Jair conta pro Museu da Pessoa a história de sua vida. Agente Comunitário de Saúde, conta sobre as origens de sua família, uma tragédia envolvendo seu irmão, o seu casamento. Traz também sobre o começo de seu trabalho como Agente Comunitário, sua relação com a população, a fabricação de xaropes de ervas medicinais e muitas outras histórias de uma profissão que dedica seu tempo e cuidado para a saúde de toda a comunidade.
Abifarma 50 anos: Indústria Farmacêutica e Cidadania (ATD)
A sabedoria rural na saúde pública
História de Jair Pereira
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 01/06/2005 por Museu da Pessoa
Projeto Abifarma 50 anos
Depoimento de Jair Pereira
Entrevistado por Luís André Prado
Local da Entrevista: PACS - Santo Augusto
Santo Augusto, RS, 09/05/1997.
Realização Museu da Pessoa
Código do depoente: APD_HV018
Revisado por Gustavo Kazuo
P/1 - Queria começar, então, com você se apresentando, queria que você falasse o seu nome completo, a data de nascimento e o local, onde você nasceu?
R - Bom, eu sou agente comunitário de saúde, Jair Pereira, eu sou nascido aos 17 de junho, 1971 e a minha residência, é a Pastelagem.
P/1 - Você nasceu onde?
R - Três de Maio.
P/1 – Três de Maio fica aonde?
R - (Pausa). É, é vizinho de Santa Rosa, né?
P/1 - Santa Rosa.
R - Para o lado de, Santa Rosa.
P/1 - Mas aqui para oeste?
R - Oeste?
P/1 - Para oeste.
R – Oeste.
P/1 - No Rio Grande do Sul?
R - Rio Grande do Sul.
P/1 - E fala um pouquinho Jair, da história que você conhece dos seus avós, fala por parte de pai, o que é que você sabe, qual o nome dos seus avós, de onde é que eles vieram, o que é que eles faziam?
R - É, os meus avós, até são falecidos, é o Reinaldo Pereira e Rosa, é até Reinaldo Estevão Pereira e a finada nona também, é Rosa Pereira.
P/1 - Rosa Pereira?
R - É, porque a gente, sabe que são nascidos em Três de Maio.
P/1 - Em Três de Maio. E eles eram o quê, eram agricultores?
R - Agricultores.
P/1 - Tinham terra?
R - Tinham terras, pouca, mas tinham, né, oito hectares de terra.
P/1 - Oito hectares de terra?
R - Isso.
P/1 - E eles plantavam o quê?
R - Plantavam soja, milho, feijão, o que desse para sobreviver ali, não dando para comprar mais terra, mas para sobreviver meio sofrido, dava.
P/1 - Três de Maio, o que você lembra de Três de Maio, como assim, era, uma vilazinha pequena, aliás, você morava em uma vila em Três de Maio?
R - Em uma vila.
P/1 - Como é que chamava essa vila?
R - Anchieta.
P/1 - Anchieta e como é que você lembra de Anchieta, o que é que tinha lá?
R - Bom, lá, até, bem nos fundos da nossa terra tinha um riacho, tinha a comunidade, salão, igreja, a escolinha, é, por aí mais ou menos, vizinhos.
P/1 - Muita gente?
R - Não, uma vila pequena.
P/1 - Vila pequena?
R - Até, agora está, com o passar dos anos, está cada vez mais pequena.
P/1 - É?
R - O pessoal... Difícil de se manter no interior, então estão indo para a cidade, para a cidade longe, para buscar sempre uma melhora de vida.
P/1 - Certo.
R - Um ganho por mês.
P/1 - E você ficou, os seus avós moraram lá, a vida inteira, que você sabe?
R - Que eu sei sim, moraram lá...
P/1 - Por parte de seu pai?
R - Isso e até estão falecidos lá, estão enterrados no cemitério de... (pausa)
P/1 - E por parte da sua mãe, o que é que você sabe da história dos seus avós, como é que era o nome deles?
R - Era Francisco Grandel, o nome do pai da mãe e a mãe da mãe, Albina.
P/1 - Albina?
R - Isso.
P/1 - Você conheceu?
R - Ela não, só o finado nono, o pai da mãe conheci, ela não, cheguei conhecer por fotografia.
P/1 - E também lá de Três de Maio?
R - Também de Três de Maio, que eu lembre, é natural de lá também.
P/1 - Tinha terra lá também?
R - Terra também.
P/1 - Um pouco de terra?
R - Um pouco de terra.
P/1 - E viveram lá até falecer?
R - Até falecer e essa terra até por hoje está por lá ainda, com um tio meu.
P/1 – Ah.
R - Solteiro até.
P/1 - Você, a sua mãe tinha quantos irmãos?
R - São seis irmãos.
P/1 - Seis irmãos e pelo lado de pai?
R - Pelo lado de pai, tem, são cinco irmãos.
P/1 - Cinco irmãos?
R - Isso.
P/1 - Você foi mais ligado à família do seu pai, ou da sua mãe?
R - Mais ligado, bom, dos dois lados.
P/1 - Dos dois lados?
R - É, a gente era, lado, tanto da família da mãe, como do pai, dos dois lados.
P/1 - Bom e o seu pai, então cresceu lá em Três de Maio e nunca saiu de lá?
R - Não, ele foi servir o quartel.
P/1 - Ah, ele saiu de lá para fazer exército?
R - Em Santo Ângelo que tem...
P/1 - Em Santo Ângelo?
R - É, em Santo Ângelo que tem quartel, ele serviu o governo, depois disso...
P/1 - Não saiu mais de lá?
R - Não, trabalhou na olaria, na vila consolata, olaria de pote, antigamente, existia e depois, se conheceu com a mãe e lá, por lá casaram.
P/1 - Sei.
R - Depois, aí, ele comprou um cantinho de terra, meio sofrido, tinha joão de boi, ele viu que, daí nasceu o irmão mais velho, nasceu eu, nasceu o irmão mais novo e nós já era em cinco na família.
P/1 - Tudo homem?
R - Tudo homem, e por aí, conversa vai, conversa vem e sempre naquela vontade de tirar alguma coisa para os seus filhos, daí, ele comprou aqui em Santo Augusto.
P/1 - Como é que ele conseguiu comprar aqui?
R - Ele, teve um primo dele, o Aparicio Mafaldo, esse primo comprou uma terra aqui, com o tempo que ele morava ali, poucos anos, cinco anos mais ou menos o Aparicio morava por ali, ele comunicou o pai que tinha uma terra boa, que não tinha pedra na terra, era, fértil, boa né, daí, o pai veio visitar o Aparicio, daí, foram lá nessa, nessa, nessa pessoa, no Pastelagem mesmo, dali, foi que fechou o negócio, ele vendeu lá e comprou ali.
P/1 - Pelo mesmo preço?
R - É, em média, acho que era um pouquinho mais caro, que ele pagou aqui, um pouquinho mais barato, parece que foi, se não me engano, ele vendeu 15 hectares lá e comprou 21 ali.
P/1 - Aumentou um bocadinho.
R - Aumentou, dali passado uns anos, uma colheita deu bem e com a época, uma época, a colônia era forte, agora está...
P/1 - A Pastelagem?
R - Isso, a Pastelagem, Santo Augusto, uma época o tempo corria bem, chovia bem, o clima era muito bom, foi colhido muito bem, ele comprou mais 12 hectares, para fechar os 33, que temos agora, hectares.
P/1 - Trinta e três?
R - Isso, temos 33 hectares.
P/1 - E você nasceu então, ali em, em Pastelagem não, você nasceu lá, já veio para cá menino, né?
R - Isso, tinha...
P/1 - Já veio para Pastelagem com seis anos.
R - Com seis anos de idade.
P/1 - E como é que foi, que memória você tem assim, dessa mudança?
R - É, memória que ficou, lembranças dos parentes, que nós vimos ali, nós tinha só, praticamente de casa, era um, o Aparicio Mafaldo que era, é primo nosso, lembrança, ficou aquela saudade dos parentes, mas hoje, hoje é um lugar que eu, acho que eu não trocaria por nada, Santo Augusto, a pessoa viver aqui, morar, acho que se Deus quiser que dá certo, a gente vai, vai, continuar por aí.
P/1 - E, como é que era a Pastelagem, quando você chegou lá?
R - Era uma vilinha também.
P/1 - Muito pequenininha?
R - Era até uma vila, era uma vila, saiu muitos moradores, no tempo tinha uma igrejinha feita de madeira, um salãozinho, uma copinha, era tudo pequeno, daí até o pai ali, quando ele foi sócio daquela comunidade do Pastelagem, ele ali e o, as famílias dos Passos, os associados, eles criaram um salão e igreja nova, até o tempo da presidência, era o Sr. Nelson Mafaldo, que deu o começo da igreja e graças a Deus hoje nós temos, a área de lazer nossa, temos campo de bocha, salão, igreja, que é o principal, temos um campo de futebol, tem uma quadra de esportes, graças ao nosso prefeito que deu uma força.
P/1 - E naquela época não tinha nada disso, só tinha a igreja, quando você chegou lá, só tinha a igreja?
R - Só, tinha um campinho de futebol, não sendo alambreado, que era mais lá, o Sr. Luís tinha doado um pedaço, daí, agora o campo foi feito, bem no centro, no meio do povo e a quadra também, bem no meio do pessoal, é um, essa quadra de esporte, o campo de futebol, salão, igreja e escola, que tem até a quinta série, até a quarta série, aliás, então, no meio do povo, isso é importante.
P/1 - E quando vocês chegaram, foi fácil entrosar com o povo lá do lugar?
R - Foi.
P/1 - Foi?
R - Foi fácil, até o primeiro vizinho nosso que ajudou, a descarregar a mudança, fazer a mudança, por dentro da casa foi o senhor Artur Rigol, primeiro vizinho que veio a se expor a ajudar e até hoje, o Artur Rigol mora lá, um bom, um bom vizinho do meu pai, e meu também, aliás, tem uma distância de mais ou menos, uns dois quilômetros da minha casa do pai, do meu pai, porque eu moro bem na vila, e meu pai mora um pouquinho mais retirado e o pessoal, tudo bom assim de, foi muita gente embora, também.
P/1 - Muita gente embora?
R - Isso.
P/1 - Quer dizer que quando você chegou lá, tinha mais gente do que tem hoje?
R - Tinha mais gente do que tem hoje, bem mais gente, aqueles, mais ou menos, olha que, diminui umas 50 casas mais ou menos, famílias.
P/1 - Você teve vários mais amigos então que cresceram com você ali que foram embora?
R - Vários, bastante, a maioria foram embora.
P/1 - A maioria foi embora?
R - É.
P/1 - E por que é que foi embora?
R - Foram embora porque, sempre né, estava difícil ali, não tinha como se manter o pessoal, pouca terra, então aí, esse pessoal, estão em Porto Alegre, foram trabalhar em fábricas, calçados e até uns amigos meu trabalham, foram bem de estudo, computador lá, era falta de recurso para sobreviver ali, não deu mais, chegou uma hora que tiveram que apelar para o outro lado.
P/1 - Jair e por que é que você decidiu ficar e não quis tentar outro caminho na vida?
R - Porque eu, a gente tem muita, agarrado em casa com o pai com a mãe e tudo isso envolve e o pai, como tinha lavoura, era um pedacinho bom e teve uns anos que até foi, graças a Deus, foi muito bem, um tempo agora que parece que a coisa não, o tempo não colabora e muda o clima. Nesse sol quente, plantas que dava bem, três, quatro anos atrás, agora tem que trocar toda a variedade, não dá mais, não produz direito, como te falei, a gente sempre pensava em ficar por roda.
P/1 - Cinco irmãos, assim, como é que foi, três irmãos?
R - Três irmãos, cinco com o pai e a mãe.
P/1 - Ah tá, três irmãos, três filhos homens?
R - Três irmãos homens.
P/1 - E você cresceu, três homens assim, não dá muita briga, muita confusão?
R - É dá, acontece, sabe como é que é piá, acontece de tudo, mas briga é, é que nem cachorro, não comparando, é que nem cachorrinho novo, briga e está junto.
P/1 - Está certo.
R - É aquele amor, é aquela briguinha depois passa e está junto, vamos dormir junto, vamos almoçar junto, brincam, jogam bola tudo junto.
P/1 - Quer dizer que você também é muito agarrado com seus irmãos?
R - É.
P/1 - Eles já são casados?
R - Eu tenho só um irmão, um até é falecido, né, perdi.
P/1 - Ah, um é falecido?
R - Perdi meu irmão com...
P/1 - ... como é que você perdeu esse irmão?
R - Eu perdi meu irmão com dezoito anos, ele, é uma história meia...
P/1 - Difícil de falar?
R - Difícil de falar, mas se você quiser saber, de repente tem alguma coisa?
P/1 - Só se você se sentir à vontade para falar.
R - É, esse irmão meu até, ele veio da casa de uma, ele namorava uma vizinha, um piá novo, com 18 anos e ali, não sei o que é que aconteceu lá e ele gostava muito da guria, a gente notava assim que ele, queria muito bem à guria dele, daí, foi um, namorou dois anos, foi um certo tempo lá que, o costume nosso, ele sempre vinha tarde, onze, doze horas, nós já estava sempre dormindo, daí a mãe, até tinha um costume de quando entrava para dentro dizia: ”Apaga a luz.” que ele sempre jantava na casa da guria e aquela noite ele veio. Daí, a mãe, até estava acordada, mas quando parece que é para acontecer as coisas, o sono é pesado e a mãe falou, o nome dele era Jaime, né, daí: “Jaime, apaga a luz.”, ele apagou a luz, normal, entrou para o quarto, dormiu, nós já estava dormindo, eu e meu irmão, dormia junto, ao lado e daí em uma aquela, em uma altura da noite, lá pela madrugada, mais ou menos, 1:30 da noite, é, 1:00 hora da madrugada, uma e meia ali, eu me acordei, da cama mesmo, me acordei, daí eu ouvi que ele, que ele, que ele roncava assim, como se ele estivesse com a boca em um travesseiro assim, uma coisa estranha, eu senti, até mesmo assim, até parecia que aquela noite a gente tinha um sono pesado, uma coisa, uma coisa até marcadora na vida da gente, eu até dormi mais uns 10 minutos acho, daí eu me acordei e o resto, meu irmão, o pai, a mãe, aquele sono profundo, daí, já, mais ou menos quase duas horas, eu com aquilo ali. Deu aquela ansiedade, aquele ronco, eu levantei, na minha cama, acendi a luz, ao lado. Daí ele estava deitado de bruço, com a boca no travesseiro, atravessado na cama, isso, ele usava uma ponte, a ponte dele estava no chão, todo vomitado assim e daí, eu chamei ele por diversas vezes, ele não me atendeu, daí, eu gritei para o pai, o pai saltou da cama e veio, pegamos ele, chacoalhamos, mas ele estava na ânsia da morte, ele tinha tomado daí, tomou, contar o começo, né. Ele tinha tomado, daí chacoalhamos ele, e falamos com ele, o pai massageava no coração dele e naquela época não tinha carro, hoje o meu irmão tem um carro, eu no tempo de solteiro, também tinha um carrinho para sair de vez em quando, daí, nós fomos nesse vizinho, no Artur Rigol, esse que mesmo ajudou, no tempo que nós chegamos de mudança, a descarregar a mudança, ajudar nós a ajeitar ali a nova morada. Daí lá, até demorou um pouco, o homem gostava muito do piá, ficou nervoso, afogou o fusca dele, tinha um fusca, mas daí já nós vinha voltando para ir atrás de outro carro, daí, quando nós ia para outra casa, funcionou o carro dele, o fusca, ele veio e carregaram ele, trouxeram à Santo Augusto, até o tempo do doutor, o Breno, Doutor Breno, não sei se você já ouviu, conheceu ele?
P/1 - Não, não conheci.
R - Não, ele deve estar em Mato Grosso, parece. Daí foi feito, aplicado de veneno, o tratamento contra o veneno, o pai voltou em casa e lá por lá achei uma xícara e daí, até eu, a xícara tinha um veneno Azodrin, (suspiro) tinha tomado, praticamente uma xícara, daí o pai achou, correu em casa: “Doutor, achei uma xícara, assim, assim.” e o doutor já estava tratando para o veneno, daí até eu varri, o arroz fora, que ele tinha vomitado, isso matou aproximadamente, 60 galinhas, daí que a gente teve a certeza, que ele se, tirou a vida, é uma coisa marcante, porque ele não falou nada para ninguém, é uma coisa.
P/1 - Ele estava apaixonado, foi uma desilusão de namoro?
R - É, deve ser isso aí, né.
P/1 - A menina rompeu com ele?
R - É, com certeza, com certeza.
P/1 - E ela confirmou depois que ela tinha rompido?
R - Não, ela até sempre negou, até hoje, mas com certeza foi por lá a coisa, dá para a gente notar, né, é 100% que...
P/1 - De qualquer maneira, é difícil culpar ela...
R - Não, não tem, não tem como culpar, porque a pessoa solteira, é livre.
P/1 - É livre, ninguém é obrigado a casar com ninguém.
R - Ninguém é obrigado a casar com ninguém, mas foi uma coisa...
P/1 - Mas é uma coisa muito triste.
R - É triste, triste, não dá para culpar ninguém, porque, nem nós se culpamos porque é uma coisa que ele decidiu, tomou a decisão.
P/1 - Foi uma opção dele.
R - Já, um piá com dezoito, dezenove anos, já deve pensar alguma coisa.
P/1 - Bom, foi...
R - Marcante, né? Daí, veio a falecer na segunda feira, às oito horas, lá em Jui.
P/1 - Foi uma decisão, como é que a gente pode dizer assim, muito imatura dele.
R - É.
P/1 - A pessoa quando tem 18 anos não tem ainda muita maturidade, se tivesse conversado com alguém, às vezes podia até, como você disse, às vezes uma conversa, só pode...
R - É, ele sempre teve o apoio de nós, do pai da mãe, tudo bem, um piá que tinha sempre dinheiro, se fosse por causa disso.
P/1 - Então, agora, então, isso é uma coisa que eu queria saber também, como é que era a situação econômica de vocês, quer dizer, com essa luta toda, da agricultura, vocês tinham uma vida tranquila, de dinheiro?
R - Tinha, o pai sempre tinha dinheiro.
P/1 - É, não era uma vida de dificuldade, porque vocês tinham terra própria, era plantar e tudo.
R - É, tinha todo o maquinário, só trator e planta, até ele, naquela época, ele fazia a lavoura, eu era até mais piá, então, era um piá muito trabalhador, até esses treze, esses quantia de terra, esses doze, treze hectares que o pai tinha comprado lá em cima era todo, mato né. Daí ele foi o que mais trabalhou lá em cima, naquela lavoura, destocando, arrancando trator, hoje é uma lavoura que não, que não enxerga, que não enxerga ela fora a fora, a gente não enxergava a ponta, agora enxerga ponta a ponta. E dali para cá parece que, tudo bem, aconteceu aquilo, foi muito difícil na nossa família.
P/1 - E a mãe?
R - A mãe, a minha mãe que era uma mulher, né, bah, santa e gorda, hoje ela é magrinha, é, ficou aquele sentimento.
P/1 - Ficou aquele sentimento de tristeza.
R - Mas que nada, sempre a gente, né...
P/1 - A gente tem que superar e tocar para frente. A casa de vocês, como é que é, conta um pouco sobre a casa de vocês.
R - Do meu pai e da minha mãe?
P/1 - É.
R - Casa de madeira, né?
P/1 - Vocês que, foi seu pai que construiu ou já existia?
R - Ele comprou já, construiu só a varanda, para puxar o...
P/1 - É uma casa boa?
R - É uma casa bem, mais ou menos, né, para a colônia, está boa.
P/1 - E o seu pai, vocês moravam todos lá, até você se casar, quando você se casou, como é que foi, conta a história do seu casamento agora, falar de coisa boa.
R – Isso, tá, então, tá. Eu, a gente namorou a vizinha, que pertencia a mesma vila da Pastelagem, o pai era o mais retirado da vila, isso é a questão de namorar a guria, dá 1 quilômetro e 1.200 metros, por aí, 1.400 metros.
P/1 - E aí, você conheceu ela como? No baile, tinha os encontros?
R - Isso, indo aos bailes que a gente ficou se conhecendo, daí, conversa vai, conversa vem, deu de tudo, nós acerta, ela convidou um sábado a tarde para ir à casa dela. Daí a gente meio de primeira vez assim, fica meio, naquela, vai ou não vai, mas tudo bem, fomos né e dali, seguiu o namoro, seguiu o namoro, namorou, isso deu o quê, uns dois anos e pouco, uma certa quantia de namoro até. A gente tinha plano de casar para frente, daí, como ela engravidou, apurou mais o casamento um pouco, mas a gente já...
P/1 - Apressou mais?
R - Graças a Deus até hoje só tem felicidade lá.
P/1 - Vocês casaram quando?
R - Eu estou, vai para cinco anos de casado.
P/1 - Que ano que foi? Nós estamos em, então foi em 92?
R - Foi em 90, foi em 92, isso mesmo.
P/1 - Que mês?
R - É, fevereiro, 22 de fevereiro, foi o casamento.
P/1 - 1992, esse caso do seu irmão, ele faleceu quando? Em 90 e...
R - Isso já faz praticamente, onze anos
P/1 - Onze anos, então é final da década de 80, né?
R - É.
P/1 - Deve ter sido em 80 e 8, né, ou 87? Bom, então, aí, você se casou e aí você continuou morando com seus pais casado, como é que foi?
R - Não, aí o pai tinha um senhor, um vizinho nosso que, ele, ele interessava em morar na cidade, daí essa casa, uma casa linda até, em frente ao salão, casa com uma varandinha, até tem um açude de peixes lá agora, lugar muito lindo sim, bem no centro da vila, daí como não tinha plano de fazer casa, como era perto nós achamos mais fácil, nós tinha um pouco de dinheiro, vamos comprar a casa pronta.
P/1 - A casa na vila?
R - É, a casa na vila com luz, tudo instalado e foi por ali, comprei a casa ali, me instalei lá.
P/1 - Vocês estavam na vila?
R - É, estou morando na vila, depois que eu casei.
P/1 - E continuou trabalhando com o seu pai?
R - É, continuei trabalhando com o meu pai, eu tinha três vaquinhas de leite para poder tirar um troco por mês ali, tinha que puxar pasto, isso, dois quilômetros longe, meu pai tinha, ele tem um trator, tem a gaiota e tosava, mas nem usava todas as vezes. Aí eu tinha até uma carroça, com cavalos junto, eu puxava pasto para as minhas vacas para poder vender um leitinho, para tirar alguma coisa dentro do mês para sobreviver e a gente plantava um pedaço lá na lavoura, um canto de soja, isso, três hectares de soja, tu vê três hectares são pouco né, três a quatro hectares, para tu sobreviver só dali, de maneira nenhuma, no interior, está difícil.
P/1 - É, porque a família vai crescendo também.
R - Vai crescendo.
P/1 - É mais despesa.
R - É.
P/1 - Quando eram três?
R - É, sempre teve o ditado, onde come dois come três, né?
P/1 - Pois, é.
R - Hoje eu tenho meu piá, graças a Deus, cheio de saúde e daí, pouco tempo agora, depois de tudo isso que a gente conversou, surgiu essa oportunidade de...
P/1 - Do PACS [Programa de Agentes Comunitários de Saúde]?
R - Do PACS, daí, antigamente, ali, isso antes de eu casar, nós tinha uma agente de saúde lá, que ela fazia parte de enfermagem, tinha aparelho para verificar pressão, termômetro, até dava algum medicamento, isso era concursado, que houve, tempo atrás, daí, com aquilo ali, ela foi embora para Porto Alegre, casou por lá e por fim ela largou o emprego dela, era uma família lá. Eu sempre com aquela de poder ajudar o povo um dia, de me entrosar junto, de trabalhar nisso aí, sempre tive vontade, mas como não é bem o, de, não é bem por ali, o serviço meu é ser agente comunitário e ela já era parte de...
P/1 - Enfermagem?
R - É, enfermagem né, o serviço dela, daí, foi avisado no rádio que tal e tal comunidade, podia se inscrever, ali em frente ao fórum que a inscrição para, que eles iam tirar, de cada comunidade, um, um, selecionar um agente comunitário de saúde, até nós combinamos com a mulher em casa, eu digo: “Vamos, vamos, vamos tentar lutar por essa aí, porque é um ganho que a gente pode ter para, para melhorar, para dar alguma coisa de bom para o nosso filho e para a gente e ajudar esse povo aí, trazer alguma coisa para eles, que até hoje tem bastante diferença do tempo que eu comecei”. Daí, combinamos e vem a mulher, até eu estava, tinha jogado futebol, estava com o pá machucado, meio mancando, viemos lá, foi cinco pessoas da nossa comunidade que se inscreveu ali, veio um pessoal de Porto Alegre, fez a seleção, daí um certo dia, passado uma semana, parece que foi, eles estavam anunciando, quem é que tinha ficado, o agente selecionado, tinha escolhido para essa comunidade. Daí, estava sentado no rádio, estava ali, será que é eu, será que é o vizinho, será que é o fulano, o ciclano, aí, foi, conversaram e deu Jair Pereira, Pastelagem, vai ser um agente comunitário, foi uma felicidade, veio aquela batalha, de, feito os curso de orientação, treinamento, dois meses, isso foi, com isso aí muito bom, a gente estava muito, naquela de, fazendo esforço, mas sempre com vontade de chegar a casa do vizinho lá, contava o que nós tinha aprendido, com é que vai ser, como é que não vai ser. Bom, sendo assim, a nossa supervisora, que no começo, foi a Sandra, hoje é a Patrícia, a gente, eles deram aquele trabalho, “Vocês vão fazer um, uma identificação do pessoal, vão se chegar, vão se apresentar...”, tudo isso foi treinado, “Vocês vão cadastrar as famílias que pertencem...”, no caso, pertenciam para nós, como eu tinha três filhos, no começo lá, são só, eu cadastrei 98 casos, isso aí, praticamente foi feito à cavalo, que eles deram um certo prazo, assim para tu fazer, às vezes tu vinha por baixo de chuva, pegava chuva, pegava lá em uma altura da estrada, chegava em casa molhado, mas mesmo assim, nós não desistimos, fomos lá. Depois de cadastrados, a gente se entrosou mesmo com o povo, contou como é que é, como é que é o nosso trabalho, aquela orientação, prevenção, aí, um certo tempo, a gente melhorou, ganhou uma bicicleta, isso ficou muito bom, nós começamos lá com, trabalhar com um salário, salário mínimo, hoje, aumentou um pouquinho, deve estar uma média de 152 reais em um mês, com 20 centavos que eu ganho e também, a gente faz, no mês dá, praticamente que é para fazer, 120 visitas domiciliar, eu não chego a atingir isso aí, eu até fui a 110, mas não é fácil, por causa que tem casas, mais longe, tem casa que dá até para chegar dá três quilômetros, um pouquinho mais, envolve.
P/1 - Muito bem.
R - Daí...
P/1 - Bom, conta um pouco, como é que foi a reação das pessoas, quando você começou a fazer o trabalho? Te recebiam bem, te recebiam mal...?
R - Bem, bem.
P/1 - Você conhecia todo mundo, tinha gente que você não conhecia, que você começou...?
R - Eu, ali, eu conhecia todo mundo, tu já pensou, né, dezenove anos morando na comunidade e até para escolher um agente tinha que ter dois anos de, residindo na comunidade, a gente é muito bem dado, graças a Deus e o pessoal não, recebia muito bem e sempre naquela esperança: “Lá vem o agente, vamos ver o que é que ele tem de bom para nos contar, o que tem de bom para trazer para nós.” E por aí, daí com, até lá, o interior, o pessoal tem muita dificuldade de água e eu batalhei, trabalhei, junto na nossa administração...
R - O pessoal, como eu estava falando, sempre com aquela vontade, lá vem o agente vamos ver o que ele vai, vai trazer de bom para nós, daí, o pessoal te contava as dificuldades, se fosse caso de...
P/1 - De água e....
R - De águas, de reforma de casa, dificuldade de luz, que até hoje é muito comentado, hoje, a maioria do pessoal, quando eu comecei a trabalhar que não tinha essa água encanada, igual à prefeitura, deu nas casas com torneiras, registro, tudo com água de primeira, então, tu tem que ver que essa água aí, é uma, é 100% da tua vida. Com todos esses, aplicação de secante, isso aí vai água abaixo quando dá a chuva, daí, outras coisas que a gente, até comentou bastante, que meu trabalho é de prevenção, mas a gente tem encaminhado, uma pessoa lá, ela te conta o problema dela, se dá para tu encaminhar, tu encaminha, ao serviço de saúde. Nosso posto aqui, até teve casos, tem casos, que o agente, ele acompanha, se a pessoa é sozinha, eu até cansei de acompanhar pacientes fora de hora, para dar uma explicação para o médico, pessoas carentes, aí o médico consultava, atendia bem, até liberava pagamento, autorizava na farmácia (pausa) e no mais...
P/1 - Bom e como é que foi, você chegou, foi bem recebido, fez o cadastramento, o que é que você começou a perceber que tinha de doenças, de problemas?
R - De doenças, assim, não, a maioria que acontece com o pessoal, é gripe, não é uma doença, é um vírus, mas a dificuldade que o pessoal do interior, é bem diferente do, da cidade, o pessoal lá quer ter uma ajuda para, conseguir fazer sua casinha, terminar sua casinha, pessoal, quer água, a luz no interior e a saúde, a saúde é que está, graças a Deus, está 100%, tem muitas coisas que a gente não conseguiu a....
P/1 - Criança desnutrida tem?
R - Tem, na minha comunidade, eu tenho sete.
P/1 - Sete crianças?
R - Sete crianças de baixo peso, desnutrida.
P/1 - Como é que você faz?
R - A gente convoca, marca uma data, tal dia vai ter, a pesagem lá na minha casa, eu faço na minha casa, eu faço, o Pastelagem eu peso na minha casa, e a gente pesa na escola, agora está desativada a escola, mas mesmo assim a gente continua pesando lá, a gente pesa a criança, faz um cálculo pelo cartão. Mas a criança que já é, ela é de baixo peso, é desnutrida tu, no olhar, tu já dá para notar que não está certo, não está bem, falta coisa ali para aquela criança, tu pesa, tu faz um cálculo no cartão, ele, como no cartão tem aquela, curva, aí tu faz aquele cálculo ali, se ele der o pontinho abaixo da curva, é baixo peso, dentro da curva já é peso bom. A criança que é baixo peso a gente encaminha para o bem estar, ali tem a nutricionista, a Simone. Ela, além da gente, ela dá mais orientações e é passado o leite ali, um leite integrado, que é para aquilo ali, para bem de aumentar o peso e o farelo de trigo, que é para ser usado nos alimentos, a gente passa folhas, que leva na secretaria, sai daqui tudo batido à maquina, para ver a qualidade e os tipos de alimento que a pessoa dava para essa criança.
P/1 - Leva uma, uma explicação para a pessoa, de qual...
R - E a gente dá orientação para a mãe, na hora da pesagem, no caso agora que é difícil a lotação, no começo foi assim, a Simone vinha, vinha com a Simone, ela dava orientação e passava o leite, as mães vinham, agora até eu estou levando, eu levo o leite lá na minha casa, a gente pesa as crianças e passa lá o leite e as orientações, a gente passa lá porque é difícil de uma mãe vim buscar um leite ali por causa de uma lotação, que está em falta. Falta isso, o difícil acesso para vir aqui, além da criança, que graças a Deus lá, uma já está, que era baixo peso, já equilibrou, peso normal, então, nós temos, daí como veio mais um morador, deu mais uma, voltou ser a sete de novo, um piazinho já com, com quase seis aninhos, que a gente pesa de zero a cinco, mas como eu desconfiei desse, eu pesei esse, deu baixo peso, também está sendo passado o leite. Mas dá para ver que tem diferença, está dando, cada vez que passa está mudando e as mães né, mãe que eram desleixada um pouco, agora dá para a gente ver que elas estão, com aquela atenção para o filho dela, a gente trabalha junto, então nós, elas estão se preocupando, elas querem ver a criança vir ao peso normal, para o agente também ficar bem com aquilo ali, para ver que é importante. Então aí o pessoal está, no começo o pessoal não era preocupado com essas coisas, agora o pessoal procura o posto de saúde, não interessa a hora que não se sentir bem, é procurado, eu vou lá, a gente conversa, troca palavras, eles colocam a dificuldade, e se é caso de doença a gente encaminha, encaminha para o posto de saúde, também quando é caso de deficiência, é encaminhado para a APAE [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais], e graças a Deus, lá não tem, isso é muito importante, porque é muito difícil nessa parte aí. Depois de um certo tempo, a gente tem pesado, as gestantes também e lá graças a Deus, estão com as vacinas em dia, uma consulta ao mês sendo feita ao médico.
P/1 - O pré-natal?
R - É, o pré-natal.
P/1 - Elas acompanham, fazem o pré-natal?
R - É.
P/1 - E como, sendo homem assim, não fica difícil? As mulheres não ficam meio estranhando ter que fazer o pré-natal com você acompanhando?
R - Não, nessa parte a gente até, comentava no curso: “Bah, como é que eu vou chegar e quando é que foi a última...” perguntar quando é que foi a última menstruação que tem que vir, para a gente ter uma certa experiência ali junto com elas, mas não foi difícil, elas já sabem que a pessoa vem para aquele fim ali, vem para um contar para o outro a dificuldade que, se existe dificuldade, daí, a gente conversa juntos, agora muito bem, nossa, teve agora com três gestantes, tinha quatro, uma teve o parto foi... foi sábado, meio dia nasceu uma menina lá.
P/1 - Você acompanhou todo o pré-natal?
R - Essa foi acompanhado o pré-natal, aos três meses que é morador novo, mas nasceu, bom peso a criança, não deu baixo peso, porque ela se cuidava bem. Dava para ver, esses três meses ela estava sempre, sempre vindo ao médico, fez ultrassom também.
P/1 - Lá tem um posto de saúde, lá tem um posto de saúde, lá em Pastelagem?
R - Não, nosso posto de saúde é em Santo Augusto.
P/1 - Tem que ir à Santo Augusto?
R - O agente, além da orientação, a orientação ele dá, qualquer duvida lá, que ele tiver, ele é encaminhado para o posto de saúde de Santo Augusto, encaminho para cá. Toda dor de urgente, na parte da saúde ele não receita remédio, ele pode receitar um chazinho caseiro, mas não pode receitar, o agente comunitário, ele é encaminhado para o posto.
P/1 - Mas você disse que tem comprado um livro aí de planta...
R - Esse, isso foi ontem.
P/1 - É?
R - Foi ontem.
P/1 - Quer dizer que de vez em quando você receita um chazinho...
R - Isso, isso, esse livro foi comprado ontem, até dois livros, paguei catorze reais, mas a gente tinha, aprendeu, que quando lá, uma certa quantia de meses que passam. Nós temos uma unidade móvel, que vai o médico, fazem preventivo de câncer na comunidade, para a mulher é feito a avaliação do pessoal, verificam pressão, temperatura, daí o médico vai, até o doutor Florisbaldo que está, sai no interior, na parte da tarde, então, eles fazem preventivo, ele tem uma, os casos de urgência que é mais, ele consulta e passa remédio lá, tem as enfermeiras tudo ali...
P/1 - Todo mundo vai, a comunidade toda vai quando tem a unidade móvel? Como é que é?
R - Vai, um bom povo vai, alguém, sempre tem um ou outro, que tem o, tem compromisso, às vezes, a pessoa sempre leva o cadastro para eles assinar e ali a gente aprendeu também, todo mundo falou do livro, das receitas, a gente, era aquela vontade de saber como é que se fazia um xarope caseiro, que é feito de ervas medicinais, então a gente aprendeu a fazer o xarope caseiro e vai 25 qualidades de ervas e a pomada, que tem sido um sucesso.
P/1 - Ah, você já faz isso...
R - Isso, eu sei de letra agora.
P/1 - Faz o xarope, é caseiro?
R - No começo era meio difícil, agora, a gente faz o xarope, quando a comunidade pede: “Ó, vamos marcar um dia, vamos marcar um local, no salão, para nós fazer o xarope.”, às vezes tem dez famílias que precisam, as vezes tem mais.
P/1 - Aí, vocês fazem juntos?
R - A gente faz junto.
P/1 - Vai um monte de gente, e vocês fazem?
R - Vai, dez a quinze pessoas sempre estão indo, quinze famílias.
P/1 - E a pomada, para o que é que serve a pomada?
R - A pomada é para todo tipo de ferida, para unheiro, para picada de mosquito, para frieiras, rachador de pés e o xarope a gente tem feito para a gripe e tem um xarope que é feito para bronquite, esse é feito diferente um pouquinho, ele vai um vinho caseiro, uma garrafa de vinho feito de colônia, vai o coração, da ponta do cacho da bananeira.
P/1 - Fala aí a formula inteira, como é que é?
R - Então assim, o xarope para bronquite, ele é muito, deu muito resultado lá, agora vou contar como é que faz, ele deu muito resul..., até tem uma, tem duas pessoas tomando lá e estão achando que está dando bastante resultado, então ele é feito assim o xarope para bronquite, xarope caseiro. Nele vai, tu pega, põe cravo, cravo e canela à gosto da pessoa, esse a gente já faz junto, eu até em casas, eu fui fazer, uma senhora me pediu: “Vamos fazer, dá para vir na minha casa fazer”, então, como a gente é esforçado nessa parte, eu fiz esse favor de ir na casa, então ele vai, o cravo e a canela, essa é a vontade da pessoa, o gosto da pessoa, vai um quilo de açúcar, uma garrafa de vinho de colônia, tem que ser vinho de colônia, não pode ser vinho desses garrafão.
P/1 - O que é que é, o vinho de colônia é o que?
R - Ele é feito da uva, puro da uva.
P/1 - Pura uva, uva pura?
R - Uva pura, ele tem como tu mesmo sabe esses garrafão de mercado, é uma mistura danada, então ele vai o cravo, canela, o açúcar, um quilo de açúcar, uma garrafa de vinho e o coração da banana, a ponta do cacho, tu pica todo ele igual repolho e põe em uma panelinha, deixa ferver por 45 minutos, daí está pronto, tu desliga o fogo e tu tem que deixar quatro horas de molho, depois tu côa e está pronto o xarope para bronquite.
P/1 - Então, o segredo é o coração da banana?
R - É, ele ali, ele tem um, ele tem um, uma liga, aquilo que é a importância, bom, todos esses ingredientes eles têm, todo eles, são remédio, o açúcar da cana, esse tem, todos eles têm remédio, o cravo, canela, o vinho.
P/1 - E o outro xarope, como é que é?
R - Esse aí, se eu vou te dizer todos os nomes fica meio difícil, mas...
P/1 - São vinte ervas?
R - São vinte e cinco ervas.
P/1 - Vinte e cinco ervas?
R - Isso, mas ele vai, todo...
P/1 - Fala algumas aí.
R - Ele vai, vai o poejinho, que é para criança, vai a cidreira, ele vai amorinha de espinho, que é a que dá na beirada dos rios, vai a transagem, a pulmonária e várias até chegar as, os vinte e cinco.
P/1 - Esse aí o que é que para?
R - Esse é bom, esse vai vim, agora esse para bronquite, é interessante, esse é muito interessante, então esse xarope aí, é até, é muito procurado pelo povo, pessoas carentes e não só as carentes, como a pessoa de um meio melhor de vida, como nós temos, lá.
P/1 - As pessoas lá não tem dinheiro para comprar remédio?
R - Tem.
P/1 - Tem?
R - Tem, nem todas, bastante população, eu digo, quase ali uns, praticamente 50% não, tem que ter ajuda do posto, senão, a coisa fica difícil, não há maneira, graças a Deus, esse posto nosso, esse posto de saúde aqui é, é excelente né, nessa parte até o pessoal não se preocupa muito, eles sabem, tem a consulta gratuita, o remédio na farmácia, certos casos que a nossa chefe autoriza pelo SUS, na farmácia.
P/1 - Como é uma visita sua? Como é que você chega, você chega, a pessoa já está te esperando?
R - Não.
P/1 - Você entra, faz o quê?
R - Não, tem pessoas que tu chega, está, está saindo para o trabalho, dali tu, não, não, o senhor pode fazer seu trabalho que eu vou, eu passo amanhã, ou depois, outra hora aqui, não é obrigado a ficar ali, eu na minha parte, no meu trabalho eu faço assim, vou na outra casa, lá chego em casa, nem sempre tu vai, tu anda atrás do caso, da doença ali, da orientação, encaminha o pessoal, ensina alguma coisa de bom para eles lá, então...
P/1 - Você chega, entra e o que é que você faz?
R - Primeiro cumprimentar, depois é feito, é preenchido uma ficha, visita domiciliar, aí tu pega, tu tira o numero do cartão, o numero do SIAB [Sistema de Informação de Atenção Básica], que eles falam.
P/1 - O numero do que?
R - O numero do SIAB.
P/1 - SIAB?
R - É.
P/1 - O que é que é SIAB?
R - É o numero que eles tem no computador aqui, o controle da secretaria de saúde.
P/1 - Um controle?
R - É, é um controle deles, é um número, que daí ele, reavaliar que eles sabem, que eu fiz aquele atendimento domiciliar, ali tu entra e conversa com o pessoal, o pessoal, te conta: “Não, meu filho lá está assim, assim.”, não, “O senhor tem que levar ele para um atendimento médico”, em certos casos quando a coisa é de urgência, eu tenho ligado, de lá para cá, a gente vai lá, um pessoal bom lá. Então a gente pede o telefone, nunca cobraram de mim, por causa que é para a saúde, eles não cobram, daí, eu ligo para a secretaria de saúde, a secretaria de saúde pedindo um carro, quando é caso mais de urgência, assim, fulano que não está bem, não tem como ir lá, não tem dinheiro para pagar o vizinho, até quando é fora de hora, se é uma precisão, o vizinho trás, de repente nem cobra nada, isso também é muito bom. Então, nessa parte nós até hoje pede muitas, diversas vezes o carro para buscar paciente lá, até acompanhei, quando a pessoa é sozinha, nunca foi negado, sempre fui muito bem atendido aqui no posto, isso a gente tem que ficar feliz com isso.
P/1 - E qual foi o caso mais grave que já aconteceu desde que você começou a trabalhar?
R - Ah, o caso mais grave, isso foi muito bom tu perguntar até, isso foi uma família que são, o senhor João Maria, isso é o que eu chamo o caso mais grave. Eu até quando era solteiro morava pertinho, daí eu nunca poderia fazer nada, porque não tinha como eu [ajudar], o pai e a mãe, sempre davam, faziam pão, mandavam, dava resto de roupa que sobrava, alguma que desse para aproveitar, depois que eu entrei de agente comunitário, eu botei na cabeça: “É agora que eu vou ter condições de ajudar o Senhor João Maria lá”, que até, ele vai agora, para o... Ele é crente, esse senhor João Maria, ele vai para dez filhos, se eu não me engano, é, são dez filhos que ele vai agora, sendo dois falecidos. É, até é uma gestante que eu estou acompanhando ela, ela é meia, ela tem um probleminha um pouco de deficiente, deficiência para conversar, até foi encaminhada aposentadoria para ela.
R - Isso, depois desse meu serviço, graças a Deus, fui descobrindo, está encaminhada, até ela passou na perícia, vai ser aposentada essa pessoa, mas tantos anos, nunca, sem o agente orientar e colocar que tinha essa lei, para pessoa deficiente, de certo ia ficar o resto da vida, coitada, sempre naquela miséria, agora se Deus quiser, vai dar certo, ela vai receber o seu salário. Então, o senhor João Maria morava lá em uma baixada perto do meu pai, daí, eu me impliquei com o senhor João Maria, eu digo: “Eu vou ajudar essa pessoa.” Daí, eu fui fazer o levantamento das visitas, eles se queixaram para mim e contavam da situação da casa dele, que a casa dele, toda essa criançada dentro, a casa dele era um fogo no chão, era uma fumaceira, tudo aquilo. Tinha que entrar meio arcadinho, tempo de frio desse, essa família, lá que são bastante, são dez. Essa família agora, é para ser dez a família, as pessoas, entre pai e mãe e filhos, essa família deixava um fogo, tempo de inverno, a noite inteira, dentro da casa para se aquentar, para poder passar a noite meia se aquentando. Daí, eu trouxe o conhecimento, para o bem estar, que era a nossa professora Dinora, a mãe da, mãe da nossa chefe, a Sandra aqui, ela me deu muita força, foi levado ao prefeito esse caso e daí, foi feita a visita lá, com o pessoal da prefeitura, a gente batalhou, eu vim, corri mais ou menos, eu estava muito preocupado com aquela situação de vida, eu vim dez, que eu me lembre, eu vim dez vezes, pedir essa casa lá, que eles, de tantos problemas que eles tem aqui, eles não conseguem resolver rápido, mas mesmo agora esse ano de 96, a prefeitura deu uma casinha para eles, de 4X5, muito bem feitinha, toda pintada, daí, esse ano nós mudemos a casa, deu um palpitezinho, “Senhor João, porque é que o senhor não faz a sua casa lá em cima, perto de um poste de luz.” que passava luz ali e já tinha arvoredo. Antigamente eu morava lá e assim, estava em uma baixada, pegava bastante umidade, concordou comigo, está muito feliz até hoje lá. Daí, tudo bem, fizeram a casinha, passou a morar ali, aí, mudou a coisa, já, parte de passar vento para dentro da casa, não existe mais isso e agora até estão para ganhar luz também, o senhor João Maria, a partir do mês de junho a gente vai, com a ajuda da prefeitura, vai conseguir luz.
P/1 - E ele é agricultor, ele vive do quê?
R - Ele tem dois hectares de terra.
P/1 - Dois hectares, muito pouquinho, né?
R - Ele trabalha, trabalha por dia, o filho tem dois filhos empregados agora, um na olaria, outro aqui.
P/1 - Então a mulher dele tem um problema de retardo?
R - É.
P/1 - É, excepcional?
R - É, para conversar com a gente, não, não, eu até, de tanto que a gente vai lá, a gente se entende um pouco com ela, dá para você entender, a primeira coisa, ela pergunta se a mulher está boa, então tu já, quando eu faço visita, dá para tu entender, a gente conversa um pouco, mas assim, parte de, dela estar esperando o filho, é conversado mais com o marido dela.
P/1 - Sei.
R - Ela já fez ultra-som, ela já fez a vacina, tem acompanhamento médico, mas isso acho que nunca, antes de ter...
P/1 - Nunca ela tinha feito.
R - Nunca tinha feito isso aí, antes de ter um, uma pessoa que se importasse, como o agente comunitário, agora sim com isso aí, ela está...
P/1 - E os outros filhos são normais, os dez?
R - Todos parto normal, todos os nove filhos, não, são oito filhos.
P/1 - Oito filhos?
R - É.
P/1 - Agora é o nono?
R - Nono com esse, ela tem dois filhos mortos.
P/1 - E também é normal assim, não tem nenhum que seja com problema também?
R - Não, graças a Deus são todos bem de saúde, é, tem dois com probleminha, um pouquinho de, se não me engano, é um ou dois com probleminha de visão meia, tem que olhar um pouquinho de lado, mas está sendo encaminhado esse caso aí. Eles estão, está sendo levado ao médico, tem o conhecimento do médico, aí, depois disso aí então, fizeram a casinha e além da saúde, o pessoal, lá ele quer, aí eu consegui, daí, a secretaria da saúde aqui, foi feito o levantamento do caso, quantos céu abertos, que tem casos ainda até hoje de céu aberto, a gente trabalha com isso aí também.
P/1 – A céu aberto?
R - É, isso a gente trabalha com saneamento básico, que essa parte, até hoje ele tem um foi até foi junto, eles foram lá em casa, foi levado um, um módulo sanitário, além de ganhar a casinha dele nova, muito boazinha, ganhou um módulo sanitário, então a coisa que...
P/1 - Melhorou, né?
R - Ele tem sessenta e... Sessenta anos, nunca conheceu um...
P/1 - Um vaso?
R - Uma privada, um banheiro, agora está muito feliz, mas assim tem tantos outros que, que lá eu consegui seis módulos sanitários, consegui mais algumas, ou duas reforminhas de casa, então ele, planos para frente, é que a gente tem de melhorar sempre, o meio de vida daquela pessoa, de ter a sua casa, de ter a sua luz, a sua água encanada, isso é primeiro lugar que todo mundo gosta de ter a sua casinha boa, uma água ali de qualidade.
P/1 - E algum caso de doença assim, você chegou a pegar ou não, um caso de doença grave, alguma coisa assim?
R - É, houve caso de doença grave, mas isso aí foi passado, foi encaminhado para o posto de saúde, mas, graças a Deus deu tudo certo, foi tudo resolvido.
P/1 - E da sua pesquisa lá, o que é que você decidiu que é mais comum, no caso de saúde assim, o que é que acontece mais? É subnutrição, é pressão alta, o que é o problema mais sério lá?
R - O problema mais sério lá, para o pessoal?
P/1 - É, na área de saúde.
R - É, ele era antes, era água, o problema mais sério de saúde, era água, agora tem certos casos...
(pausa)
R - É, praticamente dá para dizer isso aí e um problema sério também, que a gente persiste, é uma outra forma de casa para o povo, temos que criar um projeto, está sendo visto isso aí já, o pessoal tem, toda a dificuldade do pessoal, tanto na saúde como no meio de vida lá, o pessoal está sabendo aqui, então está sendo, vão ser criado projetos para melhorar isso aí, para a gente levar...
P/1 - Quando eu falo saúde, eu estou falando assim, pressão alta...
R - Tem.
P/1 - Alcoolismo, é, desnutrição, isso é caso de saúde, né?
R - Isso.
P/1 - E casa própria é um caso que pode até dar saúde, mas não é diretamente saúde.
R - Isso.
P/1 - É um caso de, agora, dentro da área de saúde o que é que é, porque vocês fazem uma estatística todo mês, não faz? Não tem aquele quadro que você tem que preencher, tal?
R - Tem, tem.
P/1 - Então, ali vai indicando, todo mês você vai levantando a estatística você vai vendo qual que é o problema mais, que é mais grave.
R - É, um problema lá, que não está sendo resolvido, até conversei lá, é o alcoolismo.
P/1 - O alcoolismo?
R - Nós temos, é, esse não tem como, até hoje dentro desse, desse tempo de trabalho de um ano, praticamente um ano e três meses de trabalho, ele não foi resolvido, as pessoas não aceitou nós encaminhar para cá, esse não sei como que vai ser, esse é o problema mais sério. Caso de pressão alta, que tu falou, isso está, isso tem maneira, está sendo resolvido, a desnutrição, também está sendo resolvido.
P/1 - Como é que está sendo resolvido o caso de pressão alta, você dá orientação para a pessoa?
R - Não, esse pessoal, ele...
P/1 - Vem para cá?
R - Vem para cá, eles estão tomando um remédio para, isso é acompanhado pelo médico, apenas a gente conversa lá, mas em caso de tratamento para estas pessoas é todo com um médico, em todos os casos. Agora, o alcoolismo é, até tem uma pessoa lá que, não há maneira de tu conseguir ajudar aquela pessoa, às vezes eu encontro ele deitado lá no meio de uma lavoura, até esses dias eu vinha à cavalo, o cavalo leva um susto assim, eu dou uma olhada, eu parei para conversar com ele, até que ele, foi, ele levantou sentou, eu puxava bastante conversa, para ver se passava aquilo, eu tentei já, a trazer ele para cá, para passar ele para alguém, para fazer um tratamento, contra essa, alcoolismo, mas não tem, por enquanto não tem maneira.
P/1 - Daí você, quando teve o seu filho, você não era ainda agente, né?
R - Não, não, não.
P/1 - E ele teve pré-natal, teve assistência toda, que hoje você sabe que...
R - O meu filho?
P/1 - É.
R - Graças a Deus nessa parte, fiz, todo mês era, nessa parte foi cem por cento.
P/1 - Foi cem por cento?
R - Dá para dizer, fez ultrassom, acompanhamento médico, nessa parte aí, eu não, mas aprendi muita coisa que eu, que eu, às vezes me lembro, por exemplo, “Por que é que eu não fiz isso?”
P/1 - Sei, sei.
R - Falta de instrução, um tanto, né?
P/1 - Falta de informação?
R - E informação, mas no meu tempo, quando minha mulher teve o meu, o pré-natal do meu filho, foi e mesmo assim, quando ele nasceu, trazia uma vez, duas, acompanhamento médico, sempre, sempre, sempre. A saúde hoje do meu piá, é um, bah, cem por cento.
P/1 - Cem por cento?
R - Cem por cento, teve um probleminha, que teve que baixar no hospital um tempo. Ele deu, ele demorou um pouquinho para se alimentar, mas isso é o normal, que o médico dizia e depois, ele não pegou teta e a mulher. Ele foi criado, como diz o ditado, como guaxim, no leite de vaca, ele esteve na incubadora, deu amarelão nele, foi meio sofrido uma época ali, mas depois disso, não por falta né, sei lá que, se era para acontecer isso ali, o que é que é, porque a mulher está sempre, todo mês no médico, se eu posso afirmar com certeza, de certo era ser por ali, mas graças a Deus, hoje, um bom tratamento que foi feito, com o médico aí, o piá está lá.
P/1 - Jair, só uma curiosidade que a gente, que eu queria te perguntar lá atrás, mas só para te esclarecer, o seu irmão, é mais novo, né?
R - Esse outro que eu tenho?
P/1 - Esse outro?
R - É mais novo.
P/1 - É mais novo, o nome dele é?
R - Jairo.
P/1 - Jairo e ele é casado, já?
R - Solteiro.
P/1 - Solteiro, então, continua morando com os seus pais?
P/1 - Esse continua morando com o pai, esse está muito bem instruído.
P/1 - Está muito bem?
P/1 - Está certo e bom só para fechar, eu queria que você falasse o seguinte, o que é que mudou na sua relação com a comunidade depois que você passou a ser agente de saúde?
R - O que é que, isso aí sabe o que, mudou assim no meu ver, uma pessoa está lá, principalmente pessoas carentes, eles vêm, a qualquer duvida eles vem a procura, eles vem na minha casa, não, a gente não vence a estar, nos dias certos nas casas, um dia sai para um lado, um dia sai para o outro, tem os dias de curso, de treinamento, curso de orientação, a gente vem, sai para fora, encontros, mas quando não cheguei a passar naquela casa, se tem uma dificuldade de doença, para eles me colocar uma coisa, como é que nós vamos, o que acontece é que ele, dá para mim ver que a gente está resolvendo os problemas juntos, isso é a importância, o pessoal vem e te coloca: “O que é que eu faço?” daí, a gente, parte de saúde, é encaminhado para cá.
P/1 - Antes de ser agente de saúde, você já era preocupado com a questão de saúde, da sua comunidade, você já percebia os problemas que hoje você conhece, sabe que tem, já tinha consciência deles?
R - Uma quantia sim, principalmente na família da gente era qualquer coisa, está louco, nós vinha correndo todos para o hospital, era qualquer coisa que não estava bem, nessa parte eu fui sempre preocupado. Sou até hoje preocupado, eu gosto de ver as coisas resolvidas.