Histórias de Internautas
A costura me escolheu
História de Ana Karina Borges
Autor: Guilherme Fernandes Silva
Publicado em 22/10/2019 por Guilherme Fernandes Silva
Projeto Memórias da Zona Norte
Depoimento de Ana Karina Borges
Entrevistado por Camila Pinheiro e Guilherme Fernandes
São Paulo, 05/09/19
PCSH_HV_796
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Carolina Dias
P/1 - Bom, obrigada pela presença. Não tem resposta certa e errada, eu só quero saber um pouquinho da tua vida, da tua história. Queria que você começasse falando o teu nome completo e onde você mora atualmente.
R - Meu nome é Ana Karina Borges Silva, eu moro na Rua Argoim, número 61, Jardim Modelo. O bairro é Jardim Modelo, Jaçanã.
P/1 - E me conta um pouco da tua família, assim, pensando lá atrás, nos seus pais, qual o nome dos seus pais, o que eles faziam, quem são eles?
R - O meu pai se chama Francisco Lopes da Silva Minha, mãe se chama Zenaide Borges de Moraes. Só que eu não fui criada por eles, eu fui criada pelos meus avós João Lopes da Silva e Vicência Lopes da Silva.
P/1 - Ta. E como que você escreveria então... Você conheceu o seu pai e sua mãe?
R - Sim, eu conheci meus pais. Minha mãe, como os meus pais se separaram eu ainda era bebê, então os meus avós acabaram pedindo para poder me criarem. E minha mãe deu, e ela veio aqui para São Paulo e eu fiquei no Maranhão, morando com os meus avós no Maranhão até seis anos, e depois eu ia começar a estudar, então eles resolveram ir para Teresina, que a capital do Piauí, onde eu fui para a escola e fiquei lá até vir para cá.
P/1 - Então você nasceu em Teresina e foi logo para o Maranhão? Conta um pouco desse começo de vida.
R - Quando houve a separação dos meus pais, eu fui para o Maranhão, morar no Maranhão com os meus avós, e de lá... Fiquei lá até os seis anos e depois a gente foi morar em Teresina. E foi onde comecei a estudar, passei a minha juventude toda lá e morando com eles, com os meus avós, que são os meus pais (risos).
P/2 - E você tem memória desse dia que foi morar com os seus avós?
R - Não. Não porque eu tinha oito meses, então eu não me lembro, eu só me lembro, assim, coisas a partir dos três anos de idade.
P/1 - E como você descreveria assim o seu vô e a sua avó, como eles eram? Eles já faleceram?
R - Já faleceram, os dois já faleceram. Os meus avós eu digo, assim, são os meus pais. No início a gente não entende, eu não entendia nada, eu sempre perguntava a Deus porque, por que não papai e mamãe, e hoje não, hoje eu vejo porque, só que eu digo assim, foi tarde, porque ele já partiram, mas eu vejo... Porque o que eles me ensinaram foi o amor. Eles não podiam estar me dando de tudo que uma adolescente precisava, mas uma das coisas mais importantes que eles souberam me dar foi o amor a me ensinar a amar. E é isso que hoje eu tô procurando mais ver, é o amor, que eu acho que isso eu não iria conseguir receber dos meus pais e eles me deram muito. Até mesmo assim também em relação as minhas tias, porque elas também, como eu tinha as minhas tias que eram solteiras, então elas... E elas não tinham filhos, então elas acabaram também me acolhendo e elas me deram muito amor também, tudo delas era para mim, toda atenção delas era para mim. Então eu digo que tive muitas mães, porque elas, tudo delas era para mim, o que elas podiam, dar tudo era para mim. Então eu digo assim eu fui muito amada.
P/1 - Que lindo. E aí quando você for lá para o Maranhão então viver com seus avós, era São Luís?
R - Não, era um povoado. Era um povoado chamado Penedo. E a gente morava, era uma casa muito grande, eu digo que eu me perdia dentro daquela casa, era uma casa enorme. E eu não cheguei a conhecer toda aquela casa, porque como eu era pequena então eu não andava nela toda. E era um quintal gigantesco. No nosso quintal... Tinha uma parte do quintal, que era até onde eu tinha acesso, depois daquele muro eu não tinha mais acesso porque era muito grande e a minha avó não deixava eu ir para lá, que também depois de grande eu cheguei a conhecer, tinha uma cachoeira lá, bem bonita, e do outro lado tinha um rio também, a gente morava do lado do Rio; e eu morro de medo de rio até hoje (risos) e fui criada na beira do rio. E eu sei que era uma casa que ficava no alto, uma casa muito grande, e depois que eu fui para o Piauí (risos) eu passei muito mal porque era uma casa muito pequena (risos) eu procurei "Cadê minha casa?", mas era uma casa tão pequena, muito pequena.
P/1 – Por que a escolha de sair do Maranhão para ir para o Piauí? Era para estudar ou alguma outra coisa?
R - O meu avô ele pensou mais em mim, os meus avós eles pensavam mais em mim, tanto que as minhas tias falavam que papai e mamãe amava mais a neta, amava mais a Karina do que os próprios filhos, porque o que ele fez, ele não fez para filho nenhum. E ele vendeu tudo que ele tinha no Maranhão para poder comprar uma miniatura de casa no Piauí e tudo pensando no meu estudo, no meu futuro. Então a gente saiu do Maranhão porque ele pensava no meu futuro, coisa que ele não pensou nos filhos, os filhos ele mandou para casa de parentes, e ele falou que eu não, a neta dele ele não iria fazer isso, ele não iria mandar para casa de ninguém.
P/1 - E você teve irmãos dos mesmos, pai e mãe?
R - Sim, do meu pai com a minha mãe eu tenho um irmão chamado Fabrício e... Mas assim, a minha mãe ela já tinha... Teve outros filhos e o meu pai também teve outros filhos.
P/1 - E o Fabrício ele é mais velho?
R - Ele é mais novo, ele é mais novo, diferença aí de 1 ano.
P/1 - Porque logo eles se separaram, né?
R - É, então, porque meus pais se separaram eu tava com 8 meses, e deu tempo de vir o meu irmão, pra marcar o meu irmão (risos).
P/1 - Aconteceu um "remember".
P/2 - E a sua relação com o seu pai e a sua mãe, você vê? Eles estão próximos, você tem contato?
R - O meu pai ele mora em Teresina, no Piauí, mas a gente se fala pelo telefone, a gente se comunica, uma comunicação boa, não tenho nada contra o meu pai, pelo contrário, eu amo muito meu pai. E a minha mãe, minha mãe mora aqui em São Paulo, mas assim a gente agora tá um pouquinho... Porque ela ta mais em Pirituba (risos) e eu aqui, mas é assim, a gente se fala de vez em quando, manda uma mensagem.
P/1 - E ficaram muito tempo sem se ver, sem se falar depois dessa vinda deles para São Paulo?
R - Sim, porque eu vim para São Paulo eu tava com 26 anos... Tava com 26 anos, na verdade, eu digo assim, que foi quando eu conheci a minha mãe, com 26 anos. Então, assim, não ficou aquela... Como falar?
P/1 - Um vínculo.
R - É, um vínculo muito grande, porque foi muito tempo.
P/2 - Os seus avós eram pais da sua mãe ou do seu pai?
R - Do meu pai.
P/1 - E os seus avós nasceram no Maranhão?
R - Não no Piauí.
P/1 - E aí foram morar no Maranhão, nessa casa grande.
R - É, no Maranhão. Isso.
P/1 - E como que é... Quais eram os principais costumes assim de vocês nessa... Tanto nessa casona, o que você lembra, quais são suas memórias, o que vocês faziam no dia a dia, você tem alguma memória?
R - Assim, pouquinho, bem pouquinho porque eu sei que... Assim, eu me lembro de muita coisa, só depois que eu comecei a ter uns cinco seis anos, que tinha assim uma senhora que a minha avó sempre me levava para lá, para poder ela tá me ensinando, então a minha avó ela já tinha essa preocupação em relação aos estudos. Então eu ia para lá e ela começava a me ensinar as primeiras letras e assim eu sei que eu brincava muito, gostava muito de brincar em frente à casa, tinha uma calçada muito alta e... Mas assim, não tinha muita diversão não (risos). E aí quando meu avô tinha uma roça pertinho também, aí a minha avó me levava lá também para... Para poder estar... Tipo assim, como se fosse um passeio. E sempre também a gente ia para Amarante, que era no Piauí, a gente atravessava o Rio e tinha uma embarcação. E aí a gente pegava sempre essa embarcação de manhã bem cedinho, de madrugada pode-se dizer, e aí a gente ia para Amarante, de vez em quando a gente ia para passear em Amarante. Como ela tinha filhas lá, né. E aí a gente acaba passando como se fosse as férias.
P/2 - Em Penedo tinha vizinhos, era próximo?
R - Tinha vizinhos próximos, tinha.
P/2 - Então tinha criança da sua idade.
R - Tinha... Criança mesmo eram bem poucas, porque eu brincava... Eu me lembro assim, que eu brincava mais quando vinham os meus primos, quando eles iam para lá, aí a gente brincava muito, mas, assim, criança mesmo, da minha idade, era muito pouco, quase não.
P/1 - Era um povoado pequeno?
R - Era, bem pequeno.
P/1 - E aí você foi então para Teresina com seis anos estudar, aí você me contou dessa casa pequenininha aí, e lá em Teresina, quais são suas memórias assim, o que você mais gostava de fazer, ainda na escola, como que era a sua escola?
R - Eu estudava em escola pública, e sempre estudei de manhã. E era assim, eu não era uma criança que prestava muita atenção nas aulas, eu era bem desligada do mundo. E na hora do intervalo era o melhor horário, porque era o horário para brincar, e eu adorava pular elástico, eu era muito magrinha das pernas finas (risos) então pulava muito elástico, eu adorava, não via a hora de chegar o intervalo só para pular elástico. E era essa minha diversão, chegava em casa à noite com as minhas vizinhas, minhas amigas, a gente também sempre brincava de esconde-esconde, aquela brincadeira de interior né, pular elástico, pular corda, dançar, então eu fiz muita coisa, subir em árvores, subir em muro, telhado tudo que eu podia fazer eu fazia.
P/1 - Na escola teve algum professor ou alguma professora que te marcou, você tem alguma memória assim?
R - Assim, na quarta série teve uma professora que me marcou muito, mas eu não me lembro o nome dela. Mas eu admirava muito ela, era professora de matemática e... Mas eu não consigo me lembrar o nome, nada, mas ela foi, assim, uma pessoa que admirava muito. E já no quinto, eu tinha um professor também de matemática, eu acho que era sempre os professores de matemática que me chamavam a atenção, e eu não sei porque eu me considerava... Eles falavam que eu era uma das melhores em matemática, então eu acabava amando eles (risos). Então a minha passagem na escola, assim, foram todos com os professores de matemática, que eu sempre gostei muito por gostar da matéria né, então eu adorava todos os professores de matemática, e os outros alunos falavam que eu era puxa-saco. E eles puxavam o meu saco (risos)
P/1 - E você ficou na mesma escola desde os seis anos?
R - Não. Eu mudei muito de escola.
P/1 - Tudo em Teresina?
R - Tudo lá em Teresina. Mudei muito. Acho que a cada eu tava numa escola diferente (risos). Só o primário mesmo que eu fiz numa escola só e depois acho que chegou quinto ano, quinto ou sexto ano passei para outra, sexto e sétimo, que repeti muito também. E já foi em outras escolas, eram escolas cooperativas, escolas particulares já. Tem um roteiro muito grande de escolas (risos).
P/2 - Mas ia mudando porque ia encontrando muitas dificuldades ou porque seus avós mudavam de casa, por que era preciso ou por quê?
R - Não, os meus avós eles nunca mudaram de casa, até hoje continuam na mesma casa, só não ta o mesmo tamanho, mudou, graças a Deus está bem grande (risos). Mas assim, eu acho que era minha... Era eu mesma que queria estar mudando, porque até onde os meus avós... Quando eles me colocaram naquela escola, eu fiquei naquela escola, mas depois que eu comecei a já... Eu mesma comecei a andar, então eu já fui procurando outras escolas, então eu mesmo acabava mudando, "eu quero aquela", e ia, depois eu comecei... Como a escola pública começou... Tinha muita greve, ficou muito... Bem ruim mesmo né, eu acabei indo para uma escola cooperativa.
P/1 - Como funciona uma escola cooperativa?
R - Ela a gente paga... Na verdade meu pai pagava uma taxa mínima, o meu tio que conseguiu, como era da polícia e tal, então ele acabou conseguindo essa escola cooperativa né, ele colocou as filhas dele e... Até meus tios, meus tios também me amavam muito, porque eles acabavam que quando ele encaixava as filhas dele, me colocava também no meio. E aí pagava uma taxa bem pequena em relação às escolas particulares. Então acabava... Eu andei muito nessas escolas cooperativas também.
P/1 - Aí você falou dessa fase que você começou a tomar suas próprias decisões, caminhar sozinha, como que foi essa adolescência assim, você tem memória? Teve algum namorado, como que foi esse momento?
P/2 - Eu só queria voltar um pouquinho. Você tinha um sonho de ser o que? Sabia o que queria ser quando crescesse assim?
R - Com 13 anos. Com 13 anos já comecei a... Porque eu fui criada na minha casa, com os meus avós, a gente era, eles eram muito religiosos, então a gente tinha um costume muito grande de fazer orações, e era assim, ao acordar a gente tinha que fazer oração e dar benção, e as 18 horas também a gente fazia oração em conjunto, todo mundo, unidos, e antes de dormir também tinha que fazer a oração e dar benção, também, antes de dormir. Então foi aí onde eu acabei é... Com 13 anos eu disse assim "eu tenho que pedir alguma coisa Deus, o que eu quero ser, o que é que eu quero para o meu futuro", então eu tinha o meu momento de oração, meu momento eu e Deus, onde eu pedia o meu marido. Eu sempre falava assim: "Eu quero um marido", que seja... Eu disse assim que não precisava ser bonito, não precisava ter muito dinheiro, eu só queria que ele fosse inteligente. Porque eu achava assim, um homem inteligente ele... A gente tem de tudo, a gente consegue tudo, porque a gente não vai passar dificuldades porque ele é muito inteligente (risos), então eu precisava dessa forma, a gente vai ser feliz, a felicidade, eu queria muita felicidade, e dois filhos. Eu falava assim, dois filhos, nem menos e nem mais, dois tá bom. Então eu falava sempre isso, um marido inteligente, a felicidade e os dois filhos. E aí eu tinha... Na minha adolescência eu olhava assim, não arrumava um namorado do jeito que eu queria, era sempre eu olhava... Também eu era muito magra não é, homem não gosta de mulher magra (risos). Então aí eu ficava, eu não arrumava namorado, quando me aparecia, assim, não era aquele ainda que eu queria né, mas tudo bem, ia. No início não dei muito trabalho para os meus avós, eu na verdade tinha muito medo, porque eu não queria decepcionar meus avós. Porque eu achava assim, se decepcionar uma vez, eu não vou ter mais a confiança deles, então eu tenho muito medo de perder a confiança dos meus avós, então eu sempre agia de uma forma bem calminha.
P/1 - Discreta.
R - Discreta também né, porque eu queria sempre ter a confiança deles. Quando... Se eu quisesse sair, eles dissessem sim para mim, quando eu quisesse alguma coisa, e eu não queria, nunca queria ouvir o não. Então eu sabia do que a minha avó gostava, eu sabia do que o meu avô gostava, então eu procurava sempre estar agindo da forma como eles queriam.
P/1 - Eles eram rígidos?
R - Nem tanto. Eu achava que nem tanto. A minha avó era um doce, meus avós na verdade eram doces, a gente que não enxerga muito bem (risos). Mas eles eram doces, principalmente comigo.
P/1 - E essa coisa de pensar no futuro, querer um marido inteligente e tal, você tinha alguma vontade de... Você pensava em alguma profissão assim, ai, quero ser tal coisa?
R - Eu ainda pensei. Eu pensei em ser psicóloga, porque eu vi assim que as pessoas gostavam muito de conversar comigo, então eu achei assim, por que não? Mas a moda também ela me chamava muito, eu adorava costurar, como a minha tia passou a morar também junto com os meus avós né, que eram os pais dela, ela se separou e foi morar com os pais, então eu via ela costurando, eu amava eu falava assim, eu queria deixar de ir para escola só para eu ficar aqui, costurando. Então quando eu... Ai comecei a ler e ir fazendo as costurinhas de mão para ela, fazendo umas coisinhas bem pequena para ela. Nossa, para ela ali era muita coisa, ela amava quando fazer os serviços de costura de mão. E aí com o passar do tempo, quando menos esperava eu tava sentada na máquina. E aí nas minhas férias, que eu ia para Amarante, eu acabava... As minhas primas arrumavam costura para mim, e eu comecei a costurar para algumas pessoas e aquele ali, as pessoas no interior não tem dinheiro para dar para a gente, então elas pagavam com galinha, feijão, essas coisas, e eu adorava tudo daquilo, para mim era muito divertido. E aí foi onde eu passei também a costurar com a minha tia, ela cortava e eu costurava, aí foi onde eu decidi ser costureira. A profissão me escolheu (risos).
P/1 - Que legal. E quando nessa juventude assim, você falou que veio com 26 anos né? Então lá em Teresina, a sua juventude... Você falou que era mais tranquilinha com os seus avós e tal, mas o que que você costumava fazer assim com os amigos, jovem, você saia, o que vocês faziam?
R - Até uma determinada a idade, com 19 anos, 19 anos por aí, eu ia nas festinhas com as minhas amigas, minhas primas mais, eu andava na verdade era mais com minhas primas, até essa idade a companhia era minhas primas. Então... Aí depois dessa idade, eu já comecei a ficar um pouquinho mais rebelde, eu já fiquei bem mais rebelde, já dei um pouquinho mais de trabalho para os meus avós. E até uns 22 anos por aí, de 21 para 23, sei lá, foi mais ou menos por essa cidade aí, eu já dei bastante trabalho pra eles e preocupação também. Mas graças a Deus depois tudo já... Que foi quando eu comecei a ir mais para barzinho, passava mais a noite fora, em baladas e tal. E aí foi terrível, mas graças a Deus com... De 23 para 24 anos já comecei a voltar a ter juízo (risos), porque na verdade não era aquilo que eu queria para mim, porque uma das coisas que eu tinha pedido para Deus e daquela forma eu não iria conseguir. E aí foi onde eu tomei a decisão, com 20... De 25 para 26 anos eu... Me deu assim, uma louca, que eu precisava vir para cá. Eu não sei o que me esperava, mas eu precisava vir para cá. Mas não tinha dinheiro, e acabei pedindo socorro para o meu pai, e graças a Deus meu pai me ajudou para eu poder estar vindo e hoje eu tô aqui.
P/1 - Como que foi essa vinda? Você veio de ônibus?
R - Eu vim de avião. Ainda pedi uma passagem de avião para o meu pai (risos). Era tudo, eu falava "tudo isso que eu quero, só isso, nada mais".
P/1 - Foi a primeira vez que você andou de avião?
R - Não, eu já tinha... Eu já tinha ido para Manaus. Eu ganhei uma passagem de avião para... A minha tia que morava em Manaus ela me deu, eu fui para... Foi um ano antes, eu tinha ido para Manaus, e aí no ano seguinte, que se eu não me engano eu fui para Manaus em outubro, passei o mês de outubro em Manaus, aí janeiro eu vim para São Paulo.
P/2 - E essa... Você disse que começou a dar um pouquinho de trabalho para os seus avós, você morou até os 26 com os seus avós, você não chegou a sair casa, a morar em algum lugar?
R - Não, eu sempre morei com os meus avós.
P/2 - Sempre morou com os seus avós.
R - Sim.
P/1 - E lá em Teresina...
P/2 - E quando você veio para São Paulo você tinha algum parente, algum lugar para ficar?
R - Sim, eu tinha a minha mãe.
P/2 - Algum trabalho, você já trabalhava nessa época?
R - Não, como lá eu estava só na parte da costura com a minha tia, né... Aí depois quando eu vim para cá, a minha mãe já tava... A minha mãe mora aqui, então acabei indo para a casa da minha mãe, e depois acabei arrumando um trabalho, a minha mãe conseguiu um trabalho num consultório de... Odontológico, e eu fiquei lá como recepcionista por uns dois meses, trabalhando lá. E foi onde, a minha mãe também trabalhava lá perto, e meu irmão sempre ia pegar ela, e eu ia pra lá para pegar carona, e foi onde eu conheci o meu atual marido.
P/1 - No hospital?
R - No hospital. Porque ele fazia... Ele era técnico em raio-x.
P/1 - A sua mãe trabalhava no hospital em que ele trabalhava?
R - Meu irmão e minha irmã... Não, minha mãe e minha irmã trabalhavam nesse hospital.
P/1 - Então você tava aqui a pouquíssimo tempo, você chegou e conheceu ele.
R - Isso, eu cheguei em janeiro, no final de janeiro, se eu não me engano dia 29, por aí, e quando foi... Em fevereiro eu conheci ele.
P/1 - E como foi esse encontro? Você lembra?
R - Lembro (risos). Foi assim, eu digo que foi... A primeira vez que eu vi, eu disse assim: "É esse". Como ele fala, até hoje ele fala, que o meu sorriso foi de uma orelha a outra (risos). Foi assim, eu disse assim: "É esse". E eu digo não tem... Essa é minha cara metade, não tem jeito, é esse aí mesmo.
P/2 - E ele já conhecia a sua mãe?
R - Do trabalho, do hospital, ele já conhecia. Ai depois a minha mãe... Na hora que eu vi ele assim na porta, que ele ia saindo e eu olhei, aí minha mãe falou assim: "Ai, Nelson, essa aqui é a minha filha", e foi onde a minha mãe me apresentou para ele.
P/1 - E qual foi a primeira vez que vocês saíram assim realmente, tipo, primeiro beijo?
R - A gente saiu já no mês seguinte, em março, a gente saiu, nós fomos num restaurante, fomos jantar juntos, e aí depois a gente começou, cinema, e pronto, e aí até hoje (risos). E aí a gente... Na época ele também tinha uma namorada, e ele acabou também se separando dela para ficar comigo, e eu digo o que foi aquilo, o que tinha pedido para Deus, hoje depois de muitos anos eu falei assim: "Nossa, eu pedi para Deus um marido inteligente, duas filhas e a felicidade", então... Aí eu até brinco com as minhas amigas, eu digo assim: "Nossa, Ele caprichou, Deus caprichou, Ele me deu logo o marido japonês", japonês tem a fama de inteligente, né (risos). Aí Deus me deu um marido japonês. E tenho as minhas duas filhas, minhas duas filhas que eu tanto pedi para Deus, são maravilhosas, são duas filhas perfeitas, maravilhosas, altamente inteligentes, eu digo que nenhuma puxou para a mãe (risos).
P/1 - Depois você falou que ficou dois meses nesse trabalho de recepcionista no escritório... Consultório odontológico. E aí você teve outros trabalhos formais assim, depois? Como que foi?
R - Depois desse, que não deu muito certo, eu acabei indo trabalhar na oficina de costura, ali na Freguesia do Ó, eu morava em Pirituba e essa oficina de costura ficava na Freguesia, então eu acabei... Passei um ano trabalhando lá, e foi... Ai em seguida já estava grávida da minha filha e acabei pedindo para sair porque ela já ia nascer, no mesmo mês que ela ia nascer, eu fiquei até o dia 24 e minha filha nasceu no dia 29, então fiquei mesmo até... Aí depois pronto, eu saí, já fui, me dediquei só a vida mesmo, só a minha filha, meu marido.
P/1 - E o que você achava de São Paulo... Tudo foi bem rápido, você chegou, já tudo aconteceu, marido, filho.
R - Foi, tudo muito rápido. Porque também outra coisa, eu fiz a... Como depois até me lembrei disso também, porque uma das coisas também que eu pedi para Deus nos meus pedidos, era com 28 anos eu achava que tava preparada para tudo isso, para casar para ter filha, filhos, então eu achava que com 28 era uma boa idade, e realmente, a minha primeira filha nasceu quando eu tinha 28 anos (risos). Tudo muito rápido.
P/1 - Aí você chegou com 26, com 28 anos já estava com a primeira filha, e o que você... Nesse turbilhão de coisas, o que você achava da cidade? São Paulo era muito diferente de Teresina? O que você sentia da cidade?
R - A primeira vez quando eu vim para São Paulo, que eu não comentei, eu vim 96, eu achei isso aqui uma loucura eu falava assim: "Isso não é para mim". E... Tanto que eu voltei, eu não queria mais vir para cá, mas em dois mil e... Dois mil? Foi em 2000. Quando eu vim, eu já tinha uma outra visão. E hoje eu digo assim, São Paulo é a minha cara, é o meu jeito, porque hoje eu não paro, eu sou bem assim, gosto muito de andar, e eu acho que isso aqui, hoje eu olho vejo, assim, é a minha cara. Eu já não consigo mais viver fora daqui.
P/1 - E ai quando você chegou, você foi morar em Pirituba com a sua mãe?
R - Isso.
P/1 - Pirituba é Zona Norte ou Oeste?
R - Zona Norte. Na época falava que era Zona Norte, mas ela tá aí, hoje tá no meio.
P/2 - Ta entre Zona Norte e Zona Oeste.
R - É, isso.
P/1 - E como que era lá, como que era... Você ficou quanto tempo com a sua mãe até ir morar com o seu marido?
R - Eu fiquei com a minha mãe um ano.
P/1 - E aí quando vocês resolveram morar juntos...?
R - Um ano? Não, com a minha mãe foram dois anos.
P/1 - E aí você e seu marido vieram morar onde?
R - Jaçanã.
P/1 - Já nessa casa?
R - É, já nessa casa. Não, na verdade não foi nem essa casa, foi uma outra casa do lado, mas que hoje é nossa também.
P/1 - E como que foram esses primeiros anos, como que era essa casa, como que era o seu dia a dia?
R - Eu digo assim, a minha casa é a minha paixão. Eu às vezes... Meu marido fala assim, "aí, sair daqui, comprar uma casa maior", não sei o que, ou... Sabe? Quando eu tiver condições, vou comprar uma casa bem maior, fazer isso, fazer aquilo e eu digo assim: "hã? Quem disse que eu quero sair daqui? Eu não quero sair daqui. Eu quero fazer tudo aqui, nessa casa", porque eu vejo ela e dali eu não quero sair, por mais que eu tenha condições, eu digo que aquele lá é o meu lugar. Eu prefiro fazer tudo ali, arrumar aquilo ali, mas eu amo aquela casa. E hoje a gente tá ali. E sou feliz, sou feliz.
P/1 - E mudou assim dessa época dois mil, dois mil e pouquinho, para hoje, como... O teu bairro, o que você acha que mudou?
R - Os vizinhos continuam os mesmos, não mudou quase nada (risos), continua a mesma coisa. Não mudou nada, a não ser alguns que vão, mas, assim, continua a mesma coisa. A rua bem calma, tranquila, rua pequena, mas sossegada.
P/1 - E aí vocês... Quando vocês vão sair assim, o que vocês fazem? Vocês têm algum programa favorito?
R - Ultimamente a gente não tá muito de sair porque eu tô nessa correria, por causa da rede, então eu tô numa correria só, então a gente não tá saindo muito, mas a gente gosta bem assim para ir para parque, cinema, como até fala minha filha esses dias, "mãe, a gente precisa tirar e ir para o cinema, cinema em família", porque ela adora quando a gente vai para o cinema todo mundo junto. E... Mas assim, a gente ir para a praia de vez em quando, mas isso é bem raro mesmo, porque eu não gosto muito de praia, então... As minhas filhas que curtem mais, mas aí a gente vai para praia, mas é mais aqui, a gente fica mais por aqui, jantar fora, cinema.
P/1 - E você falou de parques, vocês iam a algum parque?
R - A gente vai mais no Horto Florestal, é o que a gente frequenta mais.
P/1 - E você chegou a casar?
R - Não. Tô devendo (risos).
P/1 - Como se chamam suas meninas?
R - A mais velha, que tem 17 anos, ela se chama Laís Akemi Saito e a mais nova, Aline Maiumi Saito, tem 12 anos.
P/1 - E você teve alguma dificuldade quando chegou em São Paulo no começo? Alguma coisa te marcou, algum momento difícil que você tenha passado?
R - Assim que eu cheguei?
P/1 - É.
R - Não. Não... Assim não tem... Não tem nada. Acho que eu já agia assim, eu já morava aqui há muito tempo pelo jeito né, não, assim, nada que tivesse marcado.
P/1 - Tudo foi acontecendo, né? Naturalmente.
R - Isso.
P/1 - E hoje então, depois desses... Vai fazer 20 anos, né?
R - Vai fazer 20 anos.
P/1 - E aí você ficou na costura então, ficou cuidando de casa?
R - É, isso, até hoje eu tô na costura.
P/1 - E que você faz, hoje me conta um pouquinho.
R - Hoje eu faço muita coisa. Que bem no início, quando eu vim para cá mesmo, para São Paulo, eu fiquei mais com... Quando eu vim aqui para minha casa, eu fiquei fazendo só consertos, barras e coisinhas bem pequenas. E com o passar do tempo, uma amiga até que descobriu, então eu comecei a fazer roupa para ela, ela foi pedindo, ela "Faz isso para mim", "Faz isso", e ela tem loja e ela pediu para eu ir fazendo as coisas para ela, e foi onde eu disse assim: "ah porque não, né?" E... Porque antes eu só costurava para mim, para minha filha e para o meu marido, aí depois que eu passei a costurar para essa amiga, aí as coisas começaram a se expandir, onde eu comecei a... A vir mais clientes também para mim, e foi uma... Ah, sem falar também que eu comecei a trabalhar também numa... Depois eu tive que sair para trabalhar numa oficina de... Oficina não, uma empresa de maçonaria. E lá a gente fazia parte de costura também. E depois eu saí dessa empresa e voltei a trabalhar em casa, e depois... E assim que eu sair dessa empresa, a minha filha me inscreveu na rede... Do Instituto Center Norte. E aí ela começou a falar, mas eu não tava entendendo nada, não entendi nada, e eu "ah, tá bom, tá bom", tudo que ela faz aceito né (risos). E aí ela "mãe, eles vão te chamar", e eu disse assim "Ah ta bom, ta", e de repente quando o Guilherme me liga eu tava na casa de uma cliente (risos), lá no Jabaquara e foi onde acabou tudo acontecendo, que eu conheci a rede, e tá sendo maravilhoso, fazendo muita coisa, graças a Deus, hoje o dia tá bem corrido.
P/1 - Que bom. E como que... Essa sua tia, que você aprendeu a costurar, foi ela que te ensinou, não foi?
R - Foi, foi ela.
P/1 - Ela tá viva?
R - Tá, tá viva.
P/1 - Ela sabe que hoje você trabalha com isso assim, bem?
R - Sabe. Ela tem maior orgulho porque como eu aprendi com ela, tudo, a cortar, costurar tudo com ela, então quando eu falo o que eu tô fazendo hoje, eu até me tornar professora de corte e costura, nossa, ela tá muito feliz, muito feliz mesmo, porque ela diz assim "nem minha filha", que ela tem uma filha também, ela tem dois filhos, ela tem um casal, um filho e uma filha, ela disse assim "nem a minha filha teve esse interesse que eu tive". E ela tá muito orgulhosa de tudo isso.
P/1 - Como que foi esse processo de dar aula? O que você sentiu?
R - Nossa... Eu digo assim, que foi uma benção. Eu adorei essa nova atividade de dar aula, foi muito bom, foi uma experiência muito boa, maravilhosa, que eu tive. Na verdade, eu nem esperava. E tudo isso aconteceu depois que eu entrei na rede, na Rede CriaNorte, depois que eu entrei nessa rede, tudo se abriu, os caminhos todos foram muito bons, inclusive trabalhar também como professora de corte e costura.
P/1 - Que legal. Então hoje você trabalha em casa, como que é essa dinâmica assim, trabalhar em casa, cuidar de casa, a família, você tem um cantinho seu, como que é?
R - É bem corrido. Eu tive que... Como eu falo até com o meu marido, eu vou ter que abandonar algumas coisas, porque a casa... Porque não dá para se dedicar a tudo. E assim, a casa eu já não tenho mais aquela preocupação de estar limpando tudo, porque eu não vou dar conta, ou eu costuro ou eu limpo casa, porque eu tenho que dar atenção também para família, é muita coisa dentro de casa e então... Apesar de que ele também me ajuda muito, ele passou a me ajudar bastante dentro de casa, o que eu peço para ele estar fazendo ele faz de boa. Então aí a gente tem que ficar conciliando tudo.
P/1 - E suas filhas e seu marido te apoiam então nessa... Agora que você tá super [empreendedora?].
R - Olha, minha filha ficar super feliz, principalmente a mais velha, ela ficou muito feliz quando eu quando eu falo assim alguma coisa para ela, que "aí eu vou fazer isso, fazer aquilo", nossa, ela fica muito feliz, porque assim, antes eu tava bem parada e aquilo deixava ela bem triste, aí hoje não, hoje ela tá muito... Ela vê novos horizontes, até mesmo coisas boas pra ela.
P/1 - E seus... Bom, pensando em futuro, quais são os seus sonhos assim? Quando você ora, o que hoje você pede?
R - Ah, hoje, o que eu quero, principalmente para o meu futuro, é o meu negócio. Assim, em relação ao meu negócio, meu atelier, porque na verdade eu ainda não tenho um atelier, eu não tenho um lugar fixo assim dentro da minha casa, eu uso a casa toda (risos). Mas eu tenho meu sonho de ver o meu espaço construído. Porque eu digo assim, local eu tenho, só falta construir. Então eu quero ver o meu atelier pronto, minhas máquinas, bastante máquinas, e quero ter também algumas pessoas para estarem me ajudando, e sem falar também que hoje o sonho é ver essa rede crescer e ser bastante conhecida e ser cada vez melhor.
P/2 - Como foi pra você voltar no passado, reviver, como foi pra você contar a sua história? O que você sentiu?
R - É uma volta, uma volta ao passado, foi uma sensação bem boa. Hoje eu vejo assim, quando a gente tá vivendo é bem ruim, é triste, quando a gente vai lembrando de muitas coisas, mas eu vejo assim, no meu passado mesmo eu vejo mais em relação às coisas materiais, que eu fui muito carente de coisas materiais, eu digo assim ao... Em relação ao alimento não, meus avós nunca deixaram faltar o alimento, porque eles se preocupavam muito com isso, nunca deixamos de comer mas em relação... Mas eles tinham que fazer uma escolha, ou era o material, a roupa, calçado, ou alimento, então eles optavam pelo alimento. E hoje eu digo assim, hoje nada disso me falta, hoje eu até brinco com as minhas amigas, eu tô precisando de espaço para colocar meus sapatos, eu tô precisando de cabide (risos), eu digo assim, os presentes hoje que eu preciso ganhar é cabide (risos), porque tá me faltando, e graças a Deus meu marido me deu um guarda-roupa enorme, e eu digo assim, espaço hoje eu tenho, eu tenho também roupa, bastante roupa, calçado, então eu digo assim, o que me faltou hoje eu tenho. Já não tenho mais... Tenho o alimento, tenho de tudo, tudo que eu pedi hoje eu tenho. E assim, passei por tudo aquilo, passou o... Assim, hoje o que me deixou mais emocionada foi falar dos meus avós. Porque foram duas pessoas especiais para mim [pausa] e hoje eu vejo o quanto eles me fazem falta [choro] e eu não soube aproveitar [pausa]. Mas eles me deixaram o mais importante, que foi o amor [pausa]. Só isso.
P/2 - Depois que você veio para São Paulo você não os viu mais?
R - Não.
P/1 - E eles faleceram quando?
R - Assim que eu vim pra cá. Assim que eu vim para cá, o meu avô faleceu em 2002, em janeiro de 2002, e a minha avó em 2006. Mas eu digo assim, eles não... Não... Eu não cheguei a ir visitar eles, não deu tempo, mas eu digo que eles sempre vêm me visitar, porque eu sempre estou sonhando com eles, então para mim é tudo.
P/2 - Obrigado.
R - Obrigada. Eu que agradeço.