Rodeada por histórias, desde a infância, Romilda de Fátima Silva de Oliveira dá importância às tradições locais e relembra alguns dos contos das avós sobre a origem da comunidade, sobre as histórias da mula sem cabeça, além de narrar como eram os mutirões e as festas da caretagem – em homenagem ao São João que ainda acontecem – a da catira. Romilda lembra como era o trajeto para a escola, com a turma, carregando os coco-xodós que, às vezes, garantiam até a compra da merenda oferecida pela escola. É com emoção que Romilda descreve a chegada da energia elétrica na comunidade e como foi a conquista da geladeira azul! Como líder comunitária, por vários anos, foi voluntariamente presidente da associação. A fábrica de biscoito é um projeto que surge na sua gestão, com apoio da RPM [Rio Tinto Mineração, atual Kinross] que ainda gera renda para famílias da comunidade.
Memória Kinross Paracatu (KRP)
Histórias do São Domingos
História de Romilda de Fátima Silva de Oliveira
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 13/08/2017 por Felipe Rocha
Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Romilda de Fátima Silva de Oliveira
Entrevistada por Márcia Ruiz e Marcelo da Luz
Paracatu, 13/06/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV19_Romilda de Fátima Silva de Oliveira
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Boa tarde, Romilda.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria agradecer em nome da Kinross e do Museu da Pessoa a sua participação, você nos receber aqui na sua casa. E é um bate papo, a gente vai conversar, você nem precisa se preocupar muito com a câmera, a ideia é ir contando a sua história pra gente. Pra começo, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, o local e data de nascimento, Romilda.
R – O meu nome é Romilda de Fátima Silva de Oliveira. Nasci no dia 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima, do ano de 1962.
P/1 – Você nasceu aqui em Paracatu (MG) mesmo?
R – Sim, aqui em Paracatu mesmo, no Hospital Municipal de Paracatu.
P/1 – E como era o nome dos seus pais?
R – João Mendes da Silva e Maufisa Lopes da Silva.
P/1 – E eles faziam o quê, Romilda?
R – Minha mãe era professora, foi uma professora aqui da comunidade, começou a alfabetizar aos 14 anos de idade, alfabetizou a maioria das pessoas mais velhas aqui. E o meu pai era agricultor.
P/1 – E eles moravam aqui no São Domingos mesmo.
R – Não, meu pai é de Vazante (MG), conheceu minha mãe lá, veio com ela pra cá. Minha mãe que é daqui. E aqui eles constituíram família.
P/1 – E você chegou a conhecer seus avós, como era o nome deles por parte de pai e por parte de mãe?
R – Sim, meus avós maternos eram Saturnino Lopes dos Reis e Salviana Godinho da Silva. E meus avós paternos eram Gustavo Mendes da Silva e Maria Mendes da Silva.
P/1 – E o que eles faziam, você sabe?
R – Também lidavam com a terra, todos eles.
P/1 – E eles plantavam aqui na região?
R – Sim, plantavam muito milho, muito arroz, muita melancia, tinham a lida da cana. Cuidava com a terra em geral.
P/1 – E quando eles vieram pra cá, eles te falavam como era a vida aqui no São Domingos, quantas famílias tinham, você sabe?
R – Sim, a vó Josefa mesmo falava que a vida era muito difícil. Hoje, o povoado tem estradas, mas antes era tudo trilhos, eram matas muito fechadas, justamente por ser uma comunidade quilombola, então eles falavam que era muito difícil e que essa comunidade praticamente começou com três raças que até hoje ainda perdura, né? Que aqui no povoado só tem parente, só mora a parentada mesmo, é muito difícil entrar outras pessoas.
P/1 – E eram três famílias que começaram?
R – Sim.
P/1 – Você sabe os nomes delas?
R – Sim. Os Lopes, Mendanha e os Ferreira. Estão aí até hoje, passando de uma descendência pra outra (risos).
P/1 – E vocês são em quantos irmãos?
R – Onze, graças a Deus.
P/1 – E nessa escadinha você está onde?
R – Sou a terceira.
P/1 – A terceira mais velha.
R – Sim.
P/1 – E você se lembra da sua infância, como era a comunidade, como era a sua casa? Conta um pouquinho pra gente.
R – Sim. A comunidade era muito boa. Hoje, ela está bem diferente, muita coisa que a gente conta pros filhos da gente é história, né? Tinha muitos córregos. Eles existem ainda, mas hoje as crianças, os jovens aqui, eles não usam os córregos daqui como a gente usava, lavava roupa, vasilha, tudo era nesses córregos. A gente se banhava. Vinha à tarde até pra tomar banho no córrego e voltar pra casa porque quase não tinha chuveiros. Mas a comunidade era muito boa de se viver, a gente teve uma infância, uma adolescência com muita liberdade, aqui sempre foi lugar de liberdade, sem perigo, sem violência, onde a gente brincava muito. Hoje a criançada não brinca como a gente brincava, não (risos)
P/1 – Eu vou voltar um pouquinho. Você está falando das brincadeiras, que brincadeiras eram essas, com quem você brincava? Conta um pouquinho pra gente.
R – Brincava a meninada toda, porque toda vida ser uma comunidade de parentes, toda vida sempre teve muita união. A gente brincava muito de salve latinha, brincadeira de roda, tinha muita pipa, a gente fazia muita casinha de pipa com as folhas desses coqueirais que vocês veem aí, brincava de casinha. Então eram brincadeiras muito saudáveis, a gente tem saudades.
P/1 – E como era o cotidiano na sua casa quando você era pequena? Você se levantava muito cedo, ajudavam na casa, como é que era? Conta um pouquinho.
R – Sim. Desde cedo a minha mãe e meu pai sempre tiveram lida dura, sempre lidou com a lida da moagem de cana, toda vida levantaram cedo, meus pais sempre levantaram cedo. E a minha mãe antes, depois que ela lidou com a escola aqui, ela trabalhava na cidade e não tinha ônibus, então pra ela lecionar na escola às sete horas, ela acordava bem cedo. A gente bem pequeno ela determinava a tarefa e a gente ajudava. Uma ia cuidar dos irmãos menores, a outra ia lavar, outra ia cozinhar, a gente tinha infância mas também trabalhava (risos).
P/1 – E o que cabia pra você fazer? O que você mais gostava de fazer quando você ajudava na casa?
R – A minha irmã Marilda era lavadeira e passadeira, a outra cozinhava e eu arrumava a casa, cuidava mais da arrumação da casa. Até então a gente morava mais ali pra cima, nas casas onde hoje tem o campo de futebol, ali que eu nasci e cresci.
P/1 – E os seus avós, eles moravam perto, como é que era essa relação com os avós?
R – Muito boa. Mas os meus avós paternos moravam em Vazante, meus avós maternos moravam aqui e frequentavam muito a casa da minha mãe, minha mãe toda vida ensinou a gente a frequentar muito a casa deles. Era muito bom, os avós carinhosos. Com a natureza deles, que antes a natureza das pessoas mais velhas não é igual hoje, pessoas de natureza forte, mas sempre dava muito bem.
P/1 – Eles contavam histórias pra vocês, como é que era?
R – Ih, a minha avó contava muita história, que às vezes até amedrontava muito a gente, né? Falava que aqui, por a comunidade sempre ter ouro, a questão do meio é lugar de terra que tem ouro, aí ela falava que ali na frente tinha uma cancela enorme, aqui tinha outra... Lá perto onde a gente morava tinha outra. Ela sempre contava pra gente história da mula sem cabeça que uivava lá, que batia os cascos e soltava faísca de fogo que era ouro que os mais antigos aqui tiravam ouro e punham na garrafa e enterravam (risos), tem até parente da gente mesmo. E ela contava muita história, às vezes até fazia medo. Fora historinhas de livros mesmo, ela gostava muito de contar pra gente.
P/1 – Ela contava um pouco da origem de São Domingos, ela falava dos escravos, ela contava um pouco sobre isso?
R – Sim, a minha avó Josefa mesmo, ela falava que a bisavó dela é de descendência escravagista, viveu o sistema de escravatura. A minha avó Josefa morreu com cento e poucos anos e ela falava que a bisavó dela viveu o período da escravatura, falava pra mãe dela e que a mãe dela contava pra ela, né?
P/1 – E você falou que aqui a mata era mais fechada, que tinha os córregos. Os córregos além de vocês tomarem banho eram usados pra quê também?
R – Ixi, até água desses córregos a gente bebia. Pra lavar roupa. No córrego que a gente lavava vasilha, tudo, a água que a gente utilizava era dos córregos. Hoje é que não.
P/1 – E me conta uma coisa, como era essa coisa dentro de casa, o cotidiano. Você falou que a sua mãe saía...
R – Sim, saía cedo, chegava tarde.
P/1 – E quando vocês começaram a ir pra escola, que escola que vocês frequentaram, quem alfabetizou vocês?
R – Meus filhos já estudaram aqui, mas nós não, que antes aqui não tinha escola, não existia escola no povoado, todo mundo era obrigado a ir estudar na cidade. Então eu mesma estudei no [Grupo Escolar] Temístocles Rocha, depois concluí na [Escola Estadual] Afonso Arinos. E assim todos os meus irmãos e a criançada daqui tudo, que antes aqui não tinha escola não, depois é que surgiu.
P/1 – E como é que vocês iam pra escola? Conta pra gente.
R – A pé. Longe.
P/1 – E quanto tempo demorava pra ir?
R – Questão de meia hora, 40 minutos, subia aquele morro. Porque o Temístocles é uma escola longe, lá perto da rodoviária, acho que vocês não sabem onde é a rodoviária, a escola ali era bem longe. Agora o Afonso Arinos já era mais perto.
P/1 – E quais são as lembranças que você tem da escola?
R – Era cansativo, mas era bom. Hoje a gente fica até falando com a criançada de hoje, que hoje tudo tá fácil. No tempo da gente não. E tinha mesmo que estudar e era a pé. Hoje a escola pega na porta, no tempo da gente não tinha isso. Mas era bom porque a gente nunca ia sozinho, ia sempre a turma e voltava a turma. O povoado ainda não tinha asfalto, era tudo mais difícil, muita poeira. Época de chuva muita grota (risos). Mas era bom.
P/1 – E como era essa ida pra escola? Vocês iam em turma, o que vocês iam fazer, iam brincando, iam conversando, conta um pouquinho pra gente.
R – Sim. Brincando, a gente levava nas mochilas muito coco-xodó, aqui tem uns coco-xodó danado de doce, a gente ia com esses coco-xodó chupando porque nem sempre tinha dinheiro pra comprar as merendas, que nas escolas ofereciam. E era bom. Ia a turma sempre lá no sambé, tinha uma casinha que a dona Antônia emprestava a gente pra lavar os pés, que os pés chegavam lá bem sujos, quando era época de lama era lama, época de poeira era poeira, né? Mas era bom, a gente ia a turma, voltava a turma. Muitos daqui estudavam no mesmo colégio.
P/1 – E o que é coco-xodó, é uma fruta?
R – Coco-xodó é um coco, você descasca ele e chupa, no período de fevereiro até abril ele ainda dá. É um coco muito doce que a gente levava, às vezes até vendia na escola e com o dinheiro que vendia o coco-xodó comprava outra merenda (risos).
P/1 – E o que tinha de merenda que vocês queriam tanto comprar na escola? O que era de diferente?
R – A gente era apaixonado com pão com carne moída (risos). E o suco de laranja. E nas escolas, no Afonso Arinos mesmo, vendia. E a gente fazia uma troca, vendia coco-xodó pra comprar a merenda, que até então falava era merenda, né, escola oferecia as merendas.
P/1 – E da primeira escola que você foi até que ano?
R – Do prezinho até o quarto ano foi no Temistocles Rocha. Depois Afonso Arinos, depois ensino médio já bem adulta na Escola Estadual Antônio Carlos.
P/1 – E no Temistocles como eram as salas? Tinha uniforme? Conta um pouquinho como é que era a estrutura da escola, como eram as salas de aula.
R- Sim, as salas eram boas. A Temistocles Rocha mesmo era uma escola boa, sempre teve uniforme. O Afonso Arinos também, uma escola boa, quase estilo escola particular mesmo. Sempre uniforme branco e azul, saias bem plissadas, a meia até o joelho, não aceitava entrar sem uniforme. Eram uniformes bonitos.
P/1 – E você tem alguma professora que te marcou, que você gostou mais dela do primeiro ao quarto ano? E quem foi essa professora e por que você gostou dela?
R – Sim, a Carmiera era professora de português. Eu sempre gostei muito de Comunicação e é uma professora que me marcou, a Carmiera foi minha professora de português do quinto ao nono anos na Escola Estadual Antônio Carlos.
P/1 – E por que ela te marcou? O que ela fazia de diferente que você tem uma lembrança tão boa.
R – Uma que ela fazia de diferentes e traz referência é que ela aplicava muito pra gente montar jornal, nas escolas a gente tinha que montar, era nota do bimestre, montar os jornalzinhos. E justamente nesses jornalzinhos eu fazia muita entrevista, eu sempre entrevistava. Então eu gostava, eu gosto de comunicar (risos).
P/2 – A escola Antônio Carlos, onde ela ficava?
R – Até hoje no mesmo local. Ela fica ali na Praça Rubens Bittencourt, no centro mesmo da cidade. Está até hoje no mesmo local, com praticamente a mesma estrutura, muito pouca diferença.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho antes das escolas, nessa primeira fase da sua infância, dos seis aos dez anos mais ou menos, o que naquela época a comunidade produzia?
R – Naquela época produzia muita hortaliça. Sempre teve as fábricas de rapadura, tem menos, mas aqui sempre teve muita fábrica de doce. Pessoal plantava também muito feijão, plantava pra vender mesmo muito feijão. Tinha também muita plantação de amendoim, essas coisas.
P/1 – Tinha por exemplo animais, criavam-se porcos, gado?
R – Sim. Porco, gado, galinha, cabras, sempre se criou, toda vida cultivou isso aqui na comunidade.
P/1 – E o que não era produzido e vocês precisavam comprar na cidade? E como era feita essa compra, se vocês vendiam também material na cidade, o que produzia aqui.
R – Ah sim, até então eu não, mas a gente via muito a minha mãe, minhas tias, pessoal da comunidade. Que até então não tinha a feira livre que hoje tem, então antes as mulheres também, sem ter carro, nada, elas punham, aqui sempre teve muitos tabuleiros, fazia as rodilhas, punha na cabeça e levava os tabuleiros com quase tudo pra vender na cidade de porta em porta. E essas coisas que elas levavam, levavam algumas coisas que elas produziam aqui e voltavam com a gordura, com o toucinho, com a carne de gado, voltavam com açúcar, essas coisas. Vendiam umas e traziam outras da cidade.
P/1 – E naquela época tinha luz?
R – Não. Quando chegou energia elétrica no povoado foi uma festa, era lamparina mesmo. Que até então ali no Aureliano que tem um museu com tudo isso, com essas coisas que tinham aqui. Depois da lamparina pulou pro lampião, depooooois é que veio energia elétrica. Eu já era bem adulta quando chegou a iluminação aqui. Mas era um povoado bem escuro (risos).
P/1 – E como era, Romilda, quando escurecia? Vocês já iam logo pra cama ou sentavam?
R – Não, brincava na escuridão à noite, até metade da noite, sem medo. A gente tem o costume aqui, aqui se vive, aqui se morre, os mortos nossos nós enterramos aqui mesmo, em frente a uma igrejinha, tem um cemitério ali em cima. Antes, o cemitério nem fechado era, mas era um povoado muito pequenininho, toda vida foi esse povoado pequeno assim. E atrás das catacumbas mesmo a gente brincava. O salve latinha escondendo, até tarde da noite, ninguém tinha medo. Pra gente era normal, né? Ora ou outra a claridade da lua que era muito lindo, você está numa escuridão e vê a lua brotar. Depois, muito tempo depois foi que veio a energia elétrica, foi aquela festa (risos)!
P/1 – E naquela época o pessoal se relacionava com o Morro do Ouro de que forma? O pessoal garimpava? Conta pra gente um pouquinho.
R – Sim, garimpava. A economia da cidade também, fora as pessoas que plantavam, era mantida pelo garimpo. Só que antes das dragas, que depois, bem moderno que veio os moinhos e as dragas. Mas antes, minha mãe garimpava, meu pai também às vezes também garimpava. Era com um caixotinho bem artesanal, não estragava tanto a natureza. Não se usava mercúrio, eles juntavam, separavam o esmeril, o ouro do esmeril com o imã, sabe? Colocava o imã na bateia, o esmeril ia pra lá e separava do ouro. Aí vendia aqui mesmo, tinha pessoas aqui mesmo na cidade que comprava. Dava sábado, eles iam levar pra vender. Então as comunidades sempre viveram do ouro, depois é que parou, o meio ambiente proibiu.
P/1 – E como é que era essa coisa, você chegou a ver seu pai fazer o...
R – Garimpo? Muitas vezes. Meu pai, minha mãe, minha sogra, minha avó. A vó Josefa era grande garimpeira. As bateias nem eram de ferro, nem eram de prata, elas eram de madeira. Muitas vezes, nos córregos, tudo aí. Porque aqui sempre teve ouro.
P/1 – E quem fazia as bateias?
R – Era o seu Izídio mesmo que fazia. Hoje ele já é falecido, mas ele fazia. A renda dele praticamente era essa, fazia das toronas de mangueira, fazia as bateias de madeirinha.
P/1 – E você aprendeu a garimpar também ou não?
R – Mais ou menos (risos). Mas não tão bem quanto minha mãe, minha avó, mas mais ou menos a gente tem noção do que é garimpar.
P/1 – E como é que era viver? Por exemplo, você falou que aqui pra ir pra cidade não tinha estrada, eram trilhas...
R – Era trilho que passava um atrás do outro, a cavalo, não tinha estrada. Eu lembro muito bem.
P/1 – E como é que era quando ficava alguém doente?
R – Ih, era muito difícil quando adoecia aqui porque aquela ponte que vocês passaram nem existia. Tinha pinguela, mas quando chovia a chuva levava a tábua que fazia a pinguela. Pra você atravessar pra lá, então, às vezes era bem difícil. Hoje não, está tudo bem moderno, quando uma pessoa aqui adoecia era difícil porque tem saída por lá, mas por aqui era mais perto. Só que por lá tem córrego e por aqui também tem outra ponta daquele mesmo jeito lá, que já sai pra outros lugares, então, praticamente as pessoas ficavam ilhadas aqui quando era temporal de chuva, era muito difícil.
P/1 – E tinha alguém que cuidava dessas pessoas quando ficavam doentes? Tinha alguém que sabia lidar com raiz?
R – Sim, a minha avó, a minha tia Andresa, elas sabiam tudo em matéria de raizada, de garrafada, era o socorro, né? Mas às vezes necessitava mesmo de ir ao médico. Aqui as mulheres pariam os filhos aqui mesmo, tinha muita parteira. Hoje é que não, mas se dependesse de uma mulher em tempo de chuva atravessar pra lá, já pra dar a luz era complicado. Aqui tinha as parteiras.
P/1 – E sua mãe, ela teve os filhos com as parteiras ou...
R – Sim. Minha mãe é mãe de 11 filhos, tudo natural, eu vi a maioria dos meus irmãos nascer nas mãos das parteiras, na mão da parteira, era vó Ana, a gente chamava era de vó Ana. Bonito. Hoje que a mulherada não aguenta mais isso, não (risos).
P/1 – E como é que era? Você lembra de algum parto que te marcou? Como é que a dona Ana preparava a sua mãe, preparava o bebê?
R – A minha mãe aos nove meses de gestação, que antes não se fazia muito pré-natal. Ela conhecia muito, mas da natureza e da natureza dela mesma, né? Aí quando ela via que já era tempo dela parir, ela já começava a preparar, ela é uma mulher muito trabalhadora depois que ela aposentou da escola, mas tinha a lida em casa. Lidava o dia inteiro, então quando ela falava sempre eu que ia, montava no cavalo, no alto do açude aqui chamar a vó Ana. Aí ela falava: “Milda vai lá buscar a avó Ana que já vou dar à luz”. E aí os partos dos meus irmãos mesmo, do Joãozinho pra baixo eu presenciei tudo. Então ela chegava, dava-se um banho, um banho bem quente, com o andu, que é um feijão que tem aqui e que o pessoal come muito a folha dele, é muito boa pra essas coisas, né? Pra tirar ardores. Banhava ela com andu e aí era o processo normal.
P/1 – E tinha uma coisa com relação à criança, tinha algum cuidado com a criança?
R – Ah, um cuidado muito especial. Ela lavava, eu me lembro que ela lavava as tesouras que ela cortava o umbigo. Ela queimava ela logo depois de lavar com álcool, esterilizar com álcool, ela queimava, passava aquela tesoura no fogo pra não ter contaminação. Era uma coisa bem importante que hoje a gente já não vê mais, né?
P/1 – E ela preparava a criança depois que ela cortava o umbigo, ela dava banho, como é que era? Ela ficava junto com a criança?
R – Sim. Nascia ela cuidava de tudo, como se ela fosse uma enfermeira. Já tinha a roupinha tudo preparadinha, ela dava o primeiro banho, a minha mãe sempre amamentou. E ela acompanhava aquela criança uns 20 dias depois ainda.
P/1 – E me fala uma coisa, Romilda, você falou um pouco o que era produzido aqui, que tinha feijão, tinha milho, mandioca.
R – Sim, muita mandioca, fazia-se muita farinha. Fazia muita fécula também, que a gente não falava fécula, era polvilho. Fazia muito polvilho.
P/1 – E o polvilho era feito da mandioca.
R – Com a mandioca.
P/1 – E como é que é feito o polvilho?
R – O polvilho? Processo você descasca a mandioca, antes não tinha, hoje que tem o desintegrador, é tudo elétrico. Até então era ralado mesmo, ralado no ralo. E aí aquela água que você coa ela, dali é que você faz, você põe dentro de um tacho, ou dentro de uma gamela, aí todo dia você troca aquela água e ela vai filtrando, fazendo a goma. Aí todo dia você passa ela pelo processo do descaroçador, coa, peneira. Aqui fazia muito polvilho. Fazia os biscoitos, não comprava, não, as mulheres forneciam. Não comprava o polvilho, não comprava o leite, não comprava o ovo.
P/1 – E quais eram os doces que faziam, que você tem lembrança da sua infância, que eram feitos?
R – Até hoje elas ainda fazem o doce, o pé de moleque do coco indaiá, esse coco que dá aqui é um doce muito bom que até hoje as mulheres aqui ainda fazem, pessoal vende muito. Coco indaiá, o doce do coco indaiá. O doce de mamão também cortado era muito bom, que até hoje eles ainda fazem pra vender pra turista. Os doces de leite em pote também eram muito bons, que até hoje a comunidade ainda faz.
P/1 – E o Mané Pelado, era um doce que era da região?
R – É um bolo doce que sempre existiu aqui. Quando o pessoal do turismo chega aqui e fala Mané Pelado acha até engraçado, né? Mas fala-se Mané Pelado porque enrola ele na palha da banana, aí o pessoal mais velho aqui chamava esse bolo assim. Ele é muito gostoso, então sempre fez e todo mundo aqui sabe fazer esse bolo porque vai passando da mãe pra filha, da filha pra neta, todo mundo sabe fazer, muito gostoso. O Mané Pelado é um bolo de mandioca com bastante queijo.
P/1 – Ah, ele vai queijo também.
R – Sim, muito.
P/1 – E conta um pouquinho pra mim, seu pai mexia com roça, sua mãe dava aula e vocês ajudavam dentro de casa.
R – Sim.
P/1 – E quem acompanhava vocês na escola, era sua mãe ou eram os irmãos mais velhos que um ia acompanhando o outro.
R – Não, sempre a minha mãe, ela sempre foi muito atenciosa nas reuniões, sempre a minha mãe. Ensinar a gente também, que ela auxiliava muito, ela sempre gostou de ser professora e ajudava a gente muito também.
P/1 – E que horário que ela fazia isso e como é que era?
R – Sempre à noite, quando ela tinha tempo, porque ela trabalhava normalmente dois períodos, aí à noite ela não deixava de rever os cadernos, cobrava muito, sempre teve vontade que a gente estudasse. De forma que todos os meus irmãos cursaram o ensino médio. Se não continuaram a estudar foi porque depois não teve, mas enquanto ela pôde firmar a gente na escola ela firmou.
P/1 – E como era a diversão aqui? Porque você contou que vocês brincavam, ficavam até tarde, mas quando você começou a ficar mais mocinha, qual era a diversão da juventude?
R – As festas daqui mesmo, que aqui sempre teve, né? Sempre teve a festa do São Domingos, sempre teve essa festa de Santo Antônio, as festinhas, porque a gente ia muito pouco pra cidade, as festinhas daqui mesmo.
P/1 – E como é que era essa festa de Santo Antônio, conta pra gente um pouquinho.
R – A festa de Santo Antônio se hasteia a bandeira, que é o mastro do santo, e depois sempre teve um forrozinho, faz o forró, e depois serve as comidas típicas que sempre se viu no lugar, muita canjica, muita paçoca, arroz doce, galinha com frango, sempre, permanece até hoje fazendo.
P/1 – E a festa de São Domingos, quando que é?
R – É em agosto. Ela é no dia oito de agosto, também sempre teve essa festa do padroeiro.
P/1 – E você sabe por que ele se tornou padroeiro da comunidade?
R – Sim, sei. Eu não presenciei, mas a minha avó contava que a comunidade já esteve assim... hoje que fala, é mais comum, mas na época é tipo câncer. Só que antes eles falavam que era peste da bexiga, dava um câncer na bexiga das pessoas que elas duravam muito pouco tempo. Uma vez teve um padre aqui que fez um voto com São Domingos, até então a comunidade não tinha esse nome, era simplesmente um arraial. Depois que fez o voto, com a fé, e a comunidade foi valida, ele colocou o nome da comunidade de São Domingos, que nesse catálogo aí tem imagem, trouxe a imagem pra cá e tornou-se Povoado de São Domingos.
P/1 – Você comentou que sua avó era benzedeira. Como que ela...
R – Ela benzia muito quebrante, ventre virado, benzia carne quebrada, benzia ofensa de cobra, tudo ela benzia.
P/1 – Quer dizer, se alguém mordia por cobra ela benzia.
R – Ela benzia. E se tinha uma praga que antes aqui sempre foi tudo orgânico, nunca foi de bater muito veneno em nada. E aí de longe, não precisava nem ela ir na roça, aqui os arrozais sempre eram muito atacados por gafanhoto. Aí de longe ela benzia e os bichos sumiam. Benzia muita dor de cabeça, vinha gente de longe. Não cobrava, tipo missão mesmo, era benzedeira, minha avó Josefa, essa que morreu aos 102 anos. Pessoa maravilhosa.
P/1 – E me fala uma coisa, você comentou também dessa coisa da plantação e tal. Era comum ter mutirão aqui?
R – Sim, sempre teve. Hoje é que o pessoal é egoísta e tudo o que faz é pensando em dinheiro. Meu pai já participou de muito mutirão. Mutirão é quando, por exemplo, um amigo ou um parente com uma roça no mato, está sem condições de contratar gente, aí reúne a homaiada do lugar todo e vai fazer o mutirão. Aí passa o dia inteiro lá, limpa a roça, no final da tarde confraterniza. Aí enquanto os homens estavam no mutirão, a turma de mulher estava matando a galinha pra fazer a festa de noite. Aí de noite, pra comemorar o mutirão, eles dançavam muito a catira, dançavam muito lundu, que hoje também já não existe mais no povoado, cultura que aqui já teve e que hoje permanece só a carretagem. Mas eu já presenciei muuuito, muito mutirão aqui. Não trabalhando, mas presenciando meu pai ajudar e também ser ajudado.
P/1 – E o que é a catira, conta pra gente.
R – É uma dança que no ritmo da mão bate-se pés e mãos, é legal. Você ninguém viu?
P/1 – Nunca ouvi. Você quer cantar pra gente?
R – (risos) Uma música que eu sempre lembro que eles cantavam muito. Eu não lembro ela toda.
P/1 – É só um pedacinho.
R – É, eles cantavam muito assim (canta e bate palma): “Ô você de dentro, você de fora, ô você de dentro, você de fora. Estamos chegando, a roça vai ser limpa por Deus e Nossa Senhora”. Aí batia a mão, bati o pé (risos). É grande a música, que eles cantavam muito antigamente, que hoje não se tem muito por aqui mais a catira. Mas era bem bacana. Dançavam-se homens e mulheres também.
P/1 – Ah, então a catira homens e mulheres dançavam.
R – Sim, aqui dançavam homens e mulheres, dançavam festejando o mutirão, o que foi feito. Assim, tipo hoje tem as baladas, naquela época era catira no auge (risos).
P/1 – E o lundu, o que era?
R – O lundu normalmente dançavam também mais mulheres. É uma dança que as mulheres vestiam muito colorido, a saia grande, rodada, e dança como se bate nos pauzinhos. Hoje eles estão tentando, a Fundação Conscienciarte aqui de Paracatu está tentando fazer esse resgate, ensinando pras meninas mais novas, umas gostam, outras não, mas está tentando levantar esse resgate.
P/1 – E o lundu, essa dança, era feita em que época?
R – Qualquer época assim que se fazia, normalmente mais na época das colheitas, justamente era a dança pra comemorar o mutirão, a capina ou a bateção de pasto que aqui tinha muito, batia muito pasto.
P/1 – E a Caretagem? Conta pra gente quando ela é feita e como é a festa.
R – A Caretagem surgiu aqui, eu já nasci vendo essa cultura aqui. E a minha avó, a vó Josefa, contava que o bisavô dela já dançava, então, Paracatu tem 200 e tantos anos, a comunidade de São Domingos, a comunidade de Paracatu começou aqui nesse povoado, então São Domingos tem mais e é uma comunidade com mais de 300 anos, eu creio. E ela falava que no período desse avô dela que também viveu a escravatura, que o negro não podia muito se manifestar muita coisa, não tinha muita liberdade, então ele se mascarava, dançava todo dia pra celebrar a fé no santo, São João, dava do dia 23, todo 23 de junho, de final se semana ou segunda-feira eles dançam aqui. Isso vem desde aquela descendência e permanece até hoje. Aí eles dançam a noite inteira com essas máscaras, são 24 homens, mas 12 são cavalheiros e 12 são damas, são só homens que dançam, porém uns vestem-se de mulheres e não tiram as máscaras. Às vezes, a gente perguntava a ela por que eles dançavam mascarados e eles falavam que era justamente pros senhores não conhecerem quem estava ali manifestando aquela cultura e nem aquele momento de fé. Aí eles dançam em todas as casas do povoado. A Caretagem começa às sete da manhã no dia 23 e ela termina no dia 24 lá pelas duas, três horas da tarde. A noite inteira, eles dançam em todas as casas, hasteiam a bandeira de São João, comem, vão pra outra e assim até chegar na última. Começa lá em cima e termina, arremata, aqui. Que até então a Kinross é bem parceira com a gente da cultura, tá? Eles fazem as roupas, aqui até tem as roupas dos meus meninos que eu enfeitei já pra eles dançar. E ela é parceira também com a comida, sabe? Eles fazem um almoção e fica todo mundo, os dançantes tudo e todo mundo que acompanha, porque o pessoal acompanha a noite inteira, enquanto não termina, pessoal da comunidade, pessoal de fora. Vem gente até de outra cidade pra acompanhar pessoa remanescente daqui que vive em Brasília, que vive em Belo Horizonte. É uma festa muito bonita.
P/2 – Em Paracatu existem outras comunidades reconhecidas como quilombolas.
R – Sim. A gente está sempre junto.
P/2 – Vocês circulavam, iam pra outros lugares?
R – Não. Porque a sempre fomos comunidades diferenciadas, com culturas e tradições, até então foi descoberta essa comunidade aqui no início do Governo Lula, Projeto Fome Zero, que essa comunidade foi descoberta e registrada diante do governo federal como comunidade de remanescentes, até então a gente nunca soube, eles que chegaram. Esqueci o nome dele, historiador, que veio falar pra gente que a gente era uma comunidade remanescente justamente por causa da característica da comunidade. Fez essa descoberta, fundou uma associação muito boa e deixou aí pra gente, o Romeu Sabará, em Belo Horizonte. E depois fez o conhecimento também de outras comunidades, que é o Machadinho, que até então dessas comunidades quem vive na terra hoje é só a gente, só São Domingos. Tem o Machadinho que hoje eles não vivem eles lá mais, que hoje são terras da mineradora, que eles venderam tudo pra mineradora, foram embora. Tem os Amaros também que eram vizinhos ali da mineradora, mas eles não quiseram ficar lá mais, foram embora. E o pessoal do, esqueço um outro aqui, no fundo aqui.
P/1 – Pontal?
R – Do Pontal, pessoal do Pontal, que é só São Domingos e Pontal que o pessoal ainda vive nas terras, os outros não. Então aqui, confrontando aqui são quatro comunidades remanescentes. Eles vêm mais aqui do que a gente vai lá justamente por isso, porque hoje eles não vivem mais nas terras. A gente vai muito no Pontal, o pessoal do Pontal vem muito aqui.
P/1 – Você estava falando da Caretagem, o que é o comandante ou capitão, o que ele faz?
R – O comandante ou capitão é a mesma coisa, sempre é passado assim, quando o comandante vai ficar envelhecido, já não dá conta mais, ele passa a bandeira pro outro e assim vai. Então todos aqueles dançantes, eles temem e respeitam quem comandava porque dentro da Caretagem são sete passos de danças, então ele é que... tem os tocadores, ele comanda os tocadores e comanda também quem dança. Então tem que dançar todo mundo na sobriedade, não se aceita que se bebe nada de alcoolismo durante a dança, nem droga, nem nada. Então, todo mundo, obedece mesmo porque o comando é dele, bem assim, desde que foi criada. Até então antes o comandante não deixava muito que criança de dez, 11, 12 anos dançassem, a Caretagem era mais para adulto mesmo, hoje que eles estão deixando porque normalmente as pessoas mais velhas já não dançam mais e eles acham que tem que ensinar os mais novos pra que a cultura não acabe;
P/1 – Você comentou um pouquinho aqui da cana-de-açúcar, da cana. E hoje tem um engenho que hoje é a sua família... era da sua família já?
R – Era da minha família, sempre foi, do meu avô, depois passou pro meu pai e agora está com meu irmão Ronaldo.
P/1 – E o que vocês fazem nesse engenho, é só rapadura, faz açúcar, conta um pouquinho.
R – Não, açúcar não. Faz mesmo de junho a novembro, faz melado, pessoal compra muito também... Aqui a gente fala garapa, mas o pessoal fala caldo de cana. É uma cana muito boa, não tem sal na cana. E eles vendem o caldo de cana, fazem o melado, faz a rapadura comum e faz as batidas. Porém, quando chega mês de novembro que começa período chuvoso, aí eles param e recomeçam no outro ano seguinte, também a partir do mês de junho. De junho a novembro eles geram renda pra pessoas da família, pra outras pessoas da comunidade também que pegam o produto e levam pra vender.
P/1 – A rapadura, como é que ela é feita?
R – Ela é feita de maneira muito artesanal, muito bonita, tudo muito limpo, feito mesmo na gamela, vale a pena vocês irem lá conhecer. Eles põem a gamela, dentro da gamela põem o melado e tem uma pá, que é tipo uma colherzona grande, tudo de madeira, bate com essa madeira. É bom acompanhar o processo pra ver. Muito bom.
P/1 – Aí a rapadura depois, ela é embalada aqui também?
R – Sim, embalada aqui também. Em bancos, tem os bancos, tem as madeirinhas, aí eles lavam a folha da banana, sapecam, forram e põe. Em pouco prazo ela está em forma. É um doce, né?
P/1 – E como é que é? Você falou que fazia o melado, a rapadura e o licor, é isso?
R – Não. Primeiro o caldo da cana, depois é o processo do melado e depois do processo do melado, a rapadura.
P/1 – E você falou que tinha mais uma coisa.
R – Sim, a rapadura comum não leva leite, mas agora quando eles vão fazer – aqui fala-se batida – quando eles já vão fazer a batida da rapadura, então tem a rapadura de gamela e tem a outra também que além da cana tem o leite, outra de amendoim, acrescenta o pau do mamão, ou acrescenta o queijo, que é uma batida também muito boa.
P/1 – E ele fica parecendo um doce também.
R – Sim, você tem a impressão que está comendo a rapadura e o queijo, tudo junto, é muito bom, muito bom.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho pra gente. Você falou que você foi estudar nas escolas, você fez o primeiro grau, depois você foi pro Afonso Arinos e isso você fez até que ano no Afonso?
R – No Afonso Arinos? No Temistocles Rocha eu fiz pré, que até então era diferente, hoje que fala primeiro ano, mas até então eu fiz do pré à terceira série primária, depois fiz no Afonso Arinos o quarto ano primário e depois quando eu passei pro ginásio, que antes falava ginásio, foi no Antônio Carlos, na Escola Estadual Antônio Carlos.
P/1 – E você parou de estudar no Antônio Carlos.
R – Isso. No Antônio Carlos eu cursei de quinta a oitava série e depois cursei primeiro, segundo e terceiro ano.
P/1 – E nessa época você só estudava e ajudava em casa ou você já...
R – A gente não trabalhava fora, não, trabalhava era em casa mesmo, ajudando, sabe? Na lida de casa, ajudando o pai na lavoura, sempre filharada ajudando o pai.
P/1 – E como era o trabalho na lavoura? O que você fazia na lavoura?
R – Quando fui ficando mais adulta um pouquinho, plantava de matraca, capinava, tanto é que até hoje ainda continuo, tanto eu como meus irmãos, a gente limpava tudo, capinava muito, plantava muito arroz, colhia sempre, por veneno, né? Hoje tudo é com máquina, mas antes era tudo manual mesmo. Meu pai plantava muito arroz.
P/1 – E esse arroz era arroz de...
R – Que a gente não comprava arroz, a gente mesmo que plantava.
P/1 – Mas é arroz de seco ou é aquele arroz que tem água, como é que é?
R – Arroz mesmo comum, esse arroz que a gente come mesmo.
P/1 – Eu sei, mas você plantava ele na terra seca ou na terra molhada?
R – No período chuvoso, não tinha irrigação, era só período de chuva, em setembro, outubro, novembro era a época de plantar. E colhia muito. Hoje é que está mais difícil.
P/1 – E como era a colheita do arroz?
R – A colheita do arroz, quando ele já estava no ponto de colher, que ele amarela e o cacho é o trem mais bonito do mundo, hoje os meninos da gente não vê mais isso, o cacho dele dobra, aí você corta, passa pelo processo de seca e depois você guarda. Na medida que você colhe ele e põe ele dentro de uma casa porque ele não pode tomar chuva, depois você monta o girau e bate, você tira ele do ramo batendo, depois passa pelo processo de ensacar. Hoje que é tudo industrializado, mas aqui era tudo pilão, socava, ia socando de pilão mesmo. Assim que a gente comia, acho que é por isso que o pessoal aqui vive tanto, né, que era tudo muito saudável.
P/1 – Então seu pai plantava arroz e você ajudava. O que mais ele plantava?
R – Ele plantava muita laranja, criava muito porco. Tudo o meu pai plantava, tudo, tudo ele plantava, muito pouca coisa ele comprava.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho pra gente como as casas eram construídas aqui, se faziam mutirão pra ajudar na construção das casas, que tipo de material que usava.
R – Muito. Era muito solidário nesse sentido. As casas não tinham, quase não se comprava cimento. Hoje que não, já se modernizou muito, mas as casas aqui tudo eram feitas de adobe, as que eram de adobe eram chiquérrimas, as outras de pau a pique. E a gente misturava a terra de formigueiro, a bosta mole do gado (risos), a massa fina era isso. A mão mesmo. Já presenciei demais, sabe? Era chão batido mesmo, não tinha essa riqueza. Era casa de pau a pique, os adobe feito as telhas hoje. Aqui sempre teve, até hoje ainda tem uma olaria aqui, que meu marido mexe com tijolo, pega o barro ali e faz, mas hoje é tudo já na máquina. Até então fazia buraco manual, as formas, tudo manual, hoje é que já passa tudo na máquina. As telhas, não era nada assim industrializada, tanto que é tinha umas mais fininhas que punha o barro assim, pra fazer as telhas nas coxas das mulheres, aqui no povoado. Hoje no cemitério mesmo tem ela assim nos muros, pessoal procura elas muito pra fazer artesanato, hoje já não existe mais, não. Mas aqui se fazia a telha, se fazia o tijolo, fazia o adobe. E fazia também as casas de pau a pique com telhado até de (inaudível).
P/1 – E como é feito o adobe, você sabe fazer?
R – Sei. Se for pra fazer adobe a diferença é porque o tijolo, ele é menor. E o adobe é um tijolão, só que muito pesado e devido à forma também ser bem maior, punha-se muito mais barro, só que não passava... O tijolo hoje passa pelo forno, queima, né? O adobe não e não derretia, não. Chovia, chovia e ele não derretia. Hoje ainda existe aqui só a do Aureliano que eu te falei, que é o velhinho de 105 anos, é que eles preservam ela porque ela serve de museu onde eles recebem turista pra ver. E lá tem, ele tem lá a forma do adobe, tem o adobe lá pronto, que aqui não tinha muito, nada industrializado, não, é tudo muito natural.
P/1 – E a casa de pau a pique, ela era feita como?
R – Furava-se com a boca de lobo, botava o pau, sempre se botava um aqui mas ficava uma brechinha, né? Aí essa brechinha era tampada com barro, com esse barro que estou te falando, e com estrume da vaca, que acabava de barrigar, pra quem está lá fora não ver quem está lá dentro não vê nada lá fora e nem quem está lá fora vê lá dentro. E o chão batido. Em tudo foi criado assim aqui.
P/1 – E o forro da casa era feito com o quê?
R – O forro de cima? Muitos às vezes punham uma camada de, aqui tinha muito coco buriti, que hoje ele não existe mais devido aos córregos terem secado muito, mas com uma camada de palha do buriti, uma camada de barro e outra camada da folha do buriti. E não goteirava. Os que podiam pôr a telha, essa telha que estou te falando, eram os melhores, os mais carentes, era telhado de folha de coqueiro mesmo. Depois que foi... Ih, se deixassem do jeito que era a comunidade hoje era bacana de se ver, se tivesse feito, deixasse o velho e feito o moderno ao lado, mas assim que foi melhorando ninguém mais quis ficar nessas casas, não, foi melhorando. Até hoje, as pessoas que vêm de fora falam, o Lavoisier mesmo: “Mas por que acabou com a estrutura do lugar, por que deixou descer asfalto”. Ah, mas a gente quer melhoria, né? A gente não quer ficar até hoje com luz de lamparina, não, a gente quer eletricidade (risos). Então, que fique o novo e o velho, mas os únicos que permaneceram com essa moradia foi o pessoal do tio Aureliano, eles fizeram a outra do lado e permaneceu a outra.
P/1 – E Romilda, me fala uma coisa, você parou de estudar por quê?
R – Cursei o ensino médio, logo eu já me envolvi com meu marido, adquiri família. Depois de algum tempo me casei e ficou mais difícil voltar a estudar. Sempre eu tive o sonho de continuar estudando, mas nunca deu (risos).
P/1 – E como é que você conheceu o seu marido?
R – Aqui também. Normalmente aqui, é muito difícil sair fora daqui pra casar. Aqui só casa primo com primo, tem caso até de tia casada com sobrinho. Aqui o pessoal não sai muito pra fora pra casar, não, a negrada daqui se conhece e se casa aqui. De forma que ele é meu primo primeiro, é filho de uma tia minha. E normalmente aqui todo mundo se casa assim. Graças a Deus nunca teve na genética dos filhos, que até então os que casam hoje é que vai fazer o pré-natal e o médico avisa: “Vê se não vai dar problema com os filhos”. Antes nunca deu não (risos).
P/1 – E quanto filhos vocês tiveram?
R – Quatro.
P/1 – O casamento de vocês foi mais ou menos em que ano?
R – Eu me casei no ano de 1980. Casei mesmo na igreja no ano de 1986, mas já tinha meus dois primeiros filhos, depois que eu me casei, na igreja daqui mesmo.
P/1 – E vocês foram morar onde?
R – Aqui em cima. Eu morei 15 anos com a minha sogra antes de eu vir pra essa casa aqui, eu morava de lá.
P/1 – E seu marido, nessa época ele fazia o quê, quando você conheceu ele?
R – Ele sempre, desde pequeno, mexia com trator gradeando. O pai dele tinha um trator e ele mexia com gradagem de terra. Tanto ele fazia gradagem das terras como saía pra outras roças, pra outras fazendas também pra gradear a terra. Saía na sexta-feira e retornava, ficava por lá uma semana, até 15 dias, depois que retornava pra casa. Ele sempre mexeu com máquina, sempre foi motorista.
P/1 – E você morava com sua sogra e ele continuou trabalhando com as terras.
R – Sim. Com as terras e no garimpo. Quando meus filhos cresceram, já tinha chegado no povoado o garimpo com a dragas, com os moinhos, aí aqueles restos de moinho que o meu cunhado mexia a gente restaurava, pegava o ouro.
P/1 – E como era essa garimpagem quadrada e com o moinho, conta pra gente como era.
R – Tinha um moinho, ele quebrava as pedras, né? O moinho era uma máquina que quebrava as pedras, depois passava pelo processo as bicas e apurava o ouro. Já a draga furava buraco mesmo, você montava ela puxando uma água de um córrego, se aquele barranco tivesse ouro, aquele barranco, aquela mangueira das dragas derrubava. A draga judiava muito da natureza, o processo da draga era bem diferente do moinho. O moinho eles pagavam os caminhões, coletavam, eles são dono desse morro aí, puxavam as pedras do morro, levava pro córrego pra quebrar.
P/1 – E você trabalhava por conta própria ou você era contratada?
R – Por conta própria, eu com a minha sogra por conta própria porque as terras eram deles, tudo era deles.
P/1 – E dava muito ouro? Quanto é que você tirava?
R – Sempre deu muito ouro. Na época, o ouro não era tão valorizado como agora, mas ouro sempre teve valor, né? Dava, tirar de maneira manual de segunda à sexta, quando dava sexta-feira dava 40 gramas de ouro, 20 minha e 20 dela. Ouro sempre manteve a economia do povoado.
P/1 – E vocês vendiam onde?
R – Tinha aqui um senhor, hoje ele já faleceu, ele comprava muito o ouro. Era o senhor Pedrinho Alves que comprava do pessoal do São Domingos. Hoje já não existe mais, não. Ele fabricava muitas joias, ele era joalheiro. Ele comprava todo ouro pra fazer joia e vender na joalheria dele.
P/1 – E o que vocês faziam com o dinheiro na semana? Vocês compravam as 40 gramas de ouro e aí ia...
R – Mantinha comida, mantinha a casa, manutenção geral. Filharada na escola, filharada em geral. Era a economia.
P/1 – Romilda, você falou que quando a luz chegou foi uma festa danada. Conta pra mim como foi.
R – Ah, foi! Foi porque, nossa! Até então, a televisão aqui na casa do tio Aureliano mesmo tem a televisão ainda a bateria, não tinha energia e a bateria do carro mantinha a televisão. Menina, mas a gente ia tudo, às vezes, eles deixavam a gente entrar pra ver, às vezes não. Então, quando chegou energia todo mundo passou a ter acesso, passou a ter acesso a um rádio bom, radiola... Eu ainda falo radiola, mas nem é radiola, uma radiola boa, aquelas radiolinhas com agulha, a gente dançava muito com aquelas radiolas. Ah, na medida que chegou a energia melhorou a vida em geral, muita coisa melhorou. Só de clarear tudo (risos). Porque dava de manhã cedo, a gente amanhecia com o nariz puro borrão das lamparinas porque as lamparinas davam uns borrões pretos, nossa! Mas tinha que ter, né, antes do lampião, que primeiro foi a lamparina, quando foi lampião já foi um sucesso, que o lampião a gás. Mas também não era todo mundo... Lamparina sim, todo mundo podia ter, tinha que ter. O lampião já não era pra todo mundo, que já era mais caro, tinha que comprar, era com um bojãozinho de gás assim, né? Aí depois a prefeitura trouxe a energia, foi muito bom.
P/1 – E você já estava casada quando a energia veio ou não?
R – Não, não, não.
P/1 – E você lembra o que seus pais compraram, fizeram, logo que a energia chegou?
R – Nossa! Foi uma geladeira. Meu pai tanto vendia, como minha mãe toda vida gostou muito de capado gordo, porco gordo, e sem ter onde pôr, não tinha freezer, não tinha uma geladeira, era muito difícil, a gente tinha que retalhar aquilo tudo, minha filha, com açafrão cultivado aqui mesmo. Aí cultivava as bandas de toucinho e você tinha que salgar muito pra não perder nem pegar bicho com açafrão e punha dentro dos jacá, uma camada de toucinho e uma camada de palha, uma camada de toucinho, uma camada da palha do milho, praquilo não perder. Era muito difícil. Então, quando veio a energia, a primeira coisa que meu pai adquiriu foi uma geladeira. Foi uma festa quando viu que não tinha mais aquela peleja, depois ele arrumou um freezer grande, matava os capados e jogava lá porque ele gostava de muita fartura. Mas, sem energia não tinha jeito, era muito mais trabalho pra gente. Facilitou muito, né? Então a primeira coisa que eu me lembro que eles compraram foi uma geladeira, uma geladeira azul (risos). Eu conto isso pros meus filhos, eles riem (risos). Tem hora que a gente fica até emocionada, né?
P/1 – É. E você falou que o seu Aureliano tinha essa televisão à bateria.
R – Sim, à bateria, mas tinha dia que eles estavam meio cheio de xiboca e eles não gostavam muito que a gente olhasse, mas nossa, eu me lembro do Vila Sésamo, o Sítio do Pica Pau Amarelo, meu Deus. Tinha horas que a gente até apanhava porque a gente fugia pra ver essa televisão. Às vezes, a gente via até da frestinha da janela porque ele fechava a janela. Era o único do povoado que tinha essa TV pequenininha, que hoje ela é museu. Hoje ele tem a grandona nessa casinha de adobe, ele tem essa televisão que eles mostram lá. E lá tem também a lamparina, lá tem um outro processo de uma lamparina que pregava na parede, a candeia. Ele tem a lamparina, a candeia, o lampião e tem fotografias de quando chegou o jornal, chegou a energia elétrica pelo povoado que eles mostram pro turista. Então quando chegou a energia, que todo mundo teve acesso pra comprar foi bom demais. Porque até então às vezes tinha condições de comprar a TV, mas não tinha energia, né?
P/1 – E esgoto, água, como é que era, quando é que chegou?
R – Também era outra coisa difícil aqui que não tinha, né? Depois que chegou, que até então água era em pote, isso aqui é que a gente bebia a água, entendeu? Aí punha uma tampa (risos), os meninos hoje mesmo riem. Aí você punha um prato, não existia prato de louça, punha lá um prato esmaltado, e um copo em cima. Você enchia o pote de água e enfiava o copo lá dentro pra beber. Não tinha água canalizada, igual poço artesiano que foi a mineradora que forneceu pra gente, que furou há muito tempo, não tinha esse processo, não. Quem tinha condições de furar um buraco e pôr a fossa fazia, mas quem não tinha era muita coisa a céu aberto. Depois que pôs que melhorou muito, melhorou muito.
P/1 – E hoje está tudo encanado. Hoje é o esgoto.
R – Hoje todo mundo tem rede de esgoto, tudo, graças a Deus.
P/1 – E a água ainda continua na base do poço artesiano?
R – Sim. Na base do poço artesiano. Aqui não tem Copasa [Companhia de Saneamento de Minas Gerais], não, tem poço artesiano. Na realidade aqui a gente não paga água, a gente paga a energia do poço, que metade é da Kinross e metade é responsabilidade da Associação [de Moradores]. Eles têm também essa parceria boa pra caramba.
P/1 – E conta uma coisa, quando é que você começou a entrar nessa coisa da demanda, das lutas da comunidade para conseguir melhorias?
R – É porque a gente sempre via, acho que não está em mim, mas as pessoas sempre viam tanto na minha pessoa, fomos as primeiras, eu e a Cristina, depois as pessoas mais velhas, até quando eu me entendi por gente, né? As demandas, as pessoas sempre veem a gente como uma certa liderança. Querem um conselho, vêm na gente, pra fazer uma coisa com a gente, a gente sempre teve espírito de líder. E a gente sempre via a vontade de melhorar a comunidade, ter espaços, ter uma associação legal, que até então se você: “Ah, aquela rua está ruim, não passa nem carro”, pra você ir reivindicar na prefeitura, você chegava e eles perguntavam: “Tem uma associação legal? Tem representantes?”, então a gente viu a necessidade, foi que a gente organizou o CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica] e vem até agora lutando pra melhorar a vida da comunidade. Muito tempo depois, antes era a prefeitura, quando surgiu foi a RPM [Rio Tinto Mineração], não era a Kinross, depois de um tempo é que chegou a mineração que hoje eles são dono da maioria da terra do povoado, não invadiram nada, venderam pra eles. Eles chegaram e a gente toda vida se relacionando muito bem, nunca teve nada de conflito. A não ser quando o pessoal vai lá no rejeito deles, que eles põem polícia. Mas o pessoal corre, fica de boa. Aí também depois que eles chegaram, são bem mais parceiros do que antes RPM, depois Kinross, mas toda vida tiveram com a gente uma parceria que prefeitura nenhuma nunca teve, sabe? Então até hoje a gente está aí na liderança.
P/1 – E essa associação foi montada lá atrás e quem foi a primeira...
R – O primeiro presidente? Foi o José dos Santos. Ela foi montada no ano de 1978 e está firme até hoje. Governam-se quatro anos, muda a diretoria, muda tudo, entra outra, às vezes até repete uma ou outra que já foi, né? Mas estamos aí, nunca deixou morrer.
P/1 – E você foi presidente quando?
R – Eu fui presidente no ano de 1994, 95, 96, 97. Depois entrou a Cristina, depois entrou eu, depois agora é a filha da Cristina. Uma sai e a outra pega, porque ninguém quer pegar porque é um trabalho voluntário. Aqui era uma dificuldade quando chovia. Nossa, dificuldade pra ir pra escola porque antes não tinha ônibus, mas quando o ônibus passou a descer, o transporte, o Transpar, hoje que é Sempre Viva, quando chovia não descia. A gente viu a necessidade do asfalto, então através da associação unida e organizada foi que conseguimos asfaltar todo o povoado, vocês veem que é tudo asfaltadinho, né? Mas antes não era assim. Então foi através da associação organizada, que tem força.
P/1 – Quando você foi presidente da primeira vez qual foi a maior reivindicação que a comunidade tinha e que você foi lutar pra conseguir?
R – Foi construir... A igreja daqui estava caindo. Construir uma igreja nova. Não sei se vocês conheceram ela ali. Construir aquela igreja, depois sempre teve um centro pastoral lá perto da Cristina, mas toda vida estava muito desmoronado. E pra gente levantar com a gente era difícil, prefeitura a gente recorreu à RPM, que hoje é Kinross, montamos a estrutura, hoje lá funciona uma fábrica de biscoito muito boa que gera emprego para umas 12 famílias daqui.
P/1 – Então a fábrica de biscoitos surge durante a sua gestão, quando você foi presidente.
R – Sim, sim, depois passou pra outra que deu continuidade, graças a Deus. Que às vezes uns não têm, aquele projeto que na gestão da gente a gente deixou, o outro já não tem ação pra seguir, mas graças a Deus a fábrica de biscoito está seguindo.
P/1 – Essa fábrica de biscoito é só biscoito, o que ela faz?
R – Sim. Faz biscoito e bolos, faz biscoito em geral. A comunidade é turística, sempre tem turista aqui e eles servem café da manhã, lanche e fornece também pra feira livre daqui. Estão sempre na ativa.
P/1 – E quando você no seu segundo mandato, qual foi uma outra ação que você achou que foi necessário fazer, que foi demandado.
R – O Centro Pastoral está ao lado da igreja, Centro Pastoral Cristina Coutrim, era uma demanda também porque precisava muito porque às vezes pra fazer uma reunião, nossa, mas era difícil um local próprio da comunidade. Então esse local gera renda também pra comunidade porque a gente aluga, o pessoal da Kinross mesmo faz reunião aí direto, sabe? Aí eles pagam uma pessoa pra manter sempre esse espaço limpo, organizado, então já gera renda pra alguém da comunidade, né? Assim a gente aluga o espaço além dele nos servir, a gente com ele gera renda.
P/1 – E por que ele chama Cristina Coutrim?
R – É uma comunidade, tem uma política, citou vários nomes de pessoas mais velhas pra escolher o nome e o nome da Cristina Coutrim foi o escolhido, justamente por ela ser uma grande liderança, pessoa maravilhosa, aí o nome dela foi o mais bem votado. Centro Pastoral Cristina Coutrim. Não sei se vocês chegaram a conhece-la.
P/1 – A gente passou por fora. Ah, Cristina, já fizemos o depoimento dela.
R – Ah, já? Ah, pois é, é ela.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho do processo de reconhecimento da comunidade como quilombola pela Fundação Quilombo dos Palmares. Como se deu isso?
R – Esse Romeu Sabará, o primeiro projeto Fome Zero que houve aqui foi um projeto grandioso de criação de galinha que muitos ainda mantêm até hoje, que ele trouxe esse projeto. E o reconhecimento foi feito por ele, quando ele chegou e conversando com algumas pessoas ele viu que a comunidade era formada só por três raças, todos negros, e que em frente a uma igrejinha tinha um cemitério. Ele falou, essas características já bastaram pra ele. E os muros de pedra, que aqui tem muito muro de pedra. Ele já nos organizou como associação também, que aqui tem duas associações, dos moradores e dos remanescentes. Que aqui tem seis famílias que vivem aqui mas não são remanescentes. A gente se dá muito bem mas eles não são daqui, mas moram aqui. E tem duas associações, que foi formada depois do reconhecimento e veio a dona Bernadete, de Brasília, pra nos dar o documento, a gente tem o reconhecimento no documento mesmo.
P/1 – E a associação de quilombolas, como ela age, o que é diferente da associação de quilombolas da associação de moradores?
R – É porque a associação de quilombolas é igual, por exemplo, teve um outro projeto aqui grandioso também, do Governo Federal, de moradias. Muitas casinhas idênticas que têm aqui, foram feitas 90 moradias, projeto voltado só pra remanescentes, de forma que os outros que não eram quilombolas não tiveram direito a esse projeto, não puderam entrar. É porque a associação de remanescentes, por exemplo, se chega um projeto é só pra remanescentes, sabe? Ela é voltada pra negrada daqui mesmo, outras pessoas não fazem parte, os de fora não fazem parte. Porém, a gente se dá muito bem com todos, tá? Temos um documento esperando a demarcação do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que ainda não aconteceu pra demarcar as terras, que é o sonho da gente, é demarcar as terras porque hoje, umas famílias moram muito emboladas devido às terras serem poucas, né? Então a gente espera a demarcação das terras.
P/1 – E as receitas dos biscoitos, dos bolos que são feitos pela fábrica de biscoitos? Essas receitas, da onde vieram?
R – Uai. Várias, tipo, o bolo de fubá, bolo de fubá muito bom que eles fazem, receita das mulheres mais velhas daqui. Mas outras são receitas mesmo criadas pelas próprias biscoiteiras mesmo, já mais modernas. Mas tem muito, biscoito de polvilho mesmo, que é receita que a Cristina aprendeu com a mãe dela, que as filhas dela que até hoje participam do projeto fazem. Então, tem muitas dos mais antigos, mas tem muitas mais modernas.
P/1 – Tem receitas que são passadas de pai pra filho.
R – Tem. Lá tem.
P/1 – E me fala uma coisa, Romilda, o que significa preservar a cultura e a tradição pra você?
R – Eu acho muito importante essa preservação que a gente vem passando pros mais novos da comunidade, até mesmo pra valorizar os antepassados, né? Valorizar as pessoas que já passaram por aqui, já conviveram com a gente e deixou pra gente esse legado que eu acho que a gente deve continuar, né? Tipo a dança da Caretagem, outras coisas também já acabaram e a gente tem muita vontade de resgatar justamente por isso, pra manter viva essas memórias dessas pessoas que nos ensinarem.
P/1 – O que ficou que você acha que precisa ser resgatado? O que seria?
R – Uma coisa que a gente tem vontade de fazer o resgate aqui era o artesanato que antes a gente fazia muito, do barro, da argila também se perdeu. Das danças, a gente tem muita vontade de restaurar a catira, apesar que a gente acha difícil porque hoje você tem um jeitinho muito especial pra falar com os jovens porque hoje tem muitos jovens que às vezes, pessoas de fora, vocês estão vendo esse trabalho que foi feito por um grupo lá de Brasília, da Faculdade Católica lá de Brasília, veio fazer o trabalho com a gente e eu me lembro que na época ela falou que ela estava fazendo doutorado, foi o trabalho mais brilhante que teve na faculdade foi esse, esse catálogo. E às vezes pessoas vêm de longe, ou escolas da cidade vêm pra cá trabalhar a história com a gente, fazer trabalhos com a gente e os daqui, às vezes, quando você fala: “Você é remanescente de uma comunidade quilombola?”, eles não gostam de falar, parece que sentem voltando ao período do sofrimento, né? Mas não vê que é uma comunidade importante porque é forte na história do lugar, na história da cidade, na história do país, né? Porque a escravidão teve o sofrimento na verdade mas foi dono de muita riqueza do país, ajudou na riqueza do país. Então eu acho que falta assim, até trabalhar a importância dessa remanescência na cabeça da juventude pra depois fazer esse resgate da catira, do lundu, né? Então tem hora, não são todos os jovens, os mais velhos não, os jovens daqui que gostam, que falam que são remanescentes de um quilombo, não. Parece que eles voltam lá no período da escravidão e não gostam nem que falem. Já outros, tem por exemplo o pessoal do tio Aureliano mesmo, que tem essa casinha de adobe, pessoal vem de fora e cada pessoa paga dez reais pra olhar a lamparina, cada pessoa. Então eles vivem muito do turismo. E tem meu menino mesmo, ele fala: “Mas mãe, pessoal da cidade é bobo, que dia que eu vou pagar dez reais pra ver lamparina?” (risos). Eu falo: “Mas a importância, isso é história, passou a história que fica e que a gente já viveu. Você não, mas a gente já viveu muito dessa história, né”. Então é importante a gente fazer esse resgate na cabeça deles pra ter essa valorização pelo lugar, pra valorizar o lugar, que tiver de lutar pra ser de bom que seja feito aqui, que acho que a comunidade ainda precisa melhorar muito, crescer muito.
P/2 – Eu gostaria que a senhora contasse mais quando a RPM chegou aqui. Que ano foi, que período e como foi essa chegada da RPM.
R – Eu não me lembro bem, sei que tem bastante tempo, muitos anos, não me lembro bem a data. Mas assim que a RPM chegou valorizou muito a renda, ela empregou muita gente, as empreiteiras empregaram muita gente. Às vezes as pessoas falam que ela chegou e o garimpo artesanal da gente acabou devido a ela chegar, mas não foi. Quem tirou o garimpo na porta da gente não foi a mineradora, foi o meio ambiente devido à devastação que já estava no povoado, nos córregos. Eu sei que quando ela chegou, logo logo eles já procuraram, até então era Cristina a presidente, mas eles já procuraram a Cristina com a questão que queriam ser parceiros, até porque quando eles chegaram eles compraram, as primeiras terras que eles compraram aqui foi o Cachoeira, que é bem vizinho da gente ali, as terras pra lá são deles, eles já quiseram fazer com a gente essa parceria, essa união com as lideranças, então a gente sempre lidou muito bem com eles.
P/1 – Você comentou agora que, por exemplo, quando eles chegaram na verdade não foram eles que impediram vocês de continuarem, que foi o meio ambiente.
R – Sim, foi o meio ambiente.
P/1 – E por que que o meio ambiente proibiu vocês de fazerem o garimpo?
R – Eles alegaram que era por causa da devastação da natureza mesmo. Por exemplo, naquele barranco tinha uma aroeira, tinha uma madeira de lei, derrubava-se tudo, eles metiam a mangueira em cima. Até hoje ainda tem muita cratera aqui, né? Então eles falavam que era por isso, que estavam destruindo muito a natureza.
P/1 – E os córregos, também foram poluídos?
R – Afetados de alguma forma, sim, porque muitos córregos mudaram até o circuito, o córrego corria ali, passava ele pra lá. Eles passavam ele pro outro lado, né? Então as dragas destruíam muito. Muito, muito, muito.
P/1 – E usava-se mercúrio nesse processo?
R – Sim. Do processo natural nosso?
P/1 – Não, da...
R – Da draga? Já. Aí o processo de quando a minha mãe e a minha avó garimpavam não, é como eu estava contando pra vocês, que limpava-se com imã, mas depois veio. Até hoje ainda se acha, quando se cava ainda se acha mercúrio por aqui.
P/2 – E o meio ambiente vinha.
R – Sim.
P/2 – Fazia vistoria.
R – Justamente por essa poluição também nos lençóis freáticos, através do mercúrio, é que foi proibido. Porque às vezes a pessoa usava, mas não sabia usar de maneira correta.
P/1 – E essa aproximação da Rio Tinto com vocês, quais foram os primeiros projetos que ela desenvolveu com vocês aqui?
R – Com a gente foi um projeto de plantação de hortas. Ela montou as estufas, depois criação de galinha. Depois criação de porcos. Foram os primeiros projetos.
P/1 – E nesses projetos eles traziam o quê? Eles traziam alguém para ajuda-los a estruturar?
R – Sim. Eles punham toda a estrutura, por exemplo, os primeiros manejos dos pintinhos eles traziam. Ensinou a gente a cuidar e depois abriu portas pra que fosse vendido. Era pra ser criado abatedouro, mas não foram todas as famílias que continuaram o projeto, aí não foi viável abrir com as poucas que permaneceram. Ainda tem muita gente que permanece criando.
P/1 – Você continua produzindo?
R – Sim. Eu, pessoal da Cristina, aqui do lado pessoal do Zé Ferreira, ainda continua.
P/1 – E vocês trabalham basicamente com ovos.
R – Uns com ovos, outros com frango. Foi um dos primeiros projetos que ela trouxe.
P/1 – E vocês vendem onde?
R – Tudo pra mercado.
P/1 – Tudo pra supermercado.
R – Supermercado. Com selo de garantia e tudo, que também foram portas abertas pela Kinross.
P/1 – E quais foram os outros projetos que vocês desenvolveram?
R – Depois foram projetos de moradia, que ela também teve participação nos projetos de moradia porque a parte de forro, a parte elétrica ela foi parceira. E na reconstrução da sede de moradores. Aliás, o primeiro projeto dela foi a parceria com a água, foi o poço artesiano, o primeiro projeto da Kinross, até antes RPM, foi o poço artesiano, muito importante, eu havia me esquecido, a água aqui era uma peleja, quando ela entrou foi parceira. E pra nós era muito difícil, ela nos ajudou e mantém até hoje pagando meio a meio, nos ajudando. E por último, depois veio projeto de criação de bichos e por último continua com o projeto de energia da água e o centro pastoral. Fora numa manifestação cultural precisa de uma sanfona, precisa de um violão, pra gente é mais difícil. Tudo ela banca. As roupas precisam ser enfeitadas novamente porque já estão velhas, ela banca. Tudo, é uma grande parceira.
P/1 – E quando vocês fazem a festa da Caretagem o que é arrecadado fica pra associação dos moradores.
R – Sim.
P/1 – E vocês aplicam esse dinheiro aonde? Esse dinheiro da renda?
R – É aplicado também em forma de projetos. Por exemplo, se tem uma pessoa doente a associação ajuda. Se tem uma família precisando de alimentação a gente sempre ajuda com cestas básicas, fica em torno da comunidade mesmo. Com remédios. Que tem muita gente carente ainda.
P/1 – E você comentou com a gente que tem umas nove famílias que moram aqui e não são remanescentes dos quilombolas.
R – Sim, são pessoas de fora, mas a gente se dá muito bem.
P/1 – E essas pessoas vieram...
R – Sim, compraram lotes, construíram e estão aí.
P/1 – E são pessoas de Paracatu mesmo?
R – De Paracatu mesmo, que desceram pra cá e não têm vontade de sair (risos).
P/2 – Quando a gente lê e também escuta muito falar que anunciaram que aqui no Morro do Ouro tinha não sei quantas toneladas na década de 80. Vieram muitas pessoas de fora, você notou uma...
R – Sim. Nossa, na época do garimpo mesmo de draga e de moinho, meu Deus! Isso aqui à noite era um barulhão danado, sabe? Veio muita gente de fora atrás do ouro e tiraram ouro. É por isso que se fosse só os dragueiros do São Domingos, não tinha, o que devastou foi porque veio muita gente de fora. E o leito do córrego é livre, quem manda é o meio ambiente, né? Veio muita gente, muita gente mesmo. Ah, se estivesse isso até hoje acho que o povoado nem existia mais, não, era só grota (risos). Era só grota. Que até então a mineradora garimpa mas, enterra as dela, não afeta a gente pra cá.
P/1 – E esse pessoal que veio nessa época, da década de 80, eles ficavam onde? Ficavam aqui na comunidade?
R – Dentro da comunidade mesmo, abarrancado de lona, tipo sem-terra. Tipo Serra Pelada. A comunidade era um frejo de gente de fora, vieram vindo atrás do ouro.
P/1 – E como prejudicou vocês? O que impactou esse bando de gente aqui que chegou?
R – Justamente isso, acabaram com a maioria dos córregos, córrego bom da gente foi destruído. E muita gente assim, a comunidade sempre... não que a gente é arisco tanto nesse sentido, mas a comunidade sempre foi fechada mais com o pessoal da gente mesmo, todo mundo que chega é bem acolhido, mas aquela mexida com tanta gente da comunidade não era bom, não. Graças a Deus quando fechou o garimpo foi esse povão embora (risos).
P/1 – E você acha que teve uma mudança com a chegada da Kinross e da RPM, tinha uma diferença na forma de lidar com a comunidade?
R – Acho que antes na RPM era mais fácil. Não sei se é por causa que sempre entra e sai pessoas, principalmente na parte da Comunicação, que hoje diz que é só o Otávio, antes eu achava que era mais fácil. Acho hoje o acesso das associações até eles mais difícil, antes eu achava mais fácil. Quando era meu tempo e da Cristina era mais fácil. Hoje a Irene fala que está mais difícil mas, tem sempre as parcerias, nunca morreu, não.
P/1 – E conta um pouquinho pra mim. Você falou que você teve quatro filhos. E eles já estudaram em escola aqui ou eles estudaram em Paracatu?
R – O primário deles foi tudo aqui, do primeiro ao quarto ano, que sempre só da primeira até a quarta série, depois quem quisesse cursar o ensino médio tinha que ir pra cidade. Aí, estudaram na cidade. Todos cursaram o ensino médio na cidade.
P/1 – E seus filhos hoje são todos casados, são solteiros, conta um pouquinho e fala o nome deles.
R – É o Arnon, ele não é casado legalmente mas já tem uma companheira, que tem esse meu netinho, Nicolas. Tem o Arlei que também não casou. Ninguém deles é casado. O Athos é solteiro. Tem a minha filha, Débora, que eu só tenho ela de mulher, ela tem um relacionamento também mas não é casada, não. Mas também o moço vive na casa dele, ela vive aqui, mas estão pretendendo se casar.
P/1 – E eles estudaram até que ano?
R – A Débora cursou o ensino médio. Só o Arlei que não, mas o resto, todo mundo cursou o ensino médio.
P/1 – E eles trabalham com o quê, hoje?
R – A Débora, minha menina, é doméstica, ela trabalha em casa de família há muitos anos. O Athos teve um tempão lá na mineradora, hoje ele está em outra usina. E no mais os outros ajudam o pai aqui na fábrica de tijolos, fazendo tijolo.
P/1 – E faz tempo que o seu marido tem essa fábrica de tijolos?
R – Muito anos, muitos anos ele tem a fábrica de tijolo, que é aqui do lado. O barro é extraído das terras deles mesmo, eles têm a fazenda aqui.
P/1 – E essa substituição do tijolo queimado do adobe foi por que essa mudança ou ele já fazia adobe e depois passou pra técnica do tijolo queimado?
R – Tipo pra modernizar mesmo, pras moradias terem mais segurança, terem uma aparência melhor, mais bonita. Eu sei que do adobe já pulou pro tijolo, totalmente diferente. O adobe não se queimava, o tijolo eles queimam. Gera renda porque compra lenha de outras pessoas, eles também empregam outras pessoas, é uma empresa organizada.
P/1 – Eu queria que você falasse pra gente qual é o seu sonho hoje, Romilda?
R – Meu sonho hoje? (risos) Ah, agora eu estou com um projeto de aposentadoria, que a mulher rural aposenta-se aos 55 anos. Eu tenho um carro aí na garagem, meu marido tem uma moto, tem umas duas motos, e às vezes a gente vê dificuldade de entrar pra ir ali, pra ter a independência da gente, então meu sonho agora é me aposentar e nem que eu deixe o dinheirinho guardado lá uns três meses, fazer o cadastro para que eu possa tirar minhas carteiras de moto e de carro e ter minha independência (risos). No momento, é esse o meu sonho. Mas eu sou uma pessoa muito feliz, minha família é criada, meus filhos ao redor de mim, eu sou feliz, nesse povoado onde é muito lindo viver aqui. É muito bom viver num lugar que você nasceu, cresceu, conhece todo mundo. Aqui não tem violência, as coisinhas aqui, por exemplo se chega, a polícia que anda fazendo ronda lá em cima, quando chega lá na cidade ela elogia que o povoado é muito sossegado, não tem problema com nada. Aqui usa-se muito os mais novos obedecerem aos mais velhos, sabe? Dar a benção, ser abençoados, ouvir conselhos, muito bom.
P/1 – E como é que foi pra você contar sua história pra gente?
R – Uai, achei interessante. E legal também, saber que a minha história é importante pra vocês, que vocês querem saber da minha história, da minha vida, né? Me achei importante (risos).
P/1 – E tem alguma coisa que eu não te perguntei e que você gostaria de deixar registrado, que você gostaria de contar pra gente?
R – Se tem? Sim, vocês falaram sobre o meu pai mas, eu costumo sempre falar assim, às vezes quando a gente está na vida ativa da igreja, se fala muito em se passar dessa vida pra outra que todo mundo vai passar, né? Então meu pai viveu muito pouco, ele morreu com 40 anos de idade. Ele teve um infarto bem rápido e foi embora bem rápido. E eu comento que era uma pessoa que eu gostaria de chegar lá no céu e encontrar, era ele. E dar um abraço apertado (risos).
P/1 – Você tinha quantos anos quando seu pai faleceu?
R – Eu tinha 18 anos quando ele foi embora. É um moço de quem eu tenho muita saudade, muitas lembranças, muitas lembranças boas, uma pessoa fundamental na minha vida, na minha história.
P/1 – E a sua mãe, você perdeu ela com quantos anos?
R – A minha mãe ainda é viva.
P/1 – Ela ainda é viva?
R – É viva. Mora no povoado.
P/1 – Ela tem quantos anos?
R – Se vocês forem no engenho vocês vão conhecer. Hoje ela está com... vai fazer 90.
P/1 – E ela chegou a se casar novamente?
R – Sim, casou. Depois do meu pai ela já casou duas vezes (risos). Mas também já ficou viúva duas vezes (risos). Hoje ela é viúva (risos).
P/1 – Então tá bom, Romilda, eu queria agradecer muito a sua participação, muito obrigada, em nome da Kinross e em nome do Museu da Pessoa.
R – Eu agradeço a vocês também, à mineradora, a gente torce pra que a parceria continue, a gente continue se dando bem, né?
P/1 – Tá bom, obrigada!
R – De nada!
FINAL DA ENTREVISTA