Mulheres Empreendedoras Chevron (MEC)
A casa própria
História de Ana Carla da Silva Chagas
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 21/01/2013 por Alexandre Marino Netto
Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento de Ana Carla da Silva Chagas
Entrevistada por Rosana Miziara
Rio de Janeiro, 22 de maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código: MEC_HV033
Transcrito por Carolina Candido / MW Transcrição (Mariana Wolff)
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 –Oi, Carla, você pode começar a falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Onde eu nasci?
P/1 – É.
R – Olá, meu nome é Ana Carla da Silva Chagas, tenho vinte anos, nasci dia 31 de outubro de 1990. E nasci em Recife, Pernambuco.
P/1 – Seus pais são de Recife?
R – São.
P/1 – Seu pai e sua mãe?
R – Meu pai e minha mãe.
P/1 – E seus avós?
R – Meus avós também, a família toda é de lá.
P/1 – E o que que seu pai fazia em Recife?
R – Meu pai era camelô, trabalhava ambulante.
P/1 – Aonde que ele tinha...?
R – No centro de Água Fria.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe também é ambulante.
P/1 – Até quantos anos você viveu em Recife?
R – Seis anos.
P/1 – E você lembra da sua casa de infância, onde você nasceu em Recife?
R – Mais ou menos.
P/1 – O que que você lembra?
R – Ah, eu lembro, eu estudava perto da minha casa, assim, mas eu morava com a minha mãe, meus pais eram separados, eu ficava de segunda à sexta com a minha mãe e final de semana eu ia pra casa do meu pai, ele morava com a minha vó.
P/1 – E como é que era o final de semana na casa da sua vó?
R – Ah, era bom, eu gostava de ir pra lá. Eu era mais acostumada a ficar com a minha vó, por parte de pai, do que com a minha mãe. Eu chamava a minha vó de mãe, por parte de pai. Eu sempre gostei dela.
P/1 – Como é que era o final de semana lá, o que que você fazia?
R – Ah, a gente saía muito, meu pai gostava muito de me levar pra passear, e as minhas tias moravam embaixo, era uma escada como essa que tem aqui pra subir pra casa da minha vó, minhas tias moravam embaixo, aí eu ia pra casa delas, elas tinham filho, assim, da minha idade, a gente saía, ia pro centro passear, pro parque, era bom.
P/1 – E aí, com seis anos, você veio pra cá?
R – Com seis anos, a minha mãe me sequestrou do meu pai, ela chegou falando que ia me levar pra uma festa de uma amiga dela. Aí fomos pro interior, que tem lá, eu não lembro muito bem o nome da cidade. Aí depois pegamos um ônibus pra rodoviária de lá e pegamos ônibus também pro Rio de Janeiro. Nós chegamos aqui, eu tinha o quê, seis anos...
P/1 – Você sabia que ela tava fazendo isso?
R – Não, não sabia. Ela veio pra cá com meu padrasto ela era casada, e ele falou pro pai dele que tava vindo pra cá e o pai dele concordou, falou que ele podia vir e ajudar eles, aí foi três dias de viagem, de ônibus, de lá pra cá, chegamos aqui, não tinha ninguém esperando pela gente.
P/1 – Quem que veio, você...?
R – Eu, minha mãe e meu padrasto, meu irmão morava com a minha vó.
P/1 – Com a...?
R – Com a parte de mãe. Aí só veio nós três. Chegamos aqui não tinha ninguém esperando a gente na rodoviária, ligamos no telefone do pai dele, do meu padrasto, tava desligado, aí ficamos perdidos, não conhecíamos nada aqui, ficamos dormindo na rodoviária, aí até que ele encontrou um irmão dele aqui no Rio, chegamos lá na casa do pai dele, a madrasta dele não queria ele lá, ninguém lá, aí nós fomos pra Queimados, lá na Baixada.
P/1 – Por que que vocês foram parar em Queimados?
R – Não lembro. Aí chegou lá, encontramos uma creche, aí minha mãe me colocou nessa creche e ia trabalhar. Todo dia ela chegava, ia me buscar, só que eu não gostava de ficar nessa creche porque tinha uma professora lá que me batia. E ela me falava que, se falasse pra minha mãe, no outro dia ia ser pior, mas teve um certo dia que eu falei pra minha mãe. A minha mãe foi lá, pegou ela, deu um sacode nela, aí me tirou de lá. Aí depois a gente foi trabalhando, arrumaram uma casa pra gente ficar. Aí ficamos morando nessa casa, a gente foi reformando, ele trabalhava de obra lá, ajudante, e fomos trabalhando, a minha mãe vendia esses cosméticos da Avon, revista, essas coisas. Aí fomos. Aí, depois o meu irmão veio pra cá, pro Rio, morar com a minha mãe.
P/1 – Aí você ficava na escola, você ficava com quem?
R – Eu, eu ficava sozinha em casa, minha mãe ia trabalhar, eu estudava de manhã, chegava da escola e ia pra casa, ficava sozinha até minha mãe chegar. Minha mãe chegava seis horas, e eu ficava em casa, mas ela pedia pra vizinha tomar conta de mim, morava lá do lado. Aí, às vezes, eu ficava lá na vizinha também. Aí teve um certo dia que meu padrasto saiu de casa pra trabalhar, aí a gente tava almoçando quando ligaram no telefone da minha mãe falando que ele tinha sido assassinado no trabalho. Aí a minha mãe foi até lá, aí ficou sabendo que ele tava se envolvendo com uma mulher casada, e o marido dessa mulher matou ele. Aí os parentes dele apareceu tudo, querendo saber, aí foi, até hoje o pai dele nunca ligou pra ele, nunca procurou.
P/1 – Estava falando do padrasto, dele ser assassinado.
R – É. Aí enterramos ele, aí...
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Eu? Tinha oito anos. Tinha uns oito anos.
P/1 – Você lembra do enterro?
R – Lembro. Não foi muito parente, não, só foi o irmão dele, eu, minha mãe, meu irmão, o irmão dele, a mulher do irmão dele, só. Nem o pai dele não foi, no enterro. Aí logo depois meu irmão começou vir pra cá pra Central, trabalhar aqui, vendia quentinha, com um rapaz aí na rua, aí logo depois a minha mãe veio pra cá também, ficava trabalhando aqui no centro de camelô, e eu ficava lá sozinha, ou, às vezes, eu dormia na casa da vizinha. Só que eu fiquei com muito medo, porque começou rondar um cara lá, que ele foi morar numa casa lá, velha lá, e eu comecei a ficar com medo, porque ele ficava me seguindo, e eu dormia sozinha, eu tinha o quê, uns nove anos.
P/1 – Mas por quê, sua mãe não voltava pra dormir?
R – Não. Só final de semana que eu vinha pra cá pra Central, que eu estudava lá.
P/1 – Mas ela fazia o que na Central, dormia?
R – Ela trabalhava em casa de família e era o quê, nas horas vagas, ela trabalhava de camelô.
P/1 – E dormia na casa da patroa?
R – Não, não. Às vezes, ela dormia na casa da patroa, só que ela tinha alugado um quarto aqui com meu irmão, aqui no centro.
P/1 – E por que que você não vinha pro centro?
R – Por causa que eu estudava lá, aí eu não dava, e ela não tinha conseguido arrumar matrícula aqui pra mim, nas escolas, aí eu continuei estudando lá e ela também não conseguiu vender a casa que a gente tinha lá. Aí eu falei pra ela que eu não queria ficar mais lá, que eu já tava com medo, que uma vez, eu dentro de casa, eu vi alguém andando no quintal, aí liguei pra minha vizinha, aí ela foi me buscar, aí eu ficava dormindo na casa da minha vizinha, às vezes, dormia na casa de amigos. Aí foi, eu falei com ela que eu não ia mais ficar lá, aí ela foi e arrumou alguém pra comprar a casa, vendeu e viemos morar aqui no centro. Ela arrumou vaga pra mim, aí eu comecei a estudar aqui, e depois ela foi morar num casarão, invadiram um casarão aí, pra abrigar pessoas. Aí ficamos morando nesse casarão, até hoje a minha mãe mora lá.
P/1 – Onde que é esse casarão?
R – Ali embaixo na Bento Ribeiro, antes de entrar no túnel.
P/1 – E mora um monte de família lá, como que mora?
R – Mora umas cinquenta famílias ou mais.
P/1 – E ela tem um quarto só dela?
R – Tem. Todo mundo tem um quarto separado. Lá já foi, acho que era hotel, e já foi abrigo, antes. Às vezes, ele é mal-assombrado, às vezes ele é um pouco mal-assombrado.
P/1 – Como é que você sabe?
R – Porque tem uma amiga, tinha uma menina que morava lá, ela estava grávida. Aí, lá, são dois andares. Aí, outro dia, ela foi na casa da amiga dela, no segundo andar. Ela falou que, quando ela chegou lá no corredor, ela viu um casal brigando, e ela grávida, ela começou a passar mal, mas só ela via esse casal, ninguém via, e o homem espancando muito a mulher, e ela gritando socorro. Aí, quando as pessoas saíram, não tinha ninguém, só ela que viu o casal, depois eles sumiram, e ela começou a passar mal, começou a perder sangue, foi pra maternidade e uma semana depois o filho dela nasceu. E outro dia, eu lá atrás, na área, estendendo roupa, eu escutei um passo de alguém andando. Aí eu até achei que fosse o meu irmão, e eu tô chamando o nome dele, quando eu olho, tô ouvindo passo mas não tô vendo ninguém, eu corri pra dentro de casa, e aí depois eu fiquei com medo. Mas aí logo depois o meu irmão começou a se envolver com coisa errada, com drogas, aí minha mãe começou a ficar preocupada, começou a se envolver com as pessoas que usa droga, de rua.
P/1 – Seu irmão?
R – Isso. Aí logo depois, em 2006, ele faleceu.
P/1 – De droga?
R – Não. Ele estava andando ali no Campo de Santana, e um, essa mesma moça que viu a assombração, o filho dela estava internado ali na Souza Aguiar.
P/1 – Estava o quê, internado?
R – Internado ali no Souza Aguiar.
P/1 – De droga?
R – Não, o filho dela, pequeno. Aí meu irmão estava passando ali, ela falou que ouviu uns tiros, mas não tinha visto que era meu irmão, depois ela viu ele correndo, assim, estava baleado na cabeça, ele tentou correr pra fugir, mas não conseguiu, ela falou que viu quando jogaram ele dentro do carro, mas não sabe pra onde levaram ele, viu que foi polícia. Aí minha mãe, eu e minha mãe ficamos procurando ele, ele desapareceu dia 18, ele fez aniversário dia 15 de maio de 2006, fez dezoito anos, e morreu dia 18. Só que nós fomos achar o corpo dele dia 21, pra enterrar. Aí fomos procurando em delegacia, no IML, não achava, e sendo que ele tinha dado entrada na Sexta DP, nós fomos lá com a minha mãe, os polícias falaram que ele deu entrada lá, provavelmente teria sido transferido pra Polinter.
P/1 – Mas por que que ele deu entrada?
R – Não sei, os polícias não explicaram. Só falaram que ele tinha dado entrada lá, pra minha mãe procurar na Polinter. Aí minha mãe foi, no outro dia, de manhã. Falaram que não tinha ninguém lá com esse nome, que não apareceu lá, aí tá, aí fomos de novo, aí minha...
P/1 – Ele já tinha sido preso antes?
R – Já, já. Uma vez.
P/1 – Por quê?
R – Roubo. Aí fugiu, aí ficou do mesmo jeito, aí minha mãe falou que não ia querer mais ele lá em casa, ou ele tomar juízo, voltar a trabalhar, ou então minha mãe ia internar ele. Só que, às vezes, ele...
P/1 – O que que ele usava?
R – Era crack que ele tava usando. Aí um certo dia ele tava dentro de casa deitado, foi um amigo dele lá chamar ele. Foi quando eles saíram, não dormiu, aí a gente teve a notícia, na segunda-feira ele não apareceu, aí foi que minha mãe foi procurar, aí essa menina falou que teve um tiroteio e viu ele. Aí fomos procurar, aí minha mãe foi na delegacia e falou que ele tinha dado entrada lá, foi na Polinter, aí depois minha mãe voltou, mas na delegacia falou que ele não tinha aparecido lá, aí eles falaram pra minha mãe ir na delegacia de Santa Tereza. Quando chegou lá na delegacia de Santa Tereza, ele tava jogado atrás de uma mata.
P/1 – E ela viu?
R – E ela reconheceu o corpo. Aí ela...
P/1 – Mas como é que foi, quem que falou que ele tava atrás da mata?
R – Ela foi no IML, aí chegou lá, começou a passar as fotos, ele tinha duas tatuagens, as iniciais do nosso nome aqui, que ele tinha, em japonês, e tinha um escorpião na mão. Aí passando as fotos, não dava pra ver, porque ele deve ter ficado uns dois dias na mata, aí não dava pra reconhecer muito, e eles quebraram o pescoço dele, isso aqui e viraram pra trás a cabeça dele, viraram pra trás, furaram ele todo, aí, quebraram um braço dele, as pernas.
P/1 – Quem, a polícia?
R – A gente não sabe até hoje, a minha mãe tava com um processo, teve a audiência ano passado, contra os policiais da Sexta DP, que falaram que ele deu entrada lá. Aí minha mãe reconheceu ele, e ele tava jogado atrás da delegacia de Santa Tereza.
P/1 – Mas como é que foram achar ele atrás da delegacia, quem que falou “vem cá ver onde tá”?
R – Não, ela foi no IML, aí no IML tava, assim, tinha uns matos em cima do corpo dele, aí no IML falaram que ele foi encontrado na delegacia de Santa Tereza.
P/1 – Aí sua mãe foi pra lá?
R – Aí foi pra lá ver o local, mas ele não tava mais lá, ele já tava no IML. A minha mãe foi lá, viu o local onde foi, só que não sabe o motivo, como é que foi, e até hoje tá nesse processo. Mas ela não sabe de nada, já se passaram seis anos e não aconteceu nada.
P/1 – E em que momento você saiu do casarão lá onde sua mãe morava?
R – Eu saí de lá já tem três anos.
P/1 – Por que que você saiu de lá?
R – Eu casei com um rapaz, fui morar com ele, a gente mora embaixo, a mãe dele mora em cima, porque eu engravidei, quando eu tinha quinze anos, aí eu fui morar com ele. Mas eu morei um tempo lá no casarão, a gente tinha arrumado um quarto lá, ficamos morando lá, só que eu não tava mais a fim de ficar lá, tava querendo sair de lá, porque tinha uma síndica lá que era muito, ah, ela queria mandar em tudo, e lá não tem dono, entendeu, é de todo mundo. Aí a mãe dele falou que, pra gente morar lá, ela mora em cima a gente mora embaixo.
P/1 – Onde?
R – Aqui na Rua dos Cajueiros, na Central. Aí fomos morar lá, aí eu tive a minha filha, ela tem quatro anos, e ficamos morando lá, ele trabalha num negócio de bebida ali embaixo, na Senador Pompeu, e tô com ele até hoje, tenho um menino de dois anos.
P/1 – Ele?
R – Eu. Tenho um casal com ele. Já tô casada com ele vai fazer sete anos.
P/1 – Quer dizer, a sua vida mudou.
R – Mudou muito. E, depois que meu irmão morreu, era só eu e a minha mãe. Ela tinha uma filha, só que a vó da menina roubou a menina da minha mãe quando nasceu. A minha mãe veio reencontrar ela depois de quinze anos, aqui no Rio, porque a minha mãe viu o pai dela, aqui na Central, aí parou ele, perguntou como, aí ele: “Ah não, nós estamos morando em Miguel Couto”, não sei o quê. Só que pra minha irmã, a minha mãe tinha dado ela. Só que a minha mãe fala que não, que a vó dela e o pai dela levou ela da minha mãe quando ela era bebezinha. E a minha mãe já encontrou ela aqui com quinze anos, grávida, também tava casada, agora ela tá morando com a vó, tem um casal de filhos também, trabalha e é separada.
P/1 – Mas você tem, você encontra com ela?
R – Sim.
P/1 – Sua irmã.
R – Ela faz, meu irmão morreu no dia do aniversário dela. Eles são do mesmo mês, meu irmão era 15 de maio e ela é 18 de maio.
P/1 – Ela nem conheceu teu irmão?
R – Conheceu. Conheceu, mas por pouco tempo, não tiveram muita convivência, não. Meses, só.
P/1 – E a sua mãe ainda trabalha de camelô?
R – Trabalha.
P/1 – O que que ela vende?
R – Bebidas, doces, assim, em eventos.
P/1 – E aí você, é, você criou os filhos, começou a criar teus filhos, você trabalhava fora?
R – Não. Já trabalhei, na Rua da Alfândega, mas aí saí de lá, trabalhei com a minha mãe, também, de camelô, sempre trabalhei com ela, ajudava ela, nos ensaios técnicos que tinha ali no Sambódromo, eu ia trabalhar com ela, sempre ajudei ela. Depois que meu irmão faleceu, sempre foi eu e ela. E agora eu não vou mais trabalhar com ela por causa dos meus filhos, não tinha com quem deixar, aí eu tive que parar de trabalhar com ela, aí agora, de vez em quando, assim, ela arruma um menino ou uma menina pra ir ajudar ela, que é muito pesado pra ela sozinha.
P/1 – E aí, fora isso, aí o outro trabalho que você teve foi esse projeto?
R – É, fora que eu já trabalhei na Rua da Alfândega, numa loja de roupa.
P/1 – Como é que foi na Rua da Alfândega?
R – Ai, era muito difícil.
P/1 – O que que você fazia?
R – Eu vendia roupa, mas eu ganhava por comissão, e quando vendia bem, ganhava, quando não vendia, o salário era muito pouco e trabalhava muito, e o patrão é muito exigente, também não tava dando por causa dos meus filhos, aí eu tive que sair de lá. Aí fiquei em casa, meu marido trabalhava e eu ficava em casa, só. Aí depois que veio aparecer esse projeto.
P/1 – Como é que você ficou sabendo?
R – Eu fiquei sabendo através da mãe de uma das nossas sócia, que falou que tinha um projeto aqui no morro, pra mim me inscrever, que ia ser muito bom, aí eu falei: “Tá, tá bom, então eu vou”, aí vim na primeira reunião que teve aqui na Casa Amarela, aí eles falaram que a gente ia ter trinta dias de aula lá embaixo, pra gente aprender a lidar com banco, dinheiro, finanças, essas coisas assim, marketing. Aí ficamos tendo aula lá embaixo nos Ingleses, durante trinta dias, aí, e eram vinte e cinco pessoas quando surgiu o projeto, aí foi diminuindo, foi pra quinze, aí depois chegou a dez e agora só tem sete.
P/1 – E que que você, quando você começou, logo de cara, você já entendeu o que que era, como é que foi?
R – Não. No começo eu não entendi, não, fiquei um pouco perdida, assim, através das aulas dos diálogos que a gente tinha lá embaixo que a gente ia aprendendo mais as coisas, muitas coisas novas que a gente não sabia, também, mas nós fomos descobrindo através delas, e uma conhecendo as outras, assim, porque eu sempre morei aqui, mas nunca tive, assim, muita convivência, assim, com as pessoas, mas fomos conhecendo umas às outras.
P/1 – E por que que foi diminuindo, começou com um grupo tão grande e acabou com...?
R – Sete, seis. Porque, não sei se as pessoas também não se interessam, ou não levaram, não acreditaram no projeto, eu acho que possa ter sido isso.
P/1 – Você desde o começo acreditou?
R – Sim. Senão, não...
P/1 – O que que você esperava do projeto?
R – Como assim?
P/1 – Qual que era a sua perspectiva em relação a esse projeto?
R – Ah, não sei, sempre que ele desse certo, que a gente trabalhasse sempre junto pra poder dar certo. Porque eu acho assim, se uma cair, todas caem. Eu penso assim.
P/1 – O que que o projeto mudou na sua vida desde que você entrou nele?
R – Ah, muita coisa. Porque meu marido mesmo sempre foi contra, e quando a gente tinha as aulas lá embaixo, era de seis da noite até onze, lá nos Ingleses, então ficava muito difícil, porque eu ia buscar meus filhos na escola, chegava, deixava comida pronta e ia correndo pra lá. Aí ficava até onze da noite, aí quando eu chegava em casa meus filhos já estavam dormindo, e não dava muito tempo, assim, de fazer as coisas, ele ficava falando que eu tava largando as crianças, e a mãe dele que olhava, pra fazer uma coisa que eu não sei se ia dar certo, que eu não sei como é que que é isso, até um tempo atrás ele ainda era contra o projeto.
P/1 – Por quê?
R – Ah, não sei, não sei, porque pra ele eu teria que ficar só dentro de casa cuidando de criança, nunca teria que trabalhar fora.
P/1 – E aí como é que você mudou isso em casa?
R – Ah, muito.
P/1 – O que que você fez pra mudar?
R – Assim, eu falei pra ele que eu não ia sair do projeto, ele poderia sempre ser contra e eu ia bater o pé e ficar com o pé firme que eu ia ficar aqui, que eu não iria sair. Aí, logo depois que inaugurou, o dia da inauguração então que ele falou que eu não ia ficar, que eu ia ter que sair, até um certo dia que ele veio aqui, viu como é que era, ficou mais calmo, e ele que fornece as bebidas, as bebidas, a gente pega lá no depósito e traz aqui, agora ele já tá mais acostumado, mas ainda fala um pouco.
P/1 – O que que ele fala ainda?
R – Ah, ele fica, e teve um outro dia que ele veio aqui, aí vê os rapazes, aí fica: “Ah, você fica indo trabalhar” e não sei o quê, “as pessoas ficam mexendo” e não sei o quê, eu falei: “Ah, besteira, eu tô trabalhando, vou fazer o quê, eu tenho sempre que tratar as pessoas bem, estar sorrindo, não vou ficar de cara fechada e tratar as pessoas com ignorância”, que ele é muito ciumento, muito besta. Ah, mas eu acho que é isso, vou continuar no projeto, ver até onde dá, vou continuar levando.
P/1 – Quais foram os principais desafios pra que o projeto acontecesse?
R – Desafio?
P/1 – É, assim, como é que foi sendo construído, depois que vocês se estabeleceram...
R – Ah, foi difícil a gente achar um local, por causa dessas obras que tá tendo no morro, então a maioria das casas aqui em cima vai sair, então foi muito difícil pra gente poder achar um local pra poder abrir negócio. Isso foi, acho que foi o mais difícil no projeto, a gente achar o espaço pra poder abrir, inaugurar. E a gente, a gente, já passamos por uma, abaixo assim do nosso, tem uma escola que a mulher ia alugar uma parte pra gente abrir o negócio, só que a obra ia sair muito cara, aí foi mais uma dificuldade pra gente, pra poder achar um lugar.
P/1 – Mas como é que vocês acharam?
R – A gente, e antes também da gente saber o que que a gente ia querer, fomos perguntando aos moradores o que eles achavam que seria bacana abrir aqui, o que que eles estavam necessitando. E eles falaram, um espaço como esse.
P/1 – Quem que falou que precisava?
R – Os moradores. A gente entrevistou os moradores pra saber o que eles achavam bacana, assim, abrir aqui na comunidade, o que eles estavam mais precisando. Porque aqui tem esses barzinhos, mas não tem hora assim pra abrir, pra fechar, não abre todo dia, e a gente não, tem hora todo dia pra abrir, todo dia tem que abrir, pra fechar, é tudo certo. E aí eles falaram que era bom uma lanchonete, onde as pessoas pudessem vir, lanchar com seus filhos, almoçar, aí foi muito bacana, mas a gente passou por muita dificuldade por causa do local, mas também, depois que a gente achou o local, foi tudo maravilha, fizemos obra e fomos metendo a cara, fomos nas ruas comprar as mercadorias, as coisas, a gente se reunia todo mundo, aí se dividia: “Ah, duas vai pra um lugar, duas vai pra outro, as outras vai pra outro”. Um dia, no dia antes da inauguração, um dia antes da inauguração, nós fomos comprar muita coisa que tava faltando, andamos muito o dia todo. Foram três pra cá pra Rua da Alfândega, e foi três lá pro Mercadão de Madureira, e a outra tava com o pé quebrado e tava em casa, e a gente ralando muito, um dia antes da inauguração. Foi muito trabalho, muitas foram dormir quatro horas da manhã pra tá de pé seis. Foi muito difícil, mas graças a Deus correu tudo bem e tá indo aí.
P/1 – Você já conseguiu tirar alguma remuneração?
R – Como assim?
P/1 – Já conseguiu receber dinheiro?
R – Já. E, através dos eventos que vem tendo aqui, graças a Deus, as vendas estão sendo boas, tá vendendo bem, e é isso aí.
P/1 – Deixa eu voltar lá pra trás, depois a gente volta para o projeto, você lembra das suas brincadeiras de infância?
R – Mais ou menos, porque eu não tive muito, assim, infância, porque a minha mãe trabalhava pra cá, eu ficava em casa sozinha, e era eu pra fazer tudo dentro de casa, lavar, fazer comida, passar, eu sempre, desde os meus sete anos sempre fui pra escola sozinha, minha mãe nunca pôde me levar, nunca tinha tempo, e eu sempre ia e voltava sozinha e fazia tudo dentro de casa, então não tive muita infância.
P/1 – Quais são as suas principais expectativas em relação a esse projeto, o Favela Point?
R – De melhoria?
P/1 – É, o que que você espera do projeto?
R – Ah, eu espero que mude a minha vida pra melhor, que eu possa construir meus sonhos e viver a minha vida do jeito que eu quero, e ganhar cada vez mais.
P/1 – Quais são os seus sonhos?
R – Ah, o meu sonho é construir a minha casa, minha própria casa, pra poder morar com meus filhos, meu esposo e continuar a minha vida. Meu sonho é de ter minha casa própria.
P/1 – Você acha que esse projeto transformou alguma coisa aqui na comunidade?
R – Ah, eu acho que sim, um pouco, porque ali era um bar, antes da gente montar o Favela Point, ali era um bar, que o rapaz alugou pra gente o espaço. Então, depois que a gente montou o Favela Point, agora tá bem divulgado, conhecido, e as pessoas chamam o Bar das Sete Mulheres, aí de noite, vem os rapazes, aí eles falam assim: “Ah, vamos lá no bar das sete mulheres, beber uma cervejinha, comer alguma coisa”. Então era muito conhecido como bar das sete mulheres, às vezes, alguém diz: “Ah, tô aqui no bar das sete mulheres, vem aqui”, não sei o quê. É bem legal, é bem bacana, assim, a gente vê que tá mudando um pouco a comunidade, às vezes, as pessoas tinham que descer lá embaixo pra comer alguma coisa, assim, um lanche, alguma coisa, agora não precisa mais descer essas escadas todas, agora já tem aqui perto de casa e a gente faz entrega também, aí você não precisa nem sair de casa, a gente leva na sua casa. É bem legal.
P/1 – Tem algum dia desses, desde que inaugurou, que foi marcante pra você, algum evento, algum episódio com um freguês...?
R – Não. Às vezes, tem esses rapazes da obra, eles marcam de sexta-feira, junta uma rapaziada e vão beber, aí eles fazem um churrasquinho, a gente bota uma música, ou quando tem um, assim, dois dias depois da inauguração, teve um evento aqui no morro, que ficou muito cheio, a gente ficou doida, aí teve que vir outros pra poder ajudar que era, ficou muito cheio, as bebidas acabou assim, oh, no outro dia, no domingo, a gente queria abrir e não tinha mercadoria, então a gente nem abriu. Então nesse dia assim foi muito bacana, foi muito legal, pena que não pode mais ter esses eventos, mas foi bem legal.
P/1 – Você teve algum momento que você falou, pensou em desistir?
R – Já. Muitos.
P/1 – Como foi?
R – Ah, uns meses atrás a gente teve uns estresses aí entre a gente, eu cheguei a falar pras meninas: “Olha, eu não vou amanhã, não conta comigo porque eu não vou vir, tô saindo do projeto”. E elas me ligaram: “Não, você não vai fazer isso, eu vou aí na sua casa te buscar, você tem que vir”, não sei o quê, “porque, se você desistir, nós vamos desistir também”. Eu achei muito legal, assim, da parte delas, entendeu, porque sempre quando uma “Ah, eu tô querendo desistir”, não sei o quê, a gente vai lá, apoia e fala: “Não, nós vamos aguentar, vamos empurrando com a barriga pra ver até onde a gente vai levar”.
P/1 – Por que que deu os estresses?
R – Ah, eu não sei, porque são muitas mulheres junto, eu acho que deve ser isso e deve ser assim, uma querer mais que a outra, e ali nós somos todas iguais, e eu acho que pode ter sido isso.
P/1 – Se você, olhando a sua vida, tudo que você contou pra mim, você pudesse mudar alguma coisa na sua vida, o que que você mudaria?
R – O que que eu mudaria? Eu acho que eu teria ouvido mais os conselhos da minha mãe, sim. Eu não me arrependo de ter tido filho, mas não tão cedo como eu tive, se eu pudesse eu – claro, eu amo meus filhos –, coisa assim, mas eu teria tido agora, mais para o futuro, não tão nova, porque atrapalhou um pouco meus estudos, porque tive que parar de estudar, mas eu acho que só.
P/1 – Você pretende voltar?
R – Pretendo. Pretendo voltar a estudar. Eu tava estudando o ano passado, ali no prédio da UPP, tava tendo...
P/2 – Supletivo?
R – Isso, pelo Senai, aí eu tava fazendo, só que aí às vezes não dava pra minha mãe olhar meus filhos que ela tinha que trabalhar, aí eu tinha que ficar faltando, aí eu falei assim: “Ah, eu vou ficar faltando, eu nunca vou passar, então é melhor eu parar, depois, quem sabe mais pra frente, eu recomeço tudo de novo”. Mas foi isso.
P/1 – Qual que é o seu maior sonho hoje?
R – Meu maior sonho, como eu já falei, é ter minha própria casa. Acho que só.
P/1 – O que que você acha de ter dado, qual é a importância que você acha de você dar o seu depoimento sobre esse projeto?
R – A importância no projeto ou na minha vida?
P/1 – De contar a sua história hoje.
R – Ah, eu acho legal assim, porque eu nunca contei a minha história de vida, assim, pra ninguém, é um pouco estranho, assim, no começo a gente fica nervosa, sem saber o que falar, mas eu acho que pode ser legal, pode mudar um pouco a minha vida, posso deixar de ser mais tímida, também, e falar, que eu não gosto muito assim de ficar falando, não. Logo assim, quando, era o projeto, todo mundo tinha medo, às vezes elas faziam uma pergunta e a gente ficava assim, oh: “Vamos gente, fala, abre a boca”, mas ninguém gostava de falar, mas quando era uma com as outras a gente sentava, assim, a gente começava, elas: “Vocês não gostam de falar pra todo mundo ouvir. Mas entre vocês, vocês falam que é uma beleza”. Eu falei: “É”. E eu e a outra que vai dar depoimento sempre fomos as mais tímidas, mas a gente era a que mais falava, entre nós duas, era a que mais falava.
P/1 – Queria agradecer o seu depoimento.
R – Ah tá, obrigada. Eu que agradeço.
P/1 – Foi ótimo.
R – Pra mim também foi ótimo.
P/1 – Aprendi muito com a sua história.
R – Foi um pouco difícil.