando de dinheiro, vocês pega a hora que vocês puderem vocês pagam”, mas acontece que, esse eu vou pular porque não fica bem eu contar esses negócios aí porque sujeira de família é fogo.
P2- Bom, de qualquer forma em 52 o seu pai resolveu acabar com a fabrica?
R – Aí ele não quis comprar.
P2- Tá, eu quero perguntar uma coisa pro senhor, tinha comercio em Quiririm nessa ocasião ou era tudo de Taubaté?
R – Não, tinha o comércio local.
P2 – Tinha, sua mãe fazia compra lá em Quiririm?
R – É, ela fazia, compra de armazém era ali, agora por exemplo roupa era Taubaté, aí já tinha uns dois Alans lá que eram irmãos, José Alam e Jorge Alam.
P2 – Era aonde sua mãe comprava?
R – Isso.
P2 – E sapato essas coisas era tudo Taubaté?
R – Ah, tudo, era o Paulique, os móveis a minha mãe ainda comprou foi na Casa Manara, isso eu me lembro muito bem, não tem mais nada dessas coisas.
P2 – E vocês vinham como, de Quiririm pra Taubaté vocês vinha de trem ou não?
R – Aí depende, porque quando era na época da guerra aí foi uma calamidade, de 39 até 45 a condução era uma desgraça era só trem e o trem atrasava muito, porque o carvão foi desviado pros navios nosso que tava combatendo, então a Central era movida aquela, como é que se chama, era um xisto betuminoso, até andaram fazendo depois furação, aqui no Vale do Paraíba tem muito isso aí, viu. Então a maquina não tinha pressão, então atrasava demais 2, 3 horas, como eu vinha pra Taubaté com a minha mãe eu dava graças a Deus de atrasar porque eu ficava no jardim da estação, tinha um parque com muitos bichos ali, nossa eu ficava ali, vendo os marrecos, os bichos todos, então você vê...
P2 – Quanto tempo demorava seu José, de Quiririm aqui em Taubaté?
R – O trem?
P2 – É.
R – Tinha um trem chamado misto, porque era um trem de carga e no fundo dele tinha uma miserável classe. Era tanto tranco que a pessoa um dia minha mãe tava sentada, aquele banco de frente assim, ela foi parar no colo de outro, do tranco que deu pra sair, viu.
P2 – Esse era o misto?
R – Esse era o tal de misto.
P2- Que passava em Quiririm/Taubaté.
R – Isso, tinha o expressinho também e esse que vinha do Rio de Janeiro e passava no Quiririm 10 pras 8 da manhã e chegava no norte, Estação Roosevelt, né, meio dia, meio dia e meio por aí, né, e a tarde tinha outro.
P2 – O rápido?
R – É, tinha rápido, tinha noturno, tinha trem de luxo, tinha muitos deles, né?
P2 – Quer dizer, espera aí, acho que agora eu to entendendo, o nome do trem era por causa do horário, o expressinho era porque ele passava naquele horário.
R – Isso, mas pra nós que tinha que ir pra Taubaté, você tinha que esperar o das 10 horas.
P2 – 10 horas da manhã?
R – 10 horas da manhã.
P2 – E chegava aqui que horas?
R – Era meia hora, menos disso aí não era possível, viu.
P2 – E não dava pra vim de outro jeito, né, seu José.
R – Não tinha jeito porque, não tinha, o combustível era racionado, não tinha mais, aí transformaram os carros em gasogênio, já ouviram falar?
P2- Já, ouvimos falar.
R – Então, gasogênio, né, porque aí era mais econômico, né, aí depois, né, aí que começou a melhorar um pouquinho.
P2 – Então o trem atrasava com os _______. Mas aí sua mãe vinha fazer compra em Taubaté e o senhor vinha junto, vinha acompanhar sua mãe.
R – Eu vinha junto, e sabe que eu vou contar uma história que uma vez ela “Ah, Zé”, ela me chamava Zé “Ah, Zé, o trem tá demorando tanto, tá muito atrasado, não sabe a hora que vem, que ele tava lá pra Cachoeira Paulista ainda, que não sei que lá, que isso, que aquilo”, ela disse assim: “Vamos embora a pé, é tão pertinho”, ai madona mia, ai meu Deus do céu, minha Nossa Senhora”, eu me lembro que nós passamos em frente aqui, aqui não tinha nada, aqui era só chácara, aqui eu conheço muito bem, aqui era do Vitor Ardito e dos Pastoreli, tudo era só chácara, até sair. Então eu sempre fui bom de perna, minha mãe também era bom de perna, sabe.
P2- Não é longe, né, seu Zé?
R – Ah, mas era um bom pedaço, não parece, porque nós saímos por aqui, né, aí você passava a linha aonde é aqui na Independeria, depois pegava aquele trecho, depois passava o cemitério, até chegar lá, criança tudo é festa, mas minha mãe chegou baqueada lá, viu, e com coisa na mão, sacola, né, não tem jeito.
P2- Tá, aí nos anos 50 o senhor vai servir o exército em Lorena?
R – Certo.
P2- Aí o senhor ficava lá, ia todo o dia, como é que era?
R – Não, eu ia, porque era longe, né, eu ia e aí começa uma história gostosa, né. Aí porque, 1º de maio de 1949 comecei a namorar a Lenina, e ela já me conhecia, a safada me conhecia 2 anos já, sabe, e ela não sabia, porque só ela indo lá pra saber, né. Porque ela morava ali onde é o Bristol, né, e eu passava com o carro de boi pra...
P2 – Na Casa Castilho, né?
R – Isso, é uma pena ela não tá aqui, a bendita não quis vim.
P2- Não quis vim, pois é, mas nós vamos lá gravar ela.
R – Aí sabe ela me conhecia, aí ela começou a me pedir informação, disse: “O que é que ele faz, que isso, que aquilo. O que é que ele faz”, disse que desde de pequenino eu indo pra escola o meu apelido é Zéi, ninguém me conhece por José Indiani, Zé Indiani, né, diminutivo, então Zéi, Zéi, qualquer gato, cachorro sabe quem é. Bom, aí ela perguntava, depois que ela contou pra mim, né, mas eu tive mais outra namorada antes dela, mas assim conversa, agora 1º de maio de 49 peguei pé firme mesmo, sabe. Ai meu Deus do céu foi só conversar com ela, na praça ali, atras da igreja que dava ali que dava uma vista bonita, já foram levar pra minha mãe que eu tava namorando, aí começou o inferninho...
P2 – Filho único.
R – Filho único e ela não queria, queria me levar solteiro pra Itália, pra eu casar com uma italiana lá.
P1- Ainda com a idéia.
R – Ainda com a idéia, contou pra ela?
P2 – Não, não contei.
R – Nossa Senhora, pra resumir o caso eu não desejo pra ninguém o que eu passei. Eu passei 7 anos e 19 dias triste, namorei 7 anos e 19, por miséria eu casei, não sei aonde Deus mandou aquela coragem de deixar o pai e a mãe e ir pra igreja, não sei, até a mocinha lá que trabalha no coisa, “Ah, deixa uma mensagem”, aí eu deixei uma mensagem lá, eu disse: “Não, sei”, aonde que arrumei, porque eu não desejo pra ninguém isso aí.
P2 – Porque, seu Zé, a dona Neli ela era filha de um comerciante também, muito conhecido lá em Quiririm, né?
R – Pois é, aí que vem o negócio, porque o meu pai e o meu sogro Bento Alvarenga, jogavam bocha juntos lá na Rosana, onde vocês comeram lá, ali era um jogo de bocha, mas a minha mãe que buzinava na cabeça do meu pai, porque ela teve uma vida atormentada mesmo, né, porque prometeu que voltava pra lá, surgiu a guerra, não foi, não veio, né, e foi tudo isso aí que aconteceu. Então vivi um martírio, chega a noticia, durante a guerra chega as cartas todas abertas pela censura e era uma cada 6, 7 meses, não sabia se tava tudo vivo, tudo morto, se caiu bomba lá, então foi. Depois tem outra coisa também, não quis estudar, aí eu peguei mais no pé deles ainda, voltei pra casa, então não sei se tem hora que fui eu o culpado, ou se foi minha mãe que deixou a pátria dela e casar com um casamento duvidoso “Será que eu vou voltar, será que não” e aí tem um pedacinho que essa tia minha que ainda é viva, irmã da minha mãe, a tia Elza, ela tá com 85 pra 86 anos, é a caçula, é a ultima, ela escreveu uma poesia pra minha mãe no dia do casamento que ela ia fazer que nem as andorinhas quando chega no outono, ela imigra mas na primavera ela volta, a poesia tá lá em casa comigo, então disse que um dia ela ia voltar pra lá e ela voltou mesmo, voltou, ficou quase 5 anos lá, depois ela voltou pra cá outra vez.
P2 – A tia Elza?
R – Não, a minha mãe.
P2 – Ah, acabou voltando pra Itália.
R – Acabou voltando.
P2- Mas vamos voltar na dona Neli, o pai da dona Neli como era o nome dele?
R – José Bento de Alvarenga.
P2 – E ele tinha aquele armazém...
R – Não, ele teve armazém aqui no, muito tempo aqui em Taubaté no Largo do Rosário aqui na esquina ali, tem um cartório assim do Tônico assim, e assim na esquina é a casa dele.
P2- Porque chamava Casa Castilho lá em Quiririm?
R – Porque foi ele que fez o sobrado lá, a casa.
P2 – É, mas Castilho não tinha haver como sobrenome da família.
R – Não, era Joaquim, é o seguinte, esse doutor Francisco de Paulo Toledo era um português ricaço, não sabia o que que tinha e ali tinha uma colônia de portugueses, pra baixo da estação tinha também portugueses e do lado do posto tinha um português que era o senhor Francisco Castilho, eu consegui fazer o levantamento, é difícil, é muito difícil, faz uns 2 anos que eu to trabalhando nisso daí. Então esse homem era casado duas vezes e ele veio lá de Portugal com três ou quatro filhos, esse doutor Francisco Castilho e daí depois ele deixou tudo pro filho o senhor Joaquim Mendes Castilho e ele em 1904, 1904 achou que ali era um ponto muito bom por causa da estrada de ferro, então ergueu aquele armazém e ele ficou rico, mais rico ainda, entendeu, e ficou o nome, ficou sempre Casa Castilho, agora que trocou por Le Bristô, né?
P2 – É, mas aí o seu sogro comprou lá.
R – Não, alugado, alugou. Muita gente, teve um português, outro português lá, o seu Coutinho, depois teve o filho do seu Oswaldo, então eu conhecia todos ali, né, conhecia todos eles ali.
P2- E a dona Neli tinha um monte de irmãs, né, seu José, eram sete, é isso?
R – Era dez por tudo, fora o que faleceu quando eram pequenos, né. Uma mora no Paraná, né, uma já é falecida e o resto estão todas vivas, quando se encontram é uma festa.
P1- Então o senhor namorou durante 7 anos e 19 dias __________?
R – Essa foi 7 anos de inferninho, viu, porque eu saía de casa e minha mãe já falava umas palavras em italiano.
P2 – O que ela falava seu José?
R – Ela falava: “Já vai atras, já vai atras”, que ia namorar. Ai meu pai do céu, chegava lá em cima, saía de casa era tempestade, chegava lá em cima era trovoada, porque sempre eu não posso dizer nada, do sogro e da sogra que eu tive eu desejei eles pra todos. Porque agüentar um cara encostando em casa 7 anos, saber se vai casar ou não vai, ela dizia pra Neli, ela tinha apelido de Lila, então dizia: “Lila, não adianta o Zéi não vai casar com você. O pai e a mãe dele quer que ele case com uma italiana, que vai embora lá pra Itália, não sei o que lá, o que aquilo”, mas eu não sei, porque eu gostava dela e ela também porque senão a gente não tinha agüentado tudo isso, viu. Eu sei que quando foi um belo dia lá, ela disse assim: “Olha aqui ______, vamos dá um fim nesse negócio”, “Vamos”, aí ela mesmo marcou o casamento no dia 20 de maio de 1956, num domingo às 4 horas da tarde, eu me lembro até isso, até hoje, foi um parente do pai dela até que fez o casamento, Cícero de Alvarenga, já é falecido, né, então ele que nos fez o casamento, porque padre não era sempre que ia lá, então quando fazia os casamentos assim geralmente era domingo a tarde e o meu foi 4 horas dia 20 de maio de 1956. Aí depois que...
P2 – Mas o senhor avisou sua mãe que ia ter casamento?
R – Ah, eu me despedi deles lá no sobrado tudo pra sair. Então aí tem mais uma coisa, vou te contar, fui no pasto, como é aquela musica do Mazzaropi “Botei meu boi no carro e não tive nada pra carregar, né”, mas eu tive, graças a Deus eu tive, era muito mimado, um filho só, né, fui lá no pasto, peguei o carro, botei todas as minhas coisas em cima e lá fui eu pra minha casinha onde nós ia morar.
P2- Quem deu a casinha pra vocês? O seu sogro deu a casa?
R – Não, eu aluguei uma casa, dali onde eu moro...
P2 – Então tava tudo ok, tava tudo certinho?
R – Tava tudo certo, aí depois do casamento, tudo, aí a coisa endireitou, sabe.
P1- Mas eles foram no casamento?
R – É, depois endireitou, mas minha mãe pra lá, minha mulher pra cá, não passavam na ponte junto, de jeito nenhum, de jeito nenhum.
P2- O senhor trabalhava aonde seu Zé, quando o senhor casou?
R – Aí como meu pai acabou com a coisa eu fui plantar, fui plantar verdura. Aí eu casei tudo bem, bom, aí a coisa começou a engrenar “Graças a Deus agora vai dá certo a coisa”, aí nasceu o meu primeiro filho, aí minha mãe Nossa Senhora, ela carregou o menino pra lá, ela mais vivia lá do que em casa, aí eles já tavam morando na parte alta, né?
P2 – Porque que tem parte alta e parte baixa?
R – Porque lá onde eu moro eu que chamo assim, a parte alta e a parte baixa lá embaixo...
P2 – Onde plantava arroz, né?
R – Isso, onde plantava arroz, onde é o sobrado. Bem, daí o menino vivia lá, nossa ele vinha bem pentiadinho, bem tomado banho, vinha que parecia que nossa, né. Mas em casa foi a oração de São Bento, um pra fora e outro pra dentro, foi um filho atras do outro, né, foram seis e aí a Neli ainda perdeu um, italiano a família é grande, né. E meu pai não se conformava, minha mãe não se conformava, falava pro sogro: “Mas meu Deus o Zéi, outro filho lá, outro filho”, mas graças a Deus tudo trabalhando, eu trabalhando, depois apareceu um serviço na Prefeitura, o meu sogro era sub Prefeito de Quiririm, aí eu sempre gostei dessa coisa de jardinagem, essas coisas, aí eu entrei, entrei e me aposentei pela Prefeitura, me aposentei bem até e daí consegui ir pra frente. Aí eu fui depois, meu sogro comprou aquela casa onde eu moro, então é da família, né, eu é quem pago tudo, imposto, água, tudo sou eu, e lá fazem, vai pra 46 anos que eu moro lá, vou fazer 48 de casado.
P2- E a dona Neli é ótima?
R – Então, aí depois vem 62, dia 11 de novembro de 62 o meu pai falece. Aí meu menino foi morar definitivamente com ela, né. Mas depois pediram a casa lá, sabe, aí ela veio morar comigo, aí começou outra vez a coisa, aí não deu certo outra vez. Porque diz o ditado quem casa quer casa, né, mas aí meu Deus do céu, trabalhavam juntas, minha mãe não falava com a minha mulher, eu tenho dó de falar isso mas é verdade, ela contou aquele dia, né?
P2 – Contou.
R – E não é mentira, eu já sabia o que que eu tava passando por ali, não era fácil viu, não era fácil.
P1- E foram seis filhos?
R – Seis filhos e infelizmente eu perdi um com 17 anos.
P2 – Seu Zé, e o comércio, conta pra gente do comércio de Taubaté.
R – O comércio de Taubaté...
P2 – É isso agora que eu queria que o senhor contasse pra nós.
R – Eu já contei demais da minha família. O comércio de Taubaté, então o que eu me lembro bem é o seguinte, quando eu estava no quartel, veja só o que eu fazia, soldado nunca tem dinheiro, né, eu vinha em casa pra pegar dinheiro do meu pai e depois era cinema, sete dias passava logo, depois ficava com o bolso vazio e vinha buscar. Pra voltar não tinha dinheiro mais, o que a gente fazia, hoje que eu to revelando isso na frente de uma câmera porque eu não tenho coragem de fazer isso. A gente saía, juntava lá uns três ou quatro dava um trocadinho pro guarda e a gente saía como paisano por baixo e a farda por cima e vinha pra estação de Lorena e quando era mais ou menos 2 horas da manhã passava o noturno, era um trem de luxo naquela época e tinha um dormitório, uma classe atras que não abria aquele zig zag, sabe, e era fechado ali, então a gente vinha de graça de trem, subia...
P2 – Tava com o uniforme?
R – Tirava o uniforme trazia pra minha mãe lavar, daí a gente subia, eu vinha até Taubaté de graça. Aí daqui era CP canela, ia embora por Quiririm, era dois minutos já tava lá. E daí eu tinha esse pessoal da Francano, da fabrica de doce que no sábado ele fazia entrega de doce lá pro sogro, então ele me dava carona, olha só, tudo engrenava certinho, tá vendo.
P2 – Tá vendo só, e o comércio era bom aqui de Taubaté, seu Zé?
R – Ah, era bom.
P2 – Que lojas tinha, o senhor lembra?
R – As lojas, então eu lembro desses irmãos Alam, né, Jorge Alam, eu lembro do senhor Jamil um outro que era turco também ali, tinha a casa Diamante que amolava as coisas no mercado ali.
P2 – Amolava ferramentas seu Zé?
R – Isso, aí tá até um filho dele, que trabalha com isso daí.
P2 – Mas não é o mesmo pessoal Diamante que é lá de São José não, né, é outra família.
R – Pode ser, Casa Diamante.
P2 – Que mais que tinha?
R – Tinha um que eu falei que era da Casa Filadélfia, né, tinha o seu Eliazinho que tinha uma beneficiadora de café, na rua do Café, ainda tem o nome até hoje, né. Tinha um armazém também ali no Largo, né, a famosa bica do Bugre isso aí é fora da coisa.
P2 – E a casa Taubaté o senhor lembra dela? Era grande?
R – A casa Taubaté, eu tinha uma recordação dela, era dia do aniversário da Neli eu não sabia o que dá, sabe, aí eu desci, caramba, passei na esquininha da casa Taubaté ali, depois passou casa do Pêssego pegado ao antigo Palace ali na esquina, eu vi uma baianinha em forma de sino e eu acredito que seja prata até porque é muito pesada, o dia que você for lá eu vou mostrar, aí eu trouxe a caixinha, a ultima que tinha eu comprei e dei pra ela, a lembrança da casa Taubaté.
P2 – E seu Zé, a dona Neli vinha pra cá fazer compra em Taubaté?
R – Eles moraram uns tempos aqui, porque o pai dela teve armazém no Pinheirinho lá no Passa Quatro do Paraíba e vai embora, depois de lá ele tava bem, aí ele veio aqui nessa casa aqui no Largo do _________, o fiado acabou com ele.
P2 – Mas eu digo assim, pra sua casa, o senhor tinha um bando de filho, a dona Neli fazia as compras aonde?
R – A gente fazia compra lá no Quiririm mesmo.
P2 – Mas se precisava de tecido não tinha que vim pra Taubaté?
R – Aí vinha, a roupa vinha pra cá.
P2 – E a criança estudava tudo lá em Quiririm?
R – Tudo lá.
P2 – E o material de escola comprava aqui também?
R – Lá tinha uma lojinha, sabe, ela tem até nesse lugar, ele chama de lojinha depois começou os armarinhos, ele chama de armarinho, né, e ali começou a vender de tudo um pouco pra evitar o transtorno da pessoa vim aqui, embora fosse um pouquinho mais caro lá, né, sempre é um pouquinho mais caro é mesmo, né?
P2 – E qual é a história em seu José, Quiririm é um Distrito de Taubaté?
R – Isso.
P2 – É isso, antes era uma fazenda o senhor já contou um pouquinho no começo, Quiririm qual a origem do nome mesmo, o senhor me contou.
R – Quiririm significa assim, é um lugar que não acontece nada, lugar de gente pacata, lugar tranqüilo, era um fazendão, né, era um fazendão, apenas uma estrada passava no fundo da minha casa, que ainda passa até hoje, atravessava dentro do Quiririm, não tinha nada no Quiririm e ali vinha o café, eu gosto muito de ler, então eu peguei um livro da Prefeitura e tava lá, o café sendo embarcado pra Bragança Paulista, sabe onde fica Bragança, longe, passava por Nazaré Paulista, pra cá, certo, transpondo a serra do Mar ali, a serra da Mantiqueira outra ______, dali descia pelo varjão do Quririm, atravessava o Quiririm, pegava em Ubatuba, depois destino Ubatuba pegava o café no navio pra ir pro Rio de Janeiro, então Quiririm tem essa história.
P2- E seu Zé, mas sempre foi um Distrito de Taubaté?
R – Ele passou a ser reconhecido como Distrito, foi em 1914, né, foi aí quando aconteceu aquela coisa do frade lá.
P2- Pois é, conta pra nós seu José a história do frade.
R - Em 1914 aconteceu um caso triste no Quiririm, foi verídico, viu. Em 1914 Quiririm passa a ser, como é que se chama, de Taubaté, eu vou lembrar...
P2- Sub Prefeitura?
R – Não, ela passa de igreja, é coisa de igreja, mas eu vou lembrar. E daí o que acontece, a Diocese de Taubaté manda pro Quiririm, porque sabia que ali eram só italianos, manda um frei, esse frei era descendente de austríaco, olha veja só a confusão que foi armada. E acontece que a Itália e a França eram aliadas e Alemanha com a Áustria também aliada na primeira guerra do 14 ao 18. Então conta, meu pai cotava que o frei quando Alemanha, Áustria faziam suas vitórias sobre a Itália e a França ele gozava da italianada dentro da igreja e quando era ao contrário a italianada fazia o mesmo, entendeu. Mas o clima foi se agravando de tal maneira que a italianada prometeu matar o frei. E conta a história os antigos, gente que eu consegui de consciência, quer dizer, não é, aí diz que ele desceu correndo o morro pra pegar o trem pra ir embora que eles queriam matar, mas antes de ir embarcar eles queriam depois uma praga no Quiririm, que o Quiririm havia de ser sempre uma coisa minúscula, nada ia ser pra frente, os descendentes iam morrer de doença contagiosa e aconteceu, coisa que eu fui prova, viu, e coisa que não havia de se ter entendimento, famílias, brigas por posse de terras, tudo isso aconteceu. Agora diz que essa coisa já foi tirada, eu não sei, mas que aconteceu, aconteceu, eu botei no livro, no rascunho por enquanto, ainda não tá no livro, mas aconteceu. A paróquia, o Quirino passou a paróquia em 1914.
P2 – Certo, ali convivia bastante portugueses, italianos, depois os japoneses.
R – Mas a maioria eram italianos.
P2 – Nunca teve migração de árabes pra lá seu José?
R –Como?
P2 – Os árabes foram pra lá também ou não, ficaram só aqui em Taubaté.
R – Até vou te contar uma coisa interessante, o Prefeito falou pra mim: “O Zéi, você bem podia ficar aí no sobrado, você sabe tudo, você sabe dá explicação”, porque vem muita gente de fora. Vem gente de Campinas, de São Paulo, vale inteiro Parnaíba, sul de Minas, Campos do Jordão, então a minha menina que trabalha lá coitadinha ela é novinha ainda, né, então, novinha na coisa, no trabalho, né, então ela diz: “Zéi, chegou uma família aqui, tá precisando do...”, então o meu serviço lá era nas maquinas, porque foi inaugurado um salão de maquinas antigas lá, sabe, um Museu só de maquinas lá, então é dá explicação se a maquina serve pra isso, pra aquilo, não é mesmo. Então a gente fica assim, recebendo tanta gente que você no momento não, vem um pergunta uma coisa. Uma vez chegou uma pessoa perguntou assim pra mim: “Escuta, qual seu sobrenome?”, aí eu falei, ele disse assim: “Mas então o senhor...”, eu digo: “Eu nasci aqui”, aí eu mostrei o quarto onde eu nasci, tudo, daí ele disse assim pra mim: “Quem construiu isso aí?”, eu disse: “Foi meu avô, minha avó queria demais que fizesse esse bendito sobrado, foi suado pra fazer”, ele disse: “Gozado, mas eles tiraram esse modelo da onde?”, eu disse: “Isso foi idéia dele porque na Itália tem esse sobradinho, sabe, eu vejo nas fotos, tem”, ele disse: “Porque isso aí é uma construção árabe”, então eu fiquei, não disse mais nada, fiquei na minha, né, pensei ele é bem mais preparado do que eu, ele deve saber o que ele fala, né, então tá aí o negócio.
P2- Seu José, o senhor foi pra São Paulo alguma vez?
R – Nossa Senhora Aparecida, ia sempre.
P2 – Como é que o senhor ia, de trem?
R – De trem, e pra mim era a coisa mais gostosa que tinha.
P2- O senhor ia lá passear ou fazer compra?
R – Não, ia passear, porque depois eu despachava de caminhão a verdura, eu ia lá no mercadão central receber lá da japonesada. Mas falar de trem preciso contar alguma coisinha quando ia pra São Paulo com meus pais.
P2 – É, conta pra nós.
R – Não sei se posso contar isso aí, se tá dentro da jogada ou não. Então você andando no trem você vê, eu dizia assim: “Porque as arvores tão correndo da gente?”, porque o trem, as arvores vão sumindo, né. Aí chegava em Jacareí eu ficava abismado de vê o pateo dos trilhos ali era onde consertava as maquinas antigamente, sabe, então tinha uma parada aí de 15 a 20 minutos. Ai vinha as pessoas responsáveis e examinava a maquina e a maquina era a vapor, então a gente ficava ali, então vinha aquele pessoas vender as coisas “Biscoito de Jacareí”, é fruta, é uma coisa, é outra, sabe, me lembro direitinho, né. Meu pai ia contando as estações até chegar em São Paulo, “Agora é Mogi das Cruzes, agora não pára mais, agora vai direto no norte”, né, tinha primeira parada, São Carlos, Bom Jesus, mas essas estaçõezinhas passava direto, né, então aí a primeira vez que me levaram coincidiu com 7 de setembro, ali no Brás quando desembarcamos tava tendo o desfile, eu fiquei, nossa, aquilo parecia que o coração ia explodir de vê tudo aquele pessoal, eu dizia: “Mas como é que tem tudo esse povo tudo vestido igual, né”, porque a roupa toda igual, aí eles tiveram que me contar tudo, né, e daí começa. Depois fomos pro mercado, meu pai queria mostrar o mercado pra mim, né, pra minha mãe também, minha mãe ia sempre com ele também, eu toda vida fui doido por banana, eu gosto de banana mesmo, não sei porque eu sempre gostei de banana. Ia passando assim perto de uma banca, perto do mercado, isso vem vindo, era uma espanhola bem troncada, sabe, bem corada, quando eu vi aquele monte de caixa de banana ouro, banana maçã, assim, prata tudo encostado, eu corri e já abracei “ E nani, nani”, em italiano, quer dizer, “Banana, banana”, eu abracei, ela veio coitada da espanhola, ela me deu duas ou três, eu saí contente na mão do meu pai, da minha mãe todo contente, nunca mais esqueci isso daí.
P2 – Que idade o senhor tinha seu José?
R – Ah, tinha uns 5, 4, 5 anos. Depois fomos pra Santos, passamos aquela bendita daquela coisa, o Guarujá ali tem uma travessia de balsa ali, balsa, barco...
P2 – Isso.
R – Então tem uns porcos, que chama de porcos marinhos que acompanha a embarcação, que _____ tira alimento e eu queria vê, então em torno do barco, da balsa tem uns bancos assim pra sentar e pra vê, minha mãe me colocou de joelho, não eu queria ficar de pé ali, pá, ela me esquentou, mas olha é tanta coisa.
P2 – Vocês foram passear lá em Santos?
R – É, fomos passear. Uma vez meu pai comprou um chapéu Ramenzoni, melhor chapéu que existia na época, depois dele era o Prada, não existe mais e o fogão de lenha ardia o dia inteiro lá em casa, um caldeirão de água quente, sempre pra por no tanque. Eu peguei um _______ assoprei um pouquinho, fui por o chapéu lá dentro, eu fui demais de danado, eu chamei ele, porque eu não chamava meu pai de pai e nem minha mãe de mãe, era Adélia e Caetano.
P2 – Pois é seu José, acostumaram chamar pelo nome.
R – Então chamei ela “Meu Jesus Cristo”, eu corri tanto, eu passei a fabrica, eu passei o pomar e subi pro pomar, fui subindo no pé de laranja e lá em casa tinha hora certa pra tudo, eu disse: “Ah, acho que eles esqueceram da tragédia, né”, a gente chegando de mansinho mas não deu outra entrei em casa e já pa, pa, pa, apanhei porque fugi, apanhei porque botei o chapéu no forno, apanhei porque cheguei atrasado por almoço, não adiantava mais chorar porque daqui a pouco tava aprontando outra não adiantava nada. Ia no galinheiro espatifava a galinhada, amarrava um fio com um pano vermelho e estocava pra ________. Fora de casa acabou comigo, a gente era proibido assistir, ouvir radio, a gente não tinha televisão por causa da guerra, a gente era vigiado e tinha uma família mais a frente que chamava Frente do Soldi que o meu cunhado, coitado, já faleceu que ele era técnico de radio essas coisas, ele montou um radio tão potente que se ouvia todinha as noticias de lá, mas eles queriam só ouvir as noticias boas do nosso lado, mas não queria saber que a Itália tava perdendo a guerra, Alemanha tava perdendo a guerra, achavam que ainda eles tinham aquela esperança, viu, isso aí não devia nem falar. Mas aí aquela senhora lá, uma italianona bem, ela fazia o pão feito em casa naqueles fornos assim, fazia manteiga em frente de casa, lambuzava aquilo lá, antes dela entregar aquilo pra gente, eu tava brincando com os netos dela assim numa sala, eu já tinha comido aquilo com os olhos, em casa não faltava nada meu Deus do céu, tinha de tudo, ela vinha, só falava italiano com a gente, né, “Toma esse pedaço ____”, eu comia aquilo e brincando com a criançada, ela, coitada da senhora via que já tinha acabado o pão, né, ela vinha com mais pra trazer pra gente, tá pensando que eu pegava, primeiro eu olhava pra minha mãe, conforme a fisionomia que a minha mãe fazia, eu falava: “Não, não quero mais”, de jeito nenhum, agora se ela desse um sinal ou um riso lá podia pegar outro, de jeito nenhum, nunca aprendi a ser entrão assim.
P2 – Seu José, o senhor conheceu as outras cidades aqui do Vale?
R – Conhecia.
P2 – Como é que o senhor ia pra elas, ia de trem?
R – Ia de trem e depois começou a melhorar, tinha ônibus tudo, né, era por cauda das orquídeas também, né, aí já comecei a colecionar orquídeas, fazer exposição de orquídeas, uma coisa ou outra, então, ia sempre pro um lado, por outro, ia sempre.
P2 – Quer dizer, primeiro de trem, depois de ônibus.
R – Ia encontrar com os amigos, né, mas isso bem mais agora, né, mais agora, mas naquela época lá já era mais difícil. Depois começou uma empresa de ônibus, até o rapaz ainda é vivo, mora em Lorena, o Malerba, empresa Malerba, começou a colocar aí deu certo, né. Mas na época mesmo da guerra era assim, passava na estação tinha que sujeitar o trem porque não tinha outra condução, não tinha de jeito maneira, era só isso daí. Agora depois da guerra que aí depois começou a normalizar, aí o pessoal da roça lá vinha e olhava, via se o trem tivesse na hora ficava no trem, senão eles subiam iam de ônibus.
P2 – Ah, tá. E quando fez a Dutra seu José, mudou bastante?
R – Quando fez a Dutra tava no quartel. Ela começou em 48, já começou o traçado, né, em 50, 51 tinha uma parte bem pavimentada. E nessa época também a estrada de ferro deixou de passar no Quiririm. Eu já passava aqui em Pindamonhangaba, o trem ia devagarinho, as pedras até iam rodando assim, sabe, porque ainda não tava firme no leito da Central.
P2 – Porque eles mudaram o trajeto?
R – Mudaram, ficou um trecho, porque a Central sempre deu prejuízo, né. Olha vou contar uma coisa, na época da guerra porque não tinha mais carvão era assim, era a lenha, aí foi a degradação, né, isso é que corta o coração, depenaram a Serra da Mantiqueira, como é que diz, Campos do Jordão, aterraram de fronte Caçapava desceram com tudo, cortaram tudo, vinha de carro de boi, vinha 30 carros de boi por dia, empilhando aquela lenha tudo no pateio da estação, aí o trem era movido a lenha, então acabaram com a natureza, acabaram. E era assim, chegava mil metros de lenha diziam que era dois, então a Central foi pro brejo, não teve mais...
P2 – O pessoal roubava na escrita então.
R – Roubava demais, infelizmente foi o que aconteceu.
P2 – Então depois, tinha festa no Quiririm, tinha baile, como é que eram os bailes?
R – Tinha, a tradicional festa era de Santo Antônio e de Nossa Senhora, né, porque a festa de Santo Antônio era uma inveja aqui no Vale do Parnaíba, vinha gente de tudo, porque era uma festa, eram 15 dias, né, porque lá eles colocaram assim, Santo Antônio 13 de junho, né, porque veio muita gente de Padua pro Quiririm, então Santo Antônio de Padua e veio gente de Cremona e Calvatona que era Nossa Senhora Conceição, né, então Imaculada Conceição, então puseram lá e um dia um padre lá do Quiririm perguntou: “Seu Zéi, você sabe que me conta as coisas, me diz uma coisa, porque que tem essa imagem de Nossa Senhora aqui?, diz que foi os frades trapista que puseram”, eu disse: “Não, não foi. Não foi porque os frades trapista chegaram aqui na fazenda do Birizau em 1904, e os italianos já tava assentados desde de 1890 lá no Quririm e o lugar foi bento em 1895 lá, então eles tinham uma vantagem de quase dez anos. Os frades contribuíram com os italianos foi a semente de arroz melhorada, porque os italianos plantavam arroz que eram nativo”, um arroz que quando descasca a mulherada não gosta muito de comprar arroz porque tem arroz vermelho dentro, então aquele é o arroz nativo, então os frades sabiam que tinha uma colônia italiana e eles vieram oferecer a semente e aí melhoraram, entendeu, então é por isso que tem essas festas. Agora a festa de Santo Antônio eu me lembro que quando acabava a festa no domingo tinha um baile no salão do Quiririm, tem uma sede lá e a minha mãe adorou toda vida o bendito baile, eu tinha uns 3 anos mais ou menos e tinha o pessoal do Valério, já se foram todos, eu quando vou no cemitério “Só eu tive sentado no seu colo, no salão”, raramente eu entro lá, eu passo sempre em frente. Então eu era pequeno tinha uns 2 anos, 3 anos, 2 anos e meio, 3 anos eu me lembro disso aí, eu me esperneava no colo da italianada lá e minha mãe dançando. Mas o baile começava 15 pras 8, 8 horas, o máximo 11 e meia, meia noite terminava, agora hoje não, começa meia noite o inferninho e vai até 6, 7 horas da manhã infernando a gente. Então não tem jeito, né, porque eu sei, lá tem o salão paroquial eu escuto, né. Então aí meu pai ia pra jogar bocha, o baralho e minha mãe ia no baile, né, e depois desciam os dois juntos., né, iam embora.
P2 – Isso no período da festa, né?
R – Então, isso era infalível. Mas fora a festa todo sábado e domingo tinha o bailinho da italianada, lá. E quem ia tocar lá era o famoso Quintino Brotero de Assis e Tremembé, já falecido, com a bandinha dele, esse era infalível, era ele quem tocava.
P2 – Era só musica italiana que tocava?
R – Não, depois minha mãe se familiarizou aqui, era samba, era qualquer coisa lá, era valsa e todas essas coisas, né, mas era isso aí. E tem outra coisa, com esse negócio dela ir lá e aqui, quando minha mãe chegou da Itália, tinha uma bandinha, uma mini bandinha no Quiririm, tinha uns quatro, cinco, seis, sempre tem nos lugarzinhos pequenos assim de roça, sempre tem, né, aí sabiam que meu pai ia chegar com a minha mãe, foram na estação esperar e foram tocar até no sobrado, lá teve um baile quando eles chegaram, chegaram no expressinho das 9 e meia da noite de São Paulo, porque vieram desembarcaram em Santos, vieram pela antiga Rio/___ e vieram embora.
P2 – Que ano foi então que ela voltou pra Itália?
R – Ah, ela voltou pra lá em 31 de julho de 79.
P2 – Nossa, 30 anos.
R – Foi, ficou pra lá.
P2 – Aí ela não quis ficar lá?
R – Não, aí é o seguinte, foi uma sobrinha minha do Paraná, sobrinha da Neli, por parte da Neli, é uma irmã da Neli que mora lá, né, e ela disse assim: “Tio, o senhor não quer me dá o endereço lá de Calvatoni, onde mora a vó Adélia”, não era nada dela, mas chama vó, né, disse: “Do sim”, aí passei pra ela por telefone. Aí quando ela chegou em Genova, ela ligou lá pra minha mãe, né, a minha mãe quase deu até um troço nela, as minhas tias elas falaram que ela ficou tão contente que ia alguém do Brasil lá visitá-la, né, aí disse assim: “Oi dona Adélia como vai a senhora?”, Elaine dos Santos, aí falou, falou “Posso”, “Pode vim”, ficou um mês lá, aí passeou por toda redondeza mas hospedada lá com as minhas tias, chegou na hora de vim embora ela tava com um pé no Brasil e outro na Itália, aí o ano que ela foi embora casaram-se dois filhos meus, um que mora numa fazenda lá do Canegai _______ e o outro que mora em Jacareí e já tinha os netos, né, eu já tinha os meus netos, os filhos deles. Ela disse: “Dona Adélia, e agora tá chegando o dia de eu ir embora, como é, a senhora vai ficar ou quer voltar pro Brasil pra conhecer os netos”, pondo fogo, pondo brasa na fogueira, né, mas olha ela arrumou o passaporte dela, pegou o avião e veio embora. Aí alugamos um micro ônibus, lá foi a turma do Quiririm, eu tenho a foto, fomos lá em Congonhas recebe-la.
P2 – Então ela voltou duas vezes pra Itália, uma com seu pai e uma sozinha?
R – Não, com meu pai não voltou mais. Não, ela veio embora e não voltou mais. Ela foi viuva depois, porque meu pai faleceu em 62, depois ela voltou em 79. Então, eu disse: “Puxa vida, quem sabe agora vai dá certo aqui em casa”, não adiantou nada. a coisa foi bem um mês, dois, depois começou a entortar tudo de novo, foi até o dia que ela faleceu. Ela viveu quase 93 anos, ela faleceu dia 5 de março de 95. E o meu sogro também faleceu no mesmo ano só que ele tinha feito 93 e ia pra 94, até o passaporte tá aí, tá a data dela certinha.
P2 – Seu Zé, são seis filhos e quantos netos?
R – Cinco netos e casal de bisneto.
P2 – Um casal de bisneto. E a família se reúne até hoje na sua casa?
R – Nossa Senhora, isso aí pra mim num domingo não se ajuntar a turma não é domingo pra mim, não é. A filha de vez em quando ela liga “Pai, cadê a mãe?”, eu digo: “A mãe tá aqui”, aí ela fica bordando lá o dia inteiro, né, gosta de bordar, né, minha mulher gosta de bordar, gosta de fazer as coisas. Vai uma filha, “Vai mãe, faz uma coisinha”, ela fica lá, ela gosta, ela não quis vim muito mais porque tem umas coisas pra acabar lá. Se ela for lá em casa ela vai gostar, viu. Mas aí, o que a gente tava conversando?
P2 –Dos netos e bisnetos.
R – Então, daí se não se reúne pra mim é uma bordoada, então “Pai, não vai dá pra ir porque hoje a sogra quer que vamos comer com ela”, lá na roça, ela tem a sogra viva, o sogro já faleceu “Ainda bem, um de menos já pra vim, então vai diminuir uma cadeira e um prato na mesa, né”, aí mas vem o resto, né, vem os outros. Aí ajunta, quando ajunta tudo tem uns 18, 20, 21, 22 e pra mim é uma alegria, gaste o quanto gastar, eu quero a turma e meia cheia.
P2 – E o que o senhor tem na sua casa o senhor tem dividido, né, quer dizer, os adultos e as crianças, tem a mesa das crianças.
R – Tirando o que eu passei, essas coisaradas, mas mesmo assim graças a Deus eu tenho saúde, eu fico o dia inteiro no sobrado, eu vou lá na roça, eu vou no meu orquidário, desço aquele morrinho não sei quantas vezes por dia lá, olha graças a Deus por enquanto tá tudo bem, 13 de janeiro se Deus quiser em intero 73.
P2 – 73, nós vamos vim na festa.
R – Eles tão querendo fazer festa mesmo, viu, todo ano faz, lá não passa um sem fazer uma festa, dia 21 agora de dezembro vai cair num domingo, é aniversário da Fátima a terceira filha minha lá na roça, então faz lá. E outra também, ontem eu trouxe uns caixotes lá de baixo, eu tenho uma abrigo lá no quintal cheio de bugiganga, já trouxe um caixote, quinta, sexta feira nós vamos fazer um presépio, todo ano fazemos um presépio, isso é costume da gente, não deixa. E dia 5 de janeiro mais outra coisa que eu vou contar pra vocês, a caçula aniversareia, ela tá na faculdade em Pinda, então nós fazemos uma reza do presépio e em seguida o aniversário dela, então aquele cozinhão enche.
P1 – E a cidade, e Quiririm?
R – Então, Quiririm agora.
P1 – Mudou muito?
R – Nossa Senhora, isso aí vou te contar, agora é uma desgraça viu. Não devia de falar mas eu sou obrigado a falar, porque tá aqui, viu. Quando construíram a CECAP II, a CECAP III, aquele projeto Cingapura, aquilo lá é um apuro, não é Cingapura é um apuro, porque tem gente boa morando lá dentro, mas tem, olha, acho que é um assim bom e o resto só tranqueira e tá enfernizando Quiririm, não pode bobear que eles entram e roubam, é porcariada mas tá roubando, então acabou o sossego e a policia também não tem como dá conta, não tem jeito. Quando era só a gente ou então a CECAP I, era bom, ali era bom, CECAP I era bom, aquela outra a FABRILAR, era bom, era aí dentro do Quiririm, aí como diz o ditado, era gente que morava, agora lá já viu, né, é droga, é tudo quanto é porcaria.
P2 – Seu José, e lá o Mercato, aquilo tá animando o turismo de Quiririm?
R – Olha, o Mercato, eu vou falar a verdade pra vocês, eu fui duas vezes só lá, eu tenho vergonha de falar, fui duas vezes. Eu não gosto, porque andaram contando pra mim que cercam as pessoas pra carregar na mesa das pessoas, então não se faz uma coisa dessa num lugar, eu deixo a minha filha lá é livre, você teve lá, né?
P2 – Eu tive lá.
R – Então, minha filha tem uma cantina, então você vai e acabou e tudo mais, né, vai pegar o caboclo a laço, porque lá é mais carinha as coisas, é mais caro. Então aqui no Gardioli também é mais caro um pouquinho também as coisas, né, então tem que ir num lugar que é mais brando um pouquinho o negócio.
P2 – Mas de qualquer forma dá uma animada no turismo, né, seu Zé?
R – Dá, porque lá sabe o que mais alimenta o Mercato? Campos do Jordão. O pessoal vem, passa na volta, pára ali, sobra uns trocados, vão gastar o resto lá, né. Agora o pessoal do Quiririm tem muita opção ali, tem o Gardeu ali, tem a minha filha, tem mais outros dois lugares, tem na entrada do Quiririm, Quiririm virou uma cidade gastronômica, não tem condição, então, o pessoal foi _______, viraram pra bóia, pra comida.
P2 – Porque italiano gosta de comer bem, né, seu Zé?
R – A filha, é manja bene, né. Eu falei pra Rosana: “Rosana, porque você não constroe assim em cima tudo”, “Pai, pelo amor de Deus, eu já não aquento mais aqui porque ela já tá com 16, 17 funcionários, então não pode, o Direi tem 40, lá embaixo o Gravieole, porque é comida mais sofisticada, então é mais uma coisa. Esses dias sabe quem teve lá, eu tava lá no sobrado, passou aquele cara que fez o papel de padre numa novela, o ultimo lá, ele é italiano, né, um barbicha, como é o nome dele? Foi lá comer, eu não gosto de novela, como é o nome daquela ultima novela que parou que ele fazia papel de padre, na novela das 9, da Globo.
P1 – Aquele padre italiano, lá?
R – Isso, ele teve lá, ele junto com aquele outro da Malhação lá, Cascão?
P1 – Cabeção.
R – Cabeção, ele junto. Quando passaram em frente puxaram bem o boné, mas deu pra vê bem a cara deles.
P2 – Então tá bom, a vida lá em Quiririm apesar dos problemas é muito boa, né, pelo menos na casa dos Indiani.
R – Você viu lá aonde eu moro?
P2 –Vi.
R – Eu criei meus filhos na praça, e sempre foi ali, eu criei meio rígido, viu, porque bastava dá uma subida já procurava onde tava e já pra casa, né. Então naquele tempo podia fazer o que quisesse ali, né, a praça ali sempre foi uma praça mesmo, uma maravilha, né, então eu tenho um filho que doido por moto, já foi parar no hospital, um dia ele pegou um senhor no antigo Embaré, tinha o Embaré, ali na descida saiu um véio de lá, por isso que eu não gosto de véio, o véio sai de bicicleta e pegou com aquela puta moto, rapaz, 125 cilindradas, 250, 230, ele tinha uma máquina lá que era enorme, mas levou o véio, empacotou ele com bicicleta e tudo na descida da Embaré ali, antiga Embaré, o véio só esfolou isso daqui, ele deslocou o cérebro, olha me deu tanta raiva que nem no hospital eu fui vê ele. Ele começou variar lá no hospital, foi todos lá de casa, ele brincava com a enfermeira, brincava com todos, depois que ele voltou ele pediu desculpas, disse que não sabia que tinha mexido com um, com outro, brincadeira assim, né, então outra vez ele foi pra, ele conhece Minas inteirinha na bendita moto e antes dele comprar carro, viu a mulher dele? A mulher dele é aquela mulher, viu.
P2 – Ah, aquela lá, eu sei.
R – Não é pra botar defeito, né?
P2 – Sonora, conheci ela.
R – Botava ela naquela bendita moto e embora pra Minas passear, eu digo: “Mas André, você tá louco rapaz você tá cansado dessa vida” e ele foi, ele foi inúmeras vezes, ele conhece tudo, sul de Minas inteirinho. Um dia ele chegou num posto de gasolina, bem pra cá de Belo Horizonte e aí encontrou-se com um motoqueiro, motoqueiro puxa motoqueiro, né, “Dá onde você vem vindo?”, viu a placa Taubaté “Não, você vai comigo, você vai comigo pra Belo Horizonte, vai na casa da minha família”, pois foi, foi lá, depois a família dele tiveram em casa, mas gente boa, viu, gente fina, aí tiveram lá.
P2 – Seu José, o que o senhor achou de dá essa entrevista pra gente? O que o senhor achou da entrevista?
R – Nossa Senhora, to sentindo na minha casa, a vontade.
P2 – Que bom, então tá bom, a gente agradece o senhor ter vindo e conversado com a gente.
R – Pois é, eu que agradeço por mais essa oportunidade, né?
P2 – É isso aí.
R – Pois é, desde de 88 que eu faço isso aí.
P2- Contar história de Quiririm.
R – Quando minha mãe era viva. Depois coitada foi entregando os pontos, perdendo um pouquinho a memória, depois comecei entrar, ajudar, aí fiquei no lugar dela.
P2- Tá certo, obrigada senhor José.
R – De nada, eu que agradeço.