A mãe de Rejane sempre soube bordar, mas a filha nunca se interessou em aprender. Ajudava os pais, que viviam da lavoura. Foi trabalhando na agricultura que Rejane passou a se sustentar, principalmente depois de casada e depois de ter seus filhos. Foi só mais tarde, porém, quando soube de um empreendimento de mulheres que começavam a abrir um próprio negócio no qual precisavam de costureiras, bordadeiras, entre outras especializações do ramo, que Rejane pediu ajuda para sua mãe e aprendeu a bordar, fazendo hoje, aos poucos, dessa a sua atividade.
Mulheres Empreendedoras Chevron (MEC)
A vida, acima de tudo
História de Rejane da Penha Santos de Souza
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 21/01/2013 por Alexandre Marino Netto
Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento da Rejane da Penha Santos de Souza
Entrevistada por Stela Tredici
(Bom Será) Itapemirim, 03 de maio de 2012.
Realização Museu da Pessoa.
Entrevista nº MEC_HV014
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Então eu queria que você começasse falando o seu nome completo, local e a sua data de nascimento.
R – Eu me chamo Rejane da Penha Santos de Souza, nascida dia 25 de agosto de 1968.
P/1 – Onde você nasceu, Regina?
R – Nasci aqui, em Itapemirim mesmo. E você falou de quê, Projeto?
P/1 - E os seus pais nasceram?
R – Meus pais também nasceram e se criaram aqui.
P/1 – Quando você fala “aqui”, é em Itapemirim ou em...
R – É, em Itapemirim.
P/1 – Então você nasceu em Itapemirim e você passou a infância em Itapemirim?
R – Justamente.
P/1 – E como é eu foi a sua infância? O que é que você se lembra lá de Itapemirim, quando você era criancinha.
R – A minha infância, que eu me lembro, é quando eu comecei a estudar aos sete anos, e ia pra escola, muitas vezes, não ia porque tinha muitos irmãos pequenos. Eu é que tomava conta deles. Às vezes, eu, pra eu ir pra escola, tinha que acordar de manhã, arrumar a casa primeiro pra depois ir pra escola e, muitas vezes nem ir pro colégio porque a minha mãe era uma pessoa sozinha e então quem cuidava da casa e dos irmãos era eu, que tinha muitos irmãos pequenos. Era muita dificuldade naquele tempo, então, da minha infância o que eu me lembro é isso. Ah, e a gente também, muitas vezes...Eu sei que ela, também foi, além de minha mãe, foi minha catequista aqui na comunidade. A minha infância, não tem muito o que dizer, não. Porque também, eu me casei nova, aí... não tem muita infância porque eu tinha minhas amigas, meus amigos, e eu não era aquela menina de ficar, igual às outras colegas, que ficavam na rua e iam para festas. As outras iam, só eu não ia, entendeu? Eu era aquela garota que ficava mais presa dentro de casa, que a educação que eles me deram era assim, de não sair, de ficar presa dentro de casa. Então, eu não tenho muito o que contar da minha vida.
P/1 – Vamos ficar ainda um pouquinho na sua infância.
R – Os meus pais? Eles sempre, minha mãe sempre viveu a serviço da igreja, só isso, o trabalho da igreja, que eu me lembre, é isso. Dela, que eu me lembre, é só isso. E meu pai sempre trabalhou na roça pra dar comida pra gente.
P/1 – E vocês eram em quantos irmãos?
R – Nós, quantos... três homens, não, três mulheres,seis, sete...nove...nove irmãos...
P/1 – E você era a mais velha?
R – humhum...
P/1 – A primeira?
R – A primeira.
P/1 - E então, seu pai trabalhava na roça e sua mãe cuidava de casa.
R – É.
P/1 – E fora isso, tinha algum momento onde seus pais iam a uma festa, na sua infância, de que você se lembra. Ou que seus pais contavam alguma história pra você, se sua mãe contava alguma história, relacionada à igreja, que seja...
R – Ah, sim, ela contava muita história, de sair, porque o povo saía muito a pé, naquele tempo pra ir nas casas das pessoas, pra fazer oração, né, e contava também histórias da minha avó, que é a mãe dela, da minha mãe, contando histórias de que eles iam a pé pra muito longe pra fazer oração nas casas em que as pessoas pediam. Que eu me lembre, é isso. E também eu me lembro sim, de festas que eu saía junto com eles. É como eu falei, não tem muito, da minha infância eu não lembro que tenha muita coisa assim, não.
P/1 – Mas você ia junto com seus pais nos grupos de oração?
R – Ia, acompanhava, sempre acompanhei. A minha mãe então, até hoje eu acompanho ela no grupo de oração.
P/1 – Então os seus pais saíam para trabalhar e você cuidava dos seus irmãos?
R – Cuidava dos meus irmãos e da casa.
P/1 – O que é que você fazia quando era criança?
R – O que eu fazia quando era criança? Eu brincava, né, com meus irmãos, brincava de boneca com as minhas amigas.
P/1 – Mas eu digo, no ato de cuidar dos seus irmãos, você fazia o quê na casa?
R – Ah, eu lavava, cuidava da casa, lavava a roupa, limpava a casa, areava as vasilhas... porque naquele tempo areava as vasilhas, louças, como se fala hoje. E cuidava de tudo, janta, almoço, dava banho nos meus irmãos. Eu é que fazia tudo, era eu mesmo, era a única, então eu é que fazia tudo.
P/1 – E você aprendeu a costurar?
R – Costurar, não, não aprendi a costurar. Não sei costurar.
P/1 – Bem, e você brincava também. Como é que você brincava, do que é que você brincava?
R – É, brincava de boneca, às vezes, brincava que a boneca era a minha filha. A gente, às vezes, até botava os meninos como se fossem médicos pra cuidar das bonecas como se fossem filhos da gente. E brincava de comida, fazia comida, tinha as panelinhas, então era assim. Vocês assim perguntando, a gente até se lembra de alguma coisa, porque lá no passado, tem muito tempo, né, então a gente acaba esquecendo. E como vocês vêm, resgatam uma coisa depois a gente se lembra das coisas que aconteceram e ficaram pra trás.
P/1 – Rejane, essa infância só aconteceu em Itapemirim ou aqui?
R – Aqui, em Bom Será.
P/1 – Quantos anos você tinha quando vocês vieram pra cá?
R – Não, como eu te disse, nós não viemos de lugar nenhum. A minha mãe foi nascida e criada aqui, eu também.
P/1 – Você nasceu em Itapemirim e veio bebezinho pra cá?
R – É.
P/1 – Ah, então você sempre cresceu aqui.
R – Sempre foi aqui.
P/1 – Então você cuidava dos seus irmãos, brincava e também pra igreja.
R – Sempre fui pra igreja, sempre acompanhei ela pra igreja. Aliás, eu sou a única filha, a que mais foi pra igreja, sempre acompanhei ela... Não sei se pode falar o que eu...de agora não preciso falar não?
P/1 – Vamos, vamos chegar no de agora, sim. Mas pode falar o que você quiser falar agora, fique à vontade.
R - Eu sempre fui pra igreja, sempre acompanhei minha mãe e eu fui aqui da minha comunidade, a Imaculada Conceição, eu fui coordenadora de liturgia por seis anos, escrevendo, botando música em tonalidades, na igreja. Eu mesma é quem tirava as músicas, então, eu fiz muita coisa. Já trabalhei na Pastoral da Criança como líder, já fiz o curso para Pastoral da Criança. A gente também tem outro trabalho na igreja que é zelar, limpar a igreja. E hoje eu sou só animadora, do Círculo bíblico. Agora já vem nova eleição e eu já estou pensando em pegar a Pastoral da Criança para ser coordenadora.
P/1 – Tá bom, mas vamos voltar um pouquinho ainda lá pro passado, agora pra sua juventude. Você falou que se lembra que foi pra escola...
R – ...Com sete anos.
P/1 – Qual a primeira lembrança que você tem da escola?
R – A primeira lembrança é que... ah, eu me lembro dos meus colegas, juntos e...a gente... Naquele tempo era muito bom, entendeu? Os colegas na escola. Não é igualmente como é hoje, o que a gente vê, né. Aquela educação na escola, todo mundo estudava direitinho, não tinha bagunça, fazia o dever conforme a professora mandava. Se a gente fizesse qualquer coisa errada os professores davam castigo, né, e deixavam mesmo de castigo. Hoje a gente, praticamente quase não vê isso, mas, que eu me lembre era isso. E mesmo assim eu gostava muito dos professores, respeitava muito eles e a minha mãe nunca teve reclamação na escola de mim, de que eu fosse uma menina bagunceira na escola. Eu fazia os meus deveres todos certinhos. Que eu me lembre, é isso.
P/1 – Como é que você ia pra escola, Rejane?
R – Como que eu ia? Vixe...muitas vezes, eu até me lembro, a gente não podia ir de bermudinha pra escola e um dia eu acabei indo e a professora acabou me deixou de castigo. Porque eu fui de bermuda, e a gente só podia ir de saia comprida, ou bermuda comprida. Eu me lembro que ela me deixou de castigo.
P/1 – Mas vocês iam a pé?
R – A pé, porque era pertinho, era perto de casa, o colégio. Eu ia a pé.
P/1 – E teve alguma professora que foi mais marcante pra você?
R – Foi, foi teve uma professora que foi a mais marcante, só que agora eu não me lembro do nome dela. Mas ela foi a mais importante pra mim, esses dias até, eu estava me lembrando dela.
P/1 – Porque ela te ensinava coisas e você aprendia?
R – Muito boa, levava a gente pra passear, me levou na casa dela, pra conhecer os pais dela na Vila, aqui em Itapemirim.
P/1 – E quando você foi crescendo, ficou mocinha, como é que era a sua juventude aqui em Bom Será?
R – Como eu te falei, a minha juventude foi isso, eu não era uma menina de sair. Minha juventude foi mais presa, entendeu, dentro de casa, não saia. As vezes, saía na companhia da minha mãe para festas de casamento, aniversário, essas coisas, e então a minha juventude foi mais presa, trabalhando e fazendo serviço de casa do que passear e se divertir muito fora de casa. Não era assim, era mais presa.
P/1 – E você só trabalhava em casa, não chegou a trabalhar fora?
R – Ah, tem isso também! Trabalhei muito, eu trabalhei quando era solteira, trabalhei muito na lavoura, muito aqui na Usina aqui, Paineiras. E não só na usina, eu trabalhei com muitas pessoas na roça. Eu trabalhei na roça até casar.
P/1 – O que é que você fazia na roça?
R – Ah, na roça eu plantava cana, limpava, tirava abacaxi, tanta coisa que você nem se lembra, muita coisa mesmo que a gente faz. Na usina até, limpava vala, plantava cana, carregava cana no ombro pra plantar, pra planta, né. E muita coisa que a gente fazia lá, subia em cima de carreta pra jogar a cana pra baixo. Às vezes pegava o facão pra picar a cana, jogava a cana de cima da carreta pra jogar nos sulcos, onde ia plantar a cana, isso tudo. Eu sei que eu fazia o serviço de homem na usina, na lavoura.
P/1 – E o que é que você fazia com o dinheiro? Você tinha um salário, o que é que você fazia...
R – Meu dinheiro, o dinheiro era pra mim e meus filhos, porque já nesse tempo eu não tinha mais marido, eu já era separada.
P/1 – Mas você falou que trabalhou quando era solteira...
R – Eu trabalhei quando eu era solteira, esse negócio de quando eu era solteira, vem a ser da usina também, como eu estou falando, porque eu também trabalhei na usina, e então eu era solteira. Trabalhei em vários lugares, eu nem me lembro o nome das pessoas que eram os encarregados. E o dinheiro, como eu era solteira eu dava um pouco à minha mãe e ficava com um pouco pra mim. Mas, na maioria das vezes, eu dava tudo a ela, porque eu ajudava em casa. Não só eu, mas meus irmãos que trabalhavam e davam o dinheiro à ela, todo mundo.
P/1 – Você trabalhava em casa, trabalhava lá (na usina) e você achava algum momento pra passear? Você tinha amigas quando você era jovem, antes de se casar?
R – É, tinha minhas primas, minhas colegas, mas não era de viver muito junto, entendeu, igual a hoje é, de viver de coleguinha, não era.
P/1 – E como é que você conheceu o seu primeiro namorado? Como é que foi o comecinho do namoro?
R – Já faz muito tempo que eu conheci uma pessoa. Teve até um primeiro namorado, a gente estava começando a comunidade aqui de Bom Será , Imaculada Conceição, mas eu só não me lembro mais o nome dele. Era paquerinha e depois a gente se deixou porque...ah, não tinha coisa, assim... e ele era uma pessoa de longe, e eu depois fiquei sabendo...tem muitas coisas que se passam na vida da gente...Como que, às vezes, ele ficava com uma, depois com outra. Depois ele morreu, eu soube que ele morreu de acidente Então foi assim, o primeiro namorado foi esse de que eu não me lembro ... Carlinhos! Carlinhos, o nome dele, meu primeiro namorado, minha primeira paquera, aliás.
P/1 – Depois você conheceu...
R – Depois conheci mais outro. Foi também... esse é Genilson. Também conheci numa festa, também em comunidade, como eu te disse, a gente saía muito pelas comunidades, para visitar, pra ver alguma coisa. Então acabei conhecendo ele na festa de Palmital Eu sentia medo dos homens se aproximarem de mim, então eu ficava bem afastada. Depois eu apresentei ele pra minha mãe, só que a gente não continuou porque ele se invocou com a minha prima. Ele até se casou com a minha prima, né. E depois dele eu conheci outro rapaz também.
P/1 – E o seu marido, como é que você conheceu?
R – Aí, tá, depois vem...o meu marido. depois disso eu conheci ele. Ele já tinha sido marido da minha prima, uma confusão entendeu? Já tinha uma filha com ela. E ele se invocou comigo... ele cercava, por vários lugares onde eu andava e eu sempre falava que não, que não queria. Ele insistiu muito, ficou insistindo e eu sempre dizia que não. Minha mãe também não queria por ele ser pai de um filho, mas eu acho que isso não tem nada a ver. Me deram muitos conselhos, os dois, meu pai e minha mãe, nenhum dos dois queriam porque eles sabiam já como ele era, pai de filho, e tal. Aí eu resolvi, fiquei com ele e a gente acabou indo embora juntos e daí a gente depois foi morar juntos, nos casamos, depois eles até que eles aceitaram, a gente se casou... e tivemos um primeiro filho, que foi o que eu te falei.
P/1 – Mas conta de novo, como se chamava o seu primeiro filho?
R – O Isaac, que morreu de acidente de moto. E aí tivemos o primeiro filho...e aí, continuo?
P/1 – Só pra saber, vocês foram embora pra onde?
R – Nós fomos embora pra Beira Rio, pra casa da minha prima.
P/1 – Vocês se casaram por lá?
R – Não, nós não nos casamos por lá, depois nós viemos embora...
P/1 –...voltaram...
R –...voltamos pra cá e fomos viver com o pai dele, doideira de adolescente...
P/1 – Você era adolescente?
R – Eu tinha dezesseis anos, quando eu fui embora com ele. Tive o meu primeiro filho com dezessete.
P/1 – E vocês tiveram outros filhos?
R – Depois do primeiro, eu fiquei grávida novamente. Aí perdi um, aborto espontâneo, e depois do segundo fiquei grávida do terceiro, foi o que serviu exército, o Carlos Henrique. Depois do terceiro veio o do meio, o Juan que tem dezoito anos agora. Depois do Juan eu fiquei grávida novamente e perdi. Perdi, não, ele nasceu com nove meses e nasceu morto. Depois eu tive o último que foi o Vitor, que está com treze anos.
P/1 – Então, quantos filhos vocês tiveram?
R – Eu tive seis, três, no caso, não tenho. Tenho três vivos.
P/1 - E como é que foi o dia do seu casamento com seu marido?
R – Não, a gente só casou mesmo no civil. Ah, depois que o menino nasceu, o Isaac, que sofreu acidente, depois do nascimento dele a gente foi casar no civil com dez dias que eu estava de resguardo. Foi isso, ele estava com dez dias de nascido e a gente foi se casar. Então foi assim, só teve testemunha mesmo, não foi festa de casamento, não teve data marcante. Depois do casamento, com o tempo, quando ele completou... ah, não me lembro com quantos anos ele estava, depois nós tivemos que casar na igreja também porque eles só batizavam os filhos se os pais fossem casados. E aí a gente se casou na igreja para batizar o menino, então, quer dizer, já foi uma data marcante, a data do batizado dele, que eu também nem me lembro a data, porque faz muito tempo, foi uma data marcante o batizado dele o menino.
P/1 – Então vocês ficaram morando aqui em Bom Será...
R –... ficamos morando aqui.
P/1 –... e depois você voltou a trabalhar fora?
R – É, depois eu voltei a trabalhar... Depois de quê? Depois de o menino nascer?
P/1 – Depois de casada, você voltou a trabalhar fora?
R – Depois de casada eu voltei a trabalhar, sempre trabalhando pra ajudar ele. Ajudava ele dentro de casa, ajudava a comprar as coisas, entendeu? Porque naquele tempo tinha muita dificuldade.
P/1 – Fora você trabalhava também?
R – Fora também, sempre trabalhei nas lavouras.
P/1 –... onde?...
R –... é, porque eu não me lembro as pessoas com quem eu trabalhava, mas eu trabalhava muito nas lavouras, sempre tinha alguma coisa, alguém chamava pra trabalhar, plantar cana, limpar café, apanhar...tem tanta coisa que a gente nem se lembra.
P/1 – E Rejane, como é que você ficou conhecendo o Projeto?
R – Como é que fiquei? Bem, o projeto, desde a escolinha lá embaixo que a minha mãe já vinha nesse Projeto. Fiquei conhecendo através do, como é que fala?... do Gelson, que era...acho que ele era o presidente da Associação. Então eu fiquei conhecendo, só que eu acompanhava a minha mãe, eu não ia não. E ela ficava insistindo pra mim ir: “Ah, vai porque vai ser bom” . E eu não ia. E ela sempre, todo dia chegava, me chamava e eu falava: “Não, porque eu não estou vendo nada, não estou vendo rendimento em nada, então eu não vou, não” E ela falava: “Você vai perder, você vai se arrepender”, ela falava sempre pra mim. Então teve um dia em que elas fizeram o curso de bijuteria e Cintia veio e minha mãe me chamou pra eu ir nessa reunião e eu fui. Chegando lá a Cintia falou pra mim “Ah, e por que é que você não entra?” Ela também me deu um empurrãozinho, e eu peguei, assinei o livro lá e falei: “Tudo bem, vou entrar” E entrei. E elas continuaram lá na escola, no vestiário. Continuaram fazendo lá mesmo porque não tinha local próprio para fazer. E quando passou pra cá, eu vim, falei assim: “Tá bom, então eu vou”. Eu acabei entrando em agosto do ano passado no Projeto.
P/1 – E o que é que você faz aqui, qual é a sua atividade aqui?
R – A minha atividade aqui é bordar, eu sou bordadeira.
P/1 – E o que é que você gosta de bordar.
R – Eu gosto de bordar o Frade e a freira, o Monte H, gosto de bordar o Beija-flor, o Peixe. Tem muitas coisas, eu bordo a etiqueta que é nossa, da Moda Bom Será.
P/1 – Você ajuda a criar esses desenhos, essas figuras?
R – Não, não ajudo a criar porque te as meninas que fazem isso. Cada uma aqui tem uma função.
P/1 – E você gosta mais da parte de bordado?
R – Da parte de bordado.
P/1 – E você já sabia bordar?
R – Não, não sabia bordar. Quando eu cheguei aqui, a minha mãe como sempre foi bordadeira, eu falei “Mãe, eu não sei bordar” e ela falou “Então. vem cá que eu te ensino”. Ela me chamou, me mostrou como é que era, e eu já peguei fazendo. Até hoje, e eu não precisei de curso, né?
P/1 – E a sua mãe? O que é que você achou quando começou a levar os seus bordados pra mostrar pra ela?
R – Não, aí eu não levei pra mostrar, porque ela já está aqui, então ela já via quando eu estava fazendo.
P/1 – Ela faz junto com você? A sua mãe é sua colega aqui.
R – A minha mãe sempre foi minha colega, minha amiga pra todas as horas. Ela sempre me apoiou em tudo, desde casada ou quando houve a minha separação, ela é que sempre esteve do meu lado me apoiando em tudo. Ai de mim, se não fosse ela, né, e meu pai. Eles sempre me apoiaram , hoje eles me ajudam no que for preciso. Então eles estão sempre ali, segurando a minha barra. Ai de mim, se não fosse eles.
P/1 – E aqui nos bordados? A sua mãe insistiu pra você vir, você veio e tomou gosto pela coisa. Como é que a sua mãe se sentiu quando viu você bordando?
R – Ah, ela ficou muito satisfeita. muito satisfeita E quando eu não venho, as vezes que eu tenho uma coisa pra fazer, ela fica triste porque eu não venho. A gente é assim: sai pra tudo quanto é lugar, é eu mais ela, sempre estamos saindo juntas. Tanto faz se for pra igreja, quanto aqui, quanto pra sair para as comunidades, a gente sempre está junto. Então ela fica triste porque eu não a acompanho.
P/1 – E o que é que seus filhos acharam?
R – Os meus filhos gostaram muito, eles adoraram. Muitas vezes eles até falam: “ Ah, mãe, a senhora fica lá e eu não vejo a senhora com dinheiro, não vejo entrar nada, como é que fica?” Eu falo: “O dia que entrar, entrou meu filho. O dia que aparecer, tá bom”. Eu já, assim... como é que é seu nome?
P/1 – Stela.
R – Stela, eu muitas vezes já senti vontade de desistir, mas depois volto atrás; “Não vou desistir, vou ficar firme!” Porque que eu sei que não é muito, não, mas é bom, eu sei que é uma coisa boa e que vai ser muito bom ainda. Eu acredito, acredito que possa melhorar, mais.
P/1 – O que é que você imagina, no seu sonho com esse Projeto, o que é que pode ficar melhor?
R – Eu acredito que a gente possa, não sei, progredir mais. Botar o que a gente está fazendo, pra frente, vender, sei lá, ter um local de comércio pra gente. Eu acredito que vai expandir pra gente, entendeu? Eu sonho com isso, eu sonho.
P/1 – E vocês já estão vendendo os produtos de vocês?
R – Vende, com certeza. Vende aqui quando alguém vem aqui, faz pedido ou vem fazer uma visita, vê, acha bonito e compra. Então, a gente está vendendo aqui e quando a gente monta uma barraca em uma festa também a gente vende. Sai aquelas roupas, os bordados, as coisas, entendeu?
P/1 – Qual a coisa, um desafio que você sente que conseguiu superar aqui? Uma dificuldade que você teve, mas que você conseguiu superar, qual foi?
R – Desafio... o único desafio que nós tivemos, o último, foi o desafio do café da manhã. A gente bordou quinhentas e vinte... ou duzentas e vinte... quinhentas e vinte toalhinhas. A gente correu contra o tempo pra bordar e dar conta dessas toalhas pra levar no dia seguinte pra lá. E esse foi o desafio maior que nós tivemos aqui, e a gente deu conta!
P/1 – E aonde que foram essas?
R – A toalhas foram... botando cada uma do Projeto para colocar na sacolinha, dos empresários e de outras pessoas mais. Então cada um, igual àquelas meninas de Graúna, de Itaipava. Cada um fez também aquela cesta para a prefeita, cada um tinha uma coisa para oferecer. Foi para isso, pra dar. Essas toalhas foram de brinde e dar pra Chevron. Nós fizemos pra Chevron e a Chevron deu pras pessoas, de brinde. Então, esse foi o maior desafio. E a gente deu conta. Era tarde da noite, mas a gente deu conta.
P/1 – Vocês ficaram aqui à noite, bordando?
R – Ficamos, organizando, olhando, se faltava alguma coisa, Pra empacotar, embrulhar.
P/1 – E você está recebendo algum dinheiro?
R – O que é que eu posso dizer... Não. A última vez que a gente recebeu foi esse dinheiro das toalhas. Daí então não tem saído mais nada pra gente.
P/1 – E esse dinheiro vem ajudar no seu orçamento...
R –... é, com certeza.
P/1 – E Rejane, como é que é o trabalho? Você fez muitas amigas aqui no Projeto?
R – Aqui não precisa nem falar que fez amigas porque a gente aqui já é tudo em parente. Então já é mesmo da família, não tem ninguém de fora, é todo mundo de casa mesmo. Não fiz ninguém de amiga de fora, porque não veio, é todo mundo de casa, a gente se sente mais em casa ainda.
P/1 – Tem alguma história, algum fato marcante que você gosta de lembrar desse período em que você participa do Projeto?
R – Fato marcante?... fato marcante que a gente teve aqui foi... é a gente...meu Deus...
P/1 – Tudo bem, se não tiver, não tem problema. Pra você o que é que significou estar esse Projeto, o que você sente que mudou na sua vida?
R – Mudança, olha, pra ser sincera, até agora não teve mudança nenhuma, não, pra mim não mudou, entendeu? A gente tem que ser sincera, pra mim ainda não houve mudança.
P/1 – Mas você acha que para a comunidade foi bacana a entrada deste Projeto?
R – Foi, com certeza.
P/1 – De que modo você acha que melhorou para as mulheres da comunidade?
R – Pra nós que bordamos, que estamos aqui? Não tem como descrever, não tem. Acho que cada um sabe contar a sua história, eu, pela minha parte é o que estou dizendo. Pra mim não houve mudança, não sei se para as outras, né?
P/1 – Você acha que para o grupo em geral, para comunidade em geral?
R – Não, não teve mudança nenhuma não.
P/1 – Então, Rejane, o que é que você faz hoje, exatamente?
R – É, o que eu faço é isso, é bordar. As coisas mais importantes pra minha vida é o bordado e também meus filhos. O mais importante pra mim é estar aqui com a minha mãe, com a minha sobrinha, com as minhas primas, isso é importante. E muito importante também é quando tem um evento em que a gente sai, todo mundo, em grupo, a gente sai muito alegre, muito feliz. É muito satisfatório pra gente, sair. Quando a gente sabe que tem uma coisa, eu, pela minha parte, fico muito feliz, muito alegre, tenho vontade de ir em todos, estar em todos os lugares que o Projeto está, eu tenho muita vontade
P/1 – Que ótimo. E você tem um grande sonho na sua vida?
R – Sonho...ah... tenho sonho, mas não sei, Deus é quem sabe se esse sonho vai acontecer. O grande sonho da minha vida, que eu não sei se eu vou realizar é de acabar de arrumar a minha casa, esse é o meu sonho: Acabar de arrumar a minha casa, botar as minhas coisinhas que eu não tenho, tenho muito pouco. Eu falei muito da minha vida, de lá atrás, de solteira, não, de casada. Só que eu também não falei das coisas que ficaram pra trás, aconteceram muitas coisas ruins comigo, coisas tristes. Meu ex-marido quando me largou, meu filho já tinha dezesseis anos quando ele foi embora. E o menino que ficou teve que largar os estudos pra me ajudar em casa, ele era o único rapazinho que eu tinha, o mais velho. Então ele abandonou o colégio, falou: “Mãe, eu não vou estudar mais, eu vou trabalhar pra ajudar a senhora”. E foi trabalhar, foi pescar no mar pra dar de comer pra mim e os irmãos porque a situação não era boa, não. Ele trabalhava, chegava em casa e me dava o dinheirinho dele, tirava o dele, menos pra ele, eu ficava com mais.Era o que me ajudava em casa, o meu filho que Deus levou. E depois, como eu te disse, aconteceu aquele acidente com ele, foi muito triste pra minha vida. Depois eu autorizei a doação de órgãos dele, como ele salvou seis vidas. Aqui no Espírito Santo foram distribuídos três órgãos dele e depois os outros três foram encaminhados para o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e lá eu não sei quem foram os beneficiados. Então esse também é um fato da minha vida que me marca. Por um lado eu me sinto triste por não ter mais o meu filho, mas por outro eu me sinto aliviada também por saber que muitas pessoas foram beneficiadas com os órgãos do meu filho. Saber que por aí bate o coração do meu filho, por aí outras pessoas enxergam com a visão dele e outras coisas mais, porque foram seis órgãos. Da minha vida o mais triste é esse fato, e também tem o fato de que meu ex-marido bebia, maltratava muito os meus filhos, me maltratava, então aos dezesseis anos não deu mais pra gente viver, por causa disso, e a gente acabou se separando. É só isso.
P/1 – E o seu filho beneficiou muita gente, muito bonito o que vocês fizeram, Rejane. Tem alguma coisa mais que eu não perguntei e que você gostaria de colocar aqui?
R – É, e depois também tem a história do meu filho, quando ele entrou para o Exército, o Carlos Henrique, foi uma data marcante na minha vida e na vida dele. Ele se sente orgulhoso até hoje.
P/1 – Estou falando com a Rejane e ela estava falando do Carlos Henrique no Exército, que foi um motivo de muito orgulho.
R – Foi um motivo de muito orgulho pra ele, nós tivemos que sair e ir lá porque foi o dia em que ele recebeu a farda. Estivemos eu e o irmão presentes e foi um dia muito feliz pra vida dele e pra minha também. E daí então ele não continuou. Foi um fato marcante pra gente, com certeza. Ele ficou só um ano servindo o Exército e depois saiu. Hoje ele está em casa, trabalha, me ajuda, e é só.
P/1 – Rejane, como é que foi pra você contar a sua história aqui pra gente?
R – Foi muito bom, gostei muito. Pra mim foi a maior satisfação contar a minha história. Tem muitas coisas que a gente nem se lembra, mas pra mim foi muito bom
P/1 – Tá ótimo, então, muito obrigada pela participação no Projeto, foi um prazer conversar com você. Depois você me mostra os seus bordados!
[Fim da Entrevista]