Infância no Maranhão. Trabalho como auxiliar doméstica. Sonho de ser mãe. Acidente que levou a perda de seu filho. Esperança. Fertilidade. Tentante.
A esperança é a última que morre
História de Vilanir da Silva Oliveira
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 17/12/2020 por Fernanda Regina Ferreira dos Santos
Projeto Medley
Depoimento de Vilanir da Silva
Entrevistada por
Local
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Camila Inês Schmitt Rossi
[00:00:02]
P/1 – Vilanir, qual o seu nome seu nome completo, data e local de nascimento?
[00:00:07]
R – Vilanir da Silva Oliveira. 06/10/78.
[00:00:14]
P/1 – Quais os nomes dos seus pais?
[00:00:16]
R – É Valdivino Cosme de Oliveira e Francisca da Silva Oliveira.
[00:00:22]
P/1 – Você sabe a origem da sua família?
[00:00:27]
R – Sei.
[00:00:30]
P/1 – Você pode contar pra gente?
[00:00:32]
R – Meu pai era vaqueiro. Minha mãe sempre trabalhou em casa, assim.
[00:00:44]
P/1 – Você tem irmãos?
[00:00:47]
R – Sim.
[00:00:50]
P/1 – Quantos?
[00:00:51]
R – Dez.
[00:00:52]
P/1 – Eu queria que você me contasse como era sua casa de infância, se você se lembrar.
[00:00:59]
R – Era uma casinha tranquila, bem simples, mas tranquila, sabe essas casinha normal, era de tijolo, quando eu lembro, né, da idade que eu já lembro. Normal, só que bem simples.
[00:01:18]
P/1 – Você tem lembranças da sua infância? Memórias que você carrega até hoje?
[00:01:23]
R – Não.
[00:01:29]
P/1 – Como era a relação com seu pai?
[00:01:31]
R – Boa.
[00:01:33]
P/1 – Tem algum momento junto com ele que você se lembra?
[00:01:37]
R – Todos. Era muito, muito bom. A relação com meu pai era muito tranquila.
[00:01:47]
P/1 – Você pode descrever algum momento com ele? Como foi... contar uma história...
[00:01:52]
R – Assim, o mais recente foi muito triste, né, então, foi quando ele foi embora, assim, é o que mais eu lembro, porque foi muito sofrido.
[00:02:08]
P/1 – E como era o seu bairro nessa época?
[00:02:14]
R – Assim, porque eu já saí de lá tem muito tempo, né, então, normal. Tenho muitas amizades lá ainda, porque a gente não morou sempre só no mesmo lugar, a gente mudou, entendeu. Morei em dois, três lugares diferente.
[00:02:40]
P/1 – E como era a relação com seus irmãos? Tem alguma história que você se lembre com algum deles?
[00:02:45]
R – Não. Tranquila também. Hoje é mais.
[00:02:55]
P/1 – Eu queria saber quais eram as suas brincadeiras favoritas de infância.
[00:03:03]
R – Eu gostava de jogar bola.
[00:03:09]
P/1 – Com quem que você jogava bola?
[00:03:12]
R – Com as minhas colegas, a gente ia pro campo que tinha lá perto, quando a gente saía da escola, e ia jogar bola.
[00:03:22]
P/1 – Aí você tem alguma história com as suas amigas dessa época?
[00:03:27]
R – Não. Que eu lembro não.
[00:03:35]
P/1 – Onde você passou a sua infância toda? Como foi mudando?
[00:03:41]
R – Minha infância eu passei numa cidade chamada Igarapé Grande. Foi muito boa. Aí mudei, fui mudando, fui mudando até chegar aqui.
[00:03:57]
P/1 – E você se lembra do seu primeiro dia de aula?
[00:04:02]
R – Não.
[00:04:05]
P/1 – Na escola, você tem alguma lembrança com algum professor que te marcou?
[00:04:11]
R – Tenho. Ela se chamava Antônia, foi com quem eu aprendi a ler. Gente muito boa.
[00:04:20]
P/1 – Quantos anos você tinha quando você aprendeu a ler?
[00:04:23]
R – Acho que eu tinha uns doze anos, foi tarde já.
[00:04:31]
P/1 – E você tem mais lembranças da escola?
[00:04:38]
R – Não, só na hora de cantar o Hino Nacional, que a gente colocava a mão, assim, encima (risos), eu lembro muito, colocava a mão em cima do ombro um do outro, ficava aquele monte empilhado!
[00:04:52]
P/1 – E depois, quando você foi crescendo e ficando mais jovem, assim, com uns 12 anos, pra onde você foi?
[00:05:01]
R – Pra onde que eu fui? Eu fiquei em Igarapé grande até meus 15 anos. Aí de lá eu fui pra São Paulo, acho que eu morei um ano. Aí voltei pro Maranhão, aí vim aqui pro DF.
[00:05:21]
P/1 – Você tem algum irmão com quem você se dava melhor?
[00:05:27]
R – Tem uma irmã. Minha irmã mais nova do que eu.
[00:05:34]
P/1 – Me fala um pouco dessa relação...
[00:05:38]
R – Posso te falar que é tipo a pessoa que você confia em contar tudo da sua vida pra ela? É a minha irmã. Se chama Patricia.
[00:05:50]
P/1 – E na juventude, você e a Patricia costumavam sair?
[00:05:56]
R – Não, porque eu saí... eu vim morar fora, mas... e quando a gente ia ficava junto, mas em casa, mãe não deixava muito a gente sair.
[00:06:06]
P/1 – Ah, vocês não costumavam fazer passeios na adolescência?
[00:06:12]
R – Não. Minha mãe era muito rígida quanto isso.
[00:06:17]
P/1 – Você se lembra o que você fazia pra se divertir?
[00:06:21]
R – Ficar brincando nos pés de goiaba (risos)!
[00:06:27]
P/1 – E como eram esses momentos?
[00:06:29]
R – Era bom. Porque a gente morava, tinha muitas frutas, né, então a gente ficava lá brincando. Era bom. Andava de bicicleta, gostava muito de andar de bicicleta. Hoje já não ando, mas gostava muito.
[00:06:46]
P/1 – E nessa época você tinha alguma amiga especial?
[00:06:52]
R – Não. Nunca fui de muita amizade. Assim, tinha colegas, amigas não. Nunca fui muito de ter amizades
[00:07:06]
P/1 – Tinha alguma música que você gostava bastante?
[00:07:13]
R – Também não lembro.
[00:07:19]
P/1 – Como eram os seus natais em família?
[00:07:23]
R – A gente nunca tinha Natal... Todo mundo ia dormir cedo, todo mundo tinha que trabalhar no outro dia, meu pai e minha mãe, a gente nunca tinha Natal.
[00:07:44]
P/1 – Você brigava bastante com seus irmãos? Tem alguma história?
[00:07:46]
R – Muito.
[00:07:53]
P/1 – Por que?
[00:08:01]
R – Porque eu sempre fui muito levada
[00:08:12]
P/1 – Me conta um pouco desse seu jeito de ser levada. Por que que você era levada?
[00:08:16]
R – Porque eu gostava, eu gostava de brigar na escola (risos). Eu gostava de brigar com meus irmãos. Tudo era motivo pra mim brigar, qualquer coisa
[00:08:21]
P/1 – E por que que você brigava? Você lembra algum motivo?
[00:08:22]
R – Porque eu apostava quem ia ganhar nas brigas.
[00:08:24]
P/1 – Era uma aposta?
[00:08:26]
R – Era!
[00:08:29]
P/1 – Aí você brigava com seus irmãos...
[00:08:31]
R – Brigava na escola
[00:08:43]
P/1 – E seus pais?
[00:08:46]
R – Acho que meus pais não tinham muito tempo, assim, era na roça, então nem ficava sabendo. Porque se meus irmãos contasse apanhava, entendeu?!
[00:08:49]
P/1 – Ah, era na roça, né? E que que vocês costumavam fazer na roça?
[00:08:53]
R – Ah, só brincar, igual eu to te falando. Nas árvore, andar de bicicleta, ir tomar banho de açude, essas coisa.
[00:09:01]
P/1 – E quando você começou a ter os seus primeiros namoradinhos?
[00:09:08]
R – Eu lembro do meu primeiro namorado. Eu tinha assim uns 14 anos quando eu comecei namorar com ele.
[00:09:18]
P/1 – E como foi esse momento? Me conta um pouco com mais detalhes.
[00:09:23]
R – Foi normal, foi só uns beijinhos. Aí depois ele morava na mesma cidade que eu e trabalhava perto. Aí foi só, ficamos umas vezes e pronto.
[00:09:43]
P/1 – E você se lembra como esse relacionamento acabou?
[00:09:47]
R – Do nada.
[00:09:50]
P/1 – Nessa época alguém tinha conversado com você sobre prevenção, esse tipo de conversa?
[00:09:56]
R – Não. Eu não esse negócio não. Hoje já tem, mas não tinha.
[00:10:04]
P/1 – Como foi essa fase da adolescência? Você lembra das sensações que você sentia que eram novas? Das alterações que teve no seu corpo?
[00:10:16]
R – Eu comecei observar meu corpo de uns 10 anos pra cá, entendeu, na verdade de uns seis anos pra cá que eu vim prestar atenção.
[00:10:31]
P/1 – Por que?
[00:10:37]
R – Porque eu comecei a ler mais sobre isso. Foi em 2014 e aí eu comecei a me perceber assim melhor, entendeu?
[00:10:56]
P/1 – Você pode contar um pouco do que você lê? Do que você percebeu...
[00:11:06]
R – Eu gosto de ler muito sobre fertilidade, sobre criança, entendeu, aí foi onde eu vim me descobrindo, que até então não tinha interesse.
[00:11:18]
P/1 – Ainda na sua adolescência, você tinha algum sonho de profissão? Alguma coisa...
[00:11:27]
R – Sonho de profissão? Acho que eu tinha vontade de ser professora.
[00:11:34]
P/1 – E como seguiu sua adolescência? O que aconteceu depois?
[00:11:40]
R – Aí eu fui trabalhando, e foi acontecendo tudo normal, trabalhando, trabalhando. Eu que já comecei pagar minhas contas, então não liguei mais estudo, entendeu?
[00:11:57]
P/1 – Me conta, qual foi seu primeiro trabalho?
[00:12:02]
R – Foi de... foi numa casa. Foi.
[00:12:11]
P/1 – E como era, o que que você fazia?
[00:12:14]
R – Eu cuidava de uma criança.
[00:12:19]
P/1 – E você gostava desse trabalho?
[00:12:21]
R – Gostava. Eu gosto de criança.
[00:12:24]
P/1 – E aí esse foi seu primeiro trabalho, você mudou pra outros? Me conta como foi sua trajetória.
[00:12:30]
R – Fiquei trabalhando, passei um tempo parada, trabalhava de novo, mas sempre trabalhando.
[00:12:43]
P/1 – Você trabalhava de que, depois de ser babá?
[00:12:50]
R – Eu fui para um restaurante só que eu não gostei, aí passei pouco tempo lá.
[00:12:56]
P/1 – Que que você não gostou?
[00:13:01]
R – Eu acho que não gosto de lidar com muita gente, ficar perto de muita gente.
[00:13:10]
P/1 – Tem algum motivo?
[00:13:14]
R – Não. É que eu gosto de ficar só.
[00:13:18]
P/1 – E como era conciliar o seu trabalho com as outras demandas da sua vida?
[00:13:27]
R – Normal. É igual eu chego hoje, cheguei aqui, aí vou cuidar da minha casa, tomo um banho, fazer a janta, essas coisa. Normal.
[00:13:40]
P/1 – E você se lembra de quando você se mudou da casa dos seus pais?
[00:13:44]
R – Lembro.
[00:13:47]
P/1 – Me conta um pouco como foi esse momento.
[00:13:50]
R – Foi tranquilo, porque eu tinha vontade de sair. Sempre tinha vontade de sair.
[00:13:58]
P/1 – Como você arranjou a casa...
[00:14:02]
R – Eu fui pra casa da minha irmã na primeira vez que eu saí, entendeu, já tinha pra onde ir.
[00:14:15]
P/1 – E como é que era morar com a sua irmã?
[00:14:21]
R – Foi bom.
[00:14:27]
P/1 – E depois você saiu da casa da sua irmã e foi pra onde?
[00:14:32]
R – Eu fui morar com uma outra pessoa, na casa de uma outra pessoa. Depois eu fui embora pro Maranhão de novo.
[00:14:46]
P/1 – E como foi a sua vida nesse momento no Maranhão.
[00:14:50]
R – Tranquila. Passei lá, o que, seis meses, daí vim pra cá.
[00:14:57]
P/1 – Pra Brasília, né?
[00:14:59]
R – Hum hum.
[00:15:03]
P/1 – Me conta como foi esse momento, por que que você mudou...
[00:15:08]
R – Porque, tipo assim, eu não gostava de morar no Maranhão. Aí surgiu a oportunidade de eu vim pra cá, eu vim e aqui gostei e fiquei. Já to há uns 24, 23 anos, por aí.
[00:15:25]
P/1 – Tem alguma história que te marcou nesses 23 anos morando aí?
[00:15:32]
R – Muitas!
[00:15:35]
P/1 – Então eu quero saber pelo menos algumas, me conta, por favor.
[00:15:41]
R – Uma história que me marcou... uma pessoa me marcou muito.
[00:16:01]
P/1 – Me conta, por que que essa pessoa te marcou.
[00:16:07]
R – Porque era uma pessoa tipo errada, entendeu? Mentirosa, aí me marcou.
[00:16:21]
P/1 – E você pode dar mais detalhes, dessa história, de como você se sentiu...
[00:16:27]
R – Eu me senti... traída.
[00:16:36]
P/1 – O que aconteceu?
[00:16:40]
R – Mentiras, mentiras, aí a gente vai cansando. Tipo você mente aqui, direto, nunca fala a verdade, uma pessoa que nunca fala a verdade. Mas teve muitas coisas boas também. Muita.
[00:16:55]
P/1 – Me conta alguma coisa boa que você viveu, que você se lembra.
[00:17:01]
R – Saía muito. Gostava muito de sair.
[00:17:05]
P/1 – E você saía pra onde?
[00:17:08]
R – Saía pra barzinho, ia pra clube, ia não, ainda vou, né. Essas coisas. Aí desde então foi assim minha vida.
[00:17:22]
P/1 – E você continuou trabalhando?
[00:17:26]
R – Trabalhando.
[00:17:29]
P/1 – E o que você fazia?
[00:17:35]
R – Sempre trabalhei de doméstica.
[00:17:40]
P/1 – E tem histórias desse trabalho, que você se lembre com patrão... alguma casa...
[00:17:46]
R – Não. Sempre... eu entro e saio pela porta normal, não teve histórias ruim, não.
[00:17:58]
P/1 – Você falou que você costuma pesquisar bastante sobre seu corpo, por causa da fertilidade. Por que que esse tema tem chamado tanto a sua atenção?
[00:18:14]
R – Porque pra mim é difícil, entendeu, não é fácil. Aí foi onde eu resolvi pesquisar.
[00:18:29]
P/1 – Você é tentante.
[00:18:32]
R – Isso.
[00:18:34]
P/1 – Há quanto tempo?
[00:18:37]
R – Tem seis anos, porque uma vez que eu engravidei naturalmente... que até então eu não tinha vontade de ter filho. Eu gosto de criança, mas não tinha desejo. Hoje eu já tenho.
[00:18:57]
P/1 – Você engravidou? Como é que foi esse momento?
[00:19:02]
R – Foi bom. Foi um dos melhores momentos da minha vida.
[00:19:09]
P/1 – Você pode dar mais detalhes?
[00:19:13]
R – Eu fiquei gravida até 27 semanas. Tranquila, uma gravidez tranquila, ia trabalhar normal. Aí sofri um acidente, entendeu. Bati minha barriga, aí perdi meu neném.
[00:19:34]
P/1 – Você consegue falar sobre esse momento? Eu vou te dar esse espaço pra você falar desse momento.
[00:19:48]
R – Aí eu fui pro hospital, né. Aí eu fiz a ultrassom, tava bem, aí voltei pra casa. Mandaram ficar de repouso, eu fiquei. Aí três dias eu percebi... isso foi um dia 19, dia 21 eu percebi que ela não tava tendo movimentos. Na verdade eu senti ela morrer, entendeu, da noite do dia 21 pro dia 22. Só que eu não aceitava isso, mas eu senti. Aí eu voltei no médico, fiz outro ultrassom, o coraçãozinho dela já não tava batendo.
[00:20:25]
P/1 – Você pode me falar dessa sensação de sentir a bebê morrendo, como você sentiu?
[00:20:37]
R – É uma sensação de luto, porque você não pode fazer nada. Entendeu? Acho que é a pior... só que na hora você não aceita aquilo. Você sabe que ta acontecendo, mas você não aceita que tá acontecendo.
[00:20:56]
P/1 – E como seguiu seus dias depois?
[00:21:01]
R – Triste. Até hoje. Acho que pra mim foi a melhor e a pior experiência na minha vida, entendeu. Que eu já tive nesses 43 anos de idade, foi a pior coisa que já me aconteceu.
[00:21:31]
P/1 – Você teve bastante apoio? Quem te ajudou nesse momento?
[00:21:37]
R – Tive. Todo mundo. Minha família toda, meu marido, todo mundo, entendeu, minhas amigas daqui me ajudaram muito. Minha irmã veio ficar comigo.
[00:21:57]
P/1 – E como você foi fazendo pra se recuperar emocionalmente?
[00:22:03]
R – Pedindo força pra Deus, porque tem hora que você pensa que você vai ficar louca. Aí você tem que socorrer à Deus, se não você fica. Porque foi um sonho que de repente sumiu. Aí pra mim é mais difícil, porque eu já tava numa idade avançada, aí ficou tudo mais difícil.
[00:22:29]
P/1 – E aí você seguiu tentando? Me conta um pouco disso.
[00:22:34]
R – Continuei tentando, Só vou parar o dia que falar “opa, não dá mais”. Aí tentei fazer o tratamento particular depois de uns seis meses, não deu certo. Aí tentei pelo SUS, só que aí já ultrapassou minha idade, então não tem como mais.
[00:22:59]
P/1 – Você tentou o que? Inseminação?
[00:23:03]
R – Fertilização.
[00:23:08]
P/1 – Quantas vezes você tentou?
[00:23:10]
R – Duas.
[00:23:15]
P/1 – E como você se sente nessas tentativas?
[00:23:18]
R – Porque, tipo assim, antes da gente ir a gente passa no psicólogo, né, então a gente já vai sabendo que pode dar certo como também pode não dar certo. Só que a expectativa é que dê tudo certo. Você vai com aquilo “vai dar tudo certo”. Só que nem sempre dá. Aí a gente tem um grupo também, aí vai conversando, vai conversando, uma vai passando, aí a gente vai se conformando mais, porque não é só com a gente que não dá, né.
[00:23:50]
P/1 – Me conta mais desse grupo, como é, quais experiências elas relatam.
[00:23:58]
R – Muitas. Eu acho que elas... tipo eu to falando aqui, né, todas nós tem algum sonho, a gente participa dum grupo Futuras Mamães, né, que é até dum hospital público que tem aqui, que a gente tá na fila. Só que eu acho que eu não vou conseguir mais por conta da idade, só que eu nunca saí do grupo. Até porque a esperança é a última que morre, né. Aí cada uma tem experiência, muitas têm aborto espontâneo, outras não têm trompa, essas coisas, entendeu, outras já fizeram laqueadura, querem reverter, outras os homens já fizeram, assim...
[00:24:46]
P/1 – Você fez muitas amizades nesse grupo?
[00:24:53]
R – Sim. Só que eu quase não falo, só escuto.
[00:24:57]
P/1 – Por que você mas escuta do que fala?
[00:25:03]
R – Eu acho que eu não tenho muito pra falar, entendeu, porque quando você entra no grupo você já conta a sua experiência, entendeu, então só escuto elas.
[00:25:16]
P/1 – E ao longo dessa jornada de tentativas, o que você aprendeu?
[00:25:25]
R – Eu aprendi que tudo é vontade de Deus, não é da nossa, entendeu, não é o meu querer.
[00:25:42]
P/1 – E se você se sentir à vontade, como é que foi esse acidente?
[00:25:53]
R – Eu saí pra trabalhar cinco horas da manhã, né, porque eu trabalho um pouco longe. A gente foi indo e o motorista foi e saltou o quebra-mola, passou de uma vez, e eu subi, que eu tava sentada, né, subi e bati a minha barriga na cadeira, tava indo de ônibus. Na hora eu gritei. Bati minha barriga e já senti arder. Quando eu falei, bati minha barriga e já comecei a sangrar.
[00:26:32]
P/1 – Quais sentimentos predominavam? Quais sentimentos você mais sentia? Medo, angustia....
[00:26:41]
R – Medo, sentia muito medo, muito medo eu sentia, muita culpa também.
[00:26:58]
P/1 – Você quer falar mais sobre isso? Sobre essa culpa...
[00:27:05]
R – Tipo porque eu fui sentar na cadeira lá atrás, eu me senti culpada por isso, porque não era pra mim ter sentado lá. Aí eu me senti culpada. Só aconteceu porque eu tava lá atrás, só quem se machucou foi só eu. Ninguém mais se machucou. Ou então tem gente que fala “é coisa de Deus, é porque tinha que se assim”. Aí você vai escutando um, escutando outro, e vai tentando melhorar.
[00:27:35]
P/1 – E nessa sua jornada, se você pudesse falar alguma coisa pras mães tentantes, o que você diria?
[00:27:47]
R – Pra nunca perder a fé, assim como eu. Nunca perdi minha fé. Porque é difícil, é dolorido, muito dolorido.
[00:28:03]
P/1 – Você pode me falar mais como você se sente em relação a isso?
[00:28:12]
R – Eu me sinto triste, incapaz. Entendeu? Que pra muitos é fácil, pra mim é muito difícil, me sinto assim. Muitas não querem, muitas não pode, muitas joga fora, e eu me sinto triste com isso. Que tem mulher que tem dez, oito, pega, vai, joga fora, eu acho isso triste. Às vezes eu fico meia revoltada.
[00:28:54]
P/1 – E o que que você faz quando esses momentos de revolta acontecem?
[00:29:01]
R – Eu sempre desabafo, falo com alguém. Aí as pessoas falam “mas você não pode julgar”, aí eu falo “mas..” Sempre falo, tipo quando eu vejo reportagem, que jogou as crianças fora, aí eu fico revoltada com isso, começo a xingar. Aí passa.
[00:29:20]
P/1 – E como você faz pra cuidar da sua saúde mental? Você tem algum hobbie?
[00:29:30]
R – Eu tento me controlar, sabe, eu sou uma pessoa que controlo até minha raiva. Se eu tiver muito nervosa eu controlo... Eu tento me controlar, e as vezes eu converso com outra pessoa, aí eu melhoro. Eu tenho uma amiga que ela me escuta muito sobre isso.
[00:29:53]
P/1 – Qual amiga?
[00:29:57]
R – É minha comadre, a gente conversa muito sobre isso.
[00:30:03]
P/1 – Aí vocês conversam e você se sente melhor...
[00:30:07]
R – Isso.
[00:30:10]
P/1 – Você já participou de alguma terapia desses grupos?
[00:30:16]
R – Já. A gente tem um grupo também, que chama Semeando Amor, que são com médicas. E a gente tem reunião, assim, aí tem psicólogas, tem... tem tudo. Aí a gente conversa com elas, entendeu, elas explicam pra gente tudo. Tem nutricionista, tem tudo. Aí a gente conversa. Eu não converso (risos), as vezes eu fico só ouvindo a reunião. Muito difícil eu falar. Pra mim me sinto melhor assim.
[00:30:51]
P/1 – Por que?
[00:30:54]
R – Porque eu acho que eu não sou muito de falar, eu gosto mais de ouvir.
[00:31:02]
P/1 – Em algum momento na sua vida você já se sentiu sobrecarregada?
[00:31:11]
R – Já.
[00:31:16]
P/1 – Me conta.
[00:31:22]
R – Tipo muita responsabilidade só pra mim. Eu me preocupo muito, entendeu, aí isso me faz sofrer. Eu me preocupo muito com o outro, que não é bom. Eu as vezes penso mais no outro do que em mim mesma, e eu não tenho necessidade disso, não tenho ninguém pra me preocupar assim, mas eu me preocupo, ás vezes com sobrinho, entendeu. Quero resolver o problema de todo mundo, mas não posso. Faço o que dá pra mim fazer.
[00:32:01]
P/1 – E hoje em dia, como é que é o seu dia-a-dia? Com quem você mora?
[00:32:06]
R – Eu moro com meu companheiro. Já tem onze anos.
[00:32:17]
P/1 – Qual o nome dele?
[00:32:19]
R – João.
[00:32:21]
P/1 – Como você conheceu o João?
[00:32:24]
R – O João eu conheço desde sempre, desde minha adolescência. Ele era vizinho lá de Igarapé Grande.
[00:32:38]
P/1 – Me conta um pouco da história de vocês dois.
[00:32:46]
R – Aí eu encontrei com ele aqui, a gente era amigo, bem amigo. Depois a gente foi ficando, ficando até morar junto.
[00:33:03]
P/1 – Eu queria perguntar, já que você já falou como vocês se conheceram, eu queria perguntar se ele te apoia nas suas tentativas de engravidar, se ele te dá força nos momentos difíceis.
[00:33:18]
R – Sim.
[00:33:20]
P/1 – E como é a relação de vocês.
[00:33:24]
R – Tranquila. Tranquilinha. Eu sou mais nervosa que ele. Então dá tudo certo.
[00:33:36]
P/1 – E o que você gosta de fazer nas suas horas livres?
[00:33:41]
R – A gente gosta muito de sair, os dois, a gente sempre sai junto.
[00:33:51]
P/1 – E vocês vão pra onde?
[00:33:54]
R – A gente vai pra clube, a gente vai pra casa dos nossos compadres que a gente tem aqui, porque eu tenho muitos afilhados. Só.
[00:34:14]
P/1 – Eu queria que você desse um pouco mais de detalhes de como você e seu marido se conheceram, contasse com mais detalhe.
[00:34:24]
R – É como eu te falei, a gente se conhece desde sempre, que ele é da mesma cidade que eu vim, aí na época ele era casado, que ele casou bem novinho. Aí ele separou, veio pra cá, e a gente se encontrou aqui depois. Só que a gente era amigo, aí por conta de uma conhecida minha, eu comecei a namorar ele, entendeu. Que até então não gostava, não tava nem aí, aí depois fui gostando dele, que ele me mostrou ser uma pessoa boa, falei “acho que é de gente assim que eu to precisando”.
[00:34:57]
P/1 – E hoje em dia você trabalha? Ele trabalha no que?
[00:35:02]
R – Ele faz... como é que eu vou te explicar... você já ouviu falar em ‘piar’, tipo esses tablado de madeira, dentro da água pra encostar os barcos? Já viu? Ele faz isso, ele faz em todo Lado Sul e Lado Norte, você não sabe onde que é mas é nos bairros aqui de Brasília.
[00:35:30]
P/1 – E você só fica em casa ou você faz outra atividade?
[00:35:36]
R – Eu trabalho também. Trabalho. Todo santo dia eu saio o mesmo horário, cinco horas da manhã mais ele. Ele me deixa no serviço, ele vai trabalhar e eu volto de ônibus.
[00:35:48]
P/1 – E você trabalha ainda como doméstica?
[00:35:51]
R – Sim. Já tem dez anos que eu to no mesmo lugar.
[00:35:57]
P/1 – Como é essa relação?
[00:36:02]
R – É boa. Muito boa.
[00:36:07]
P/1 – Eu queria saber como é que o corona vírus afetou sua vida.
[00:36:11]
R – No início eu fiquei muito nervosa, muito nervosa, porque sou fumante, né. Mas aí então a gente vai se adaptando, acho que como hoje todo mundo tá, mas ainda sinto medo. Eu fiquei com medo por conta da minha mãe, minha mãe pegou e não teve muita coisa. Fiquei com medo por conta de uma irmã que tem problema de saúde, a outra também. Então me preocupava mais com meus familiares do que comigo, né, porque cada um tem um problema de saúde, eu não tenho problema de saúde. Só sou fumante, aí eu me preocupava. Minha irmã mais nova que tem...
[00:36:53]
P/1 – Você continuou trabalhando normal ou chegou a fazer quarentena?
[00:36:58]
R – Fiz, no início. Passei 15 dias em casa aí voltei. Porque eu não dou conta de ficar parara, eu não sei ficar parada. Eu to parada aqui mas eu fico estressada.
[00:37:13]
P/1 – O que você mais gosta no trabalho?
[00:37:18]
R – O que eu mais gosto lá? De fofocar (risos), eu mais a minha patroa a gente conversa muito.
[00:37:27]
P/1 – Vocês costumam conversar sobre o que?
[00:37:29]
R – Sobre tudo, a gente conversa sobre tudo. Ela me dá muito liberdade pra isso, entendeu, acho que é... tipo, não tem amiga, aí acho que ela conversa muito comigo.
[00:37:46]
P/1 – E eu queria que você me falasse um pouco quais seus sonhos pro futuro.
[00:37:52]
R – Meus sonhos... acho que eu não sonho muito alto. Acho que meu sonhos já tão realizados, que é minha casa, entendeu. Eu sonhava em ter filho, mas eu já to tipo me acostumando com essa ideia, entendeu, de não ter. Aí eu vou me apegando a outras coisas.
[00:38:20]
P/1 – E quais coisas você vai se apegando?
[00:38:22]
R – Eu gosto muito de arrumar a casa. Comprar coisa pra ir arrumando, pra ficar bonita. Eu acho que isso tá virando mania. Sempre ficar trocando, trocando.
[00:38:39]
P/1 – E aí, tem alguma história que eu não perguntei que você gostaria de citar, da sua história?
[00:38:48]
R – Acho que não. Até porque eu não lembro muito bem coisa da minha adolescência, tipo eu acho que eu apaguei.
[00:38:59]
P/1 – Você sabe o porquê desse apagão ou só simplesmente apagou?
[00:39:04]
R – Apagou, muitas coisas apagou. Mas muitas também eu lembro. Eu lembro de momentos triste, entendeu. Teve uma época também que foi muito triste, quando eu perdi dois irmãos, foi muito sofrido, mas... Isso tem o que, 12 anos, 11 anos. Na minha adolescência não lembro muita coisa.
[00:39:40]
P/1 – Você perdeu dois irmãos ao mesmo tempo? Como é que foi isso?
[00:39:45]
R – De acidente de carro. Acho que foi 2007. 2007. Foi triste, minha mãe sofreu muito, eu me preocupo muito com ela, entendeu, porque ela já sofreu muito na vida. Aí... mas o resto tranquilo. Eu no início não me dava muito bem com minha mãe, porque eu era muito levada e ela não gostava. Aí ela me batia. Aí eu sentia raiva. Hoje eu já não sinto raiva. Hoje eu já entendo, entendeu. Eu era terrível. Lembro disso muito bem.
[00:40:41]
P/1 – Você tem sobrinhos?
[00:40:44]
R – Tenho, tenho vários.
[00:40:48]
P/1 – Me conta um pouco da sua relação com seus sobrinhos.
[00:40:50]
R – São boas. Meus sobrinhos são bacanas. Gosto de todos. Tenho muitos. Tenho sobrinho neto que fala já, tem um bocado também já.
[00:41:11]
P/1 – Você brinca com seus sobrinhos?
[00:41:16]
R – Sim. Quando eu to junto sim.
[00:41:23]
P/1 – E você faz o que? Leva pra passear?
[00:41:29]
R – Quando eu to lá, eles ficam esperando eu chegar, entendeu. Porque eles já sabem. Aí a gente sai. Lá não tem muito lugar pra levar pra passear lá no Maranhão, é ficar em casa e ficar com eles. Tem uns que eu conheço, tem outros que eu não conheço.
[00:41:56]
P/1 – E como é a relação com as suas irmãs hoje em dia, seus irmãos?
[00:42:02]
R – É normal, tranquila. A gente conversa, todo mundo conversa.
[00:42:12]
P/1 – E o que que você acha desse projeto de mulheres contarem a sua história de vida falando também sobre saúde?
[00:42:21]
R – Eu acho legal.... pra quem não gosta de conversar tanto como eu, talvez seja isso legal.
[00:42:33]
P/1 – E o que que você achou, você achou, de falar sua história?
[00:42:37]
R – Eu achei legal. Não foi tão difícil não, pensei que ia ser mais difícil, mas não foi não.
[00:42:45]
P/1 – Então muito obrigada! Eu vou pedir pros meninos desligarem aqui a gravação pra gente conversar mais à vontade, ta bom?!