Conhecido como Dário Alegria, Jurandir Dário Gouveia Damasceno, narra a origem de sua família, dos quilombos de Paracatu. Seu pai, um sanfoneiro muito conhecido, fazia de tudo pela cidade – era artesão, tinha um armazém –, além de lutar pela manutenção das tradições de seu povo, com a criação de um clube. Desde pequeno, Dário aprendeu a tocar para acompanhar o pai. Aos 14 anos, por conta de uma promessa feita ao pai, no leito de morte, cuidou da família – de sua mãe e seus oito irmãos. De um jogo na cidade, Dário ingressou no futebol de Brasília, onde chegou a trabalhar como servente de pedreiro na construção da nova capital. De lá, partiu para novos desafios no futebol profissional. Com muitos gols, títulos e parcerias importante, Dário se aposentou do esporte com um pouco mais de 30 anos e regressou para sua cidade natal. Lá, em Paracatu, mobilizou o movimento negro para o reconhecimento dos quilombos de Minas Gerais. Além disso, como seu pai, tem exercido diversas atividades.
Memória Kinross Paracatu (KRP)
Uma vida, muitos gols
História de Dário Alegria (Jurandir Dário Gouveia Damasceno)
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em 12/08/2017 por Felipe Rocha
Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Jurandir Dário Gouveia Damasceno (Dário Alegria)
Entrevistado por Márcia Ruiz e Marcelo da Luz
Paracatu, 05/06/2017
KRP_HV06_ Jurandir Dário Gouveia Damasceno (Dário Alegria)
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Dário, boa tarde, eu queria agradecer, em nome da Kinross e do Museu da Pessoa, você dedicar o seu tempo aí e toda essa sua atenção que você nos deu pra poder participar do projeto.
R – Eu que agradeço o convite, pra mim é muito importante falar sobre Paracatu [MG], o Dário Alegria e, principalmente, uma firma que dá muito emprego em Paracatu e tem trabalhado aí com o nosso povo.
P/1 – Eu queria, pra gente iniciar a entrevista, que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – O nome completo é meio grande: Jurandir Dário Gouveia Damasceno, esse nome nunca foi nem ventilado no futebol, ficou Dário Alegria e eu nasci em Paracatu, em 05 de março de 1944.
P/1 – Dário, por que Dário Alegria? Como é que surgiu esse apelido?
R – O apelido era Dário, só Dário, em Belo Horizonte [MG]. Eu surgi jogando, eu joguei em Brasília, no princípio de Brasília, nascemos aqui mesmo, bem aqui pertinho, fomos pra lá no falecimento do meu pai, aí começou uma carreira. Chegou Brasília, jogou em Brasília, eu fui pra Belo Horizonte, profissional, com 16 anos de idade e andei rodando. Rodei, fui, de lá fui vendido pro Palmeiras, Sociedade Esportiva Palmeiras, de São Paulo, do Palmeiras fui pro México, Monterrey, no México, divisa com os Estados Unidos, eu chamava Dário. Quando eu voltei pra Belo Horizonte, já tinha o Dário Peito de Aço, que é o meu xará, aí tinha mais Dário, um Dário uruguaio, tinha o Dário do Vasco. Então, quando voltei a Belo Horizonte, o Osvaldo Faria, era um radialista, como eu sempre fui falastrão, tocava um pandeiro, tocava cavaco, sanfoninha, aí ele falou: “Ó, você vai chamar Dário Alegria, pra não confundir”, aí começou o Dário Alegria.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, eu queria que você falasse o nome dos seus pais e qual era a atividade deles, Dário.
R – Ah, meu pai, aqui em Paracatu, ele era, de certa forma, até famoso, porque ele era um acordeonista, sanfoneiro, tocava sanfona pequena, grande, tinha uma liderança com os negros de Paracatu e era o nome dele Luiz de Dário, que meu avô era Dário. Ele [pai] liderou a raça negra, fez alguns benefícios, tinha aí nossa, nosso folclore, tínhamos o clube que ele fez. Ele foi um líder em Paracatu, ele morreu precocemente, com 44 anos de idade e a gente teve que assumir a família dele com nove filhos, eu era o terceiro, mas ele deixou alguma coisa pra história de Paracatu.
P/1 – E o nome da sua mãe, qual que é?
R – Rita Pereira Damasceno, Luiz Dário era Luiz Gouveia Damasceno, Rita Pereira Damasceno, também daqui de Paracatu, nascida no São Domingos, portanto, quilombola, era quilombola, do povoado de São Domingos e casou-se com o meu pai e eles vieram morar pra cá, Santana, que é esse campo, esse estádio que tem aqui, agora.
P/1 – Me fala uma coisa, Dário, você chegou a conhecer seus avós por parte de mãe, por parte de pai? Como é que eles se chamavam?
R – Eu conheci o por parte de mãe; por parte de pai, eu já não lembro, não conheci, mas sei o nome deles, Darilo Gouveia Damasceno e Benedita Gouveia Damasceno, por parte de pai e por parte de mãe é Faustino Pereira da Silva e Amélia Pereira da Silva.
P/1 – Eles moravam, os seus avós maternos moravam na comunidade São Domingos?
R – É, minha mãe nasceu no São Domingos, mas meu pai já nasceu numa outra comunidade quilombola, que chama Buriti do Costa, é lá do outro lado da cidade, eles vieram pra aqui, pra beira, logo que, segundo eles, que houve a libertação dos escravos, os avós saíram de onde que eles estavam, lá no Buriti do Costa e vieram pra beira do Córrego Rico, aqui no Santana, pra tirar ouro pra manutenção das famílias, né?
P/1 – Você sabe a origem desses seus avós? Eles falavam que de onde, de que parte da África que eles tinham vindo ou você sabe a origem deles?
R – Diretamente não, mas a história de Paracatu é uma história diferente, porque nós temos aqui perto Patos de Minas [MG], não tem essa, esse tanto de afrodescendentes, tem João Pinheiro [MG], Unaí [MG], mas Paracatu, até hoje, tem 73% de afrodescendentes. Esses afrodescendentes, esses negros que vieram há muitos anos, eles vieram, claro, da África, trazidos, vinham pra Paracatu por meio de vapores, de navios que subiam o São Francisco, quando chegavam, tinha o Rio Paracatu, navegável, entravam no Rio Paracatu, pegavam os vapores e os vapores traziam até Paracatu e aqui tinha a necessidade dos negros. Porque logo na fundação de Paracatu vieram os bandeirantes, um aportou no São Domingos e outro, o de São Domingos era José Rodrigues Froes e o que aportou no Santana, no Sul aqui da cidade, era Felisberto Caldeira Brant, e eles ficaram por aqui muito tempo, mas tinha a necessidade dos negros. Então trouxeram os negros pra cá. Quando chegaram os senhores de engenho, vieram os negros também, subindo o Rio Paracatu, que vieram aqui pra Paracatu, tinha até, tem um lugar aí, aqui, que chama Arraial dos Angolas, é que onde os negros ficavam pra serem vendidos, negociados. Nessa vinda pelo Rio São Francisco, que cai no Rio Paracatu, formou-se dois quilombos, um chama, ainda hoje, Quilombo do Pontal, o outro chama, se não me falha a memória, Cercado, Quilombo do Cercado, todos os dois na beira do Rio Paracatu. Então a povoação de afrodescendentes que vieram pra Paracatu, toda ela africana e veio por meio dessas embarcações, né, que navegavam os rios.
P/1 – Dário, você falou pra gente que, quando houve a libertação dos escravos, seus avós vieram pra cá, eles eram escravos ou seus bisavôs?
R – Quais os negros que não eram escravos? Todos eram escravos. Depois que veio a Lei Áurea, deu uma refrescadazinha, mas, quando vieram pra cá, eles foram vendidos, foram trazidos pra trabalhar nas fazendas, trabalhar no ouro, que aqui tinha essa tiração de ouro bem antes da Kinross. Tinha tiração de ouro, que eles achavam que o ouro brotava do córrego, mas na realidade já tinha lugar que saía o ouro, que aí veio a tecnologia com o tempo.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho, você nasceu aonde aqui em Paracatu? Em que local de Paracatu você nasceu?
R – Daqui a 50 metros, na beira do córrego, onde o meu pessoal tirava o ouro, meu pai era artesão, ele fazia cadeirinha, meu pai fazia propaganda no megafone, em cima de umas pernas de pau, ele tocava pro circo... Ele só não fazia chover aqui, mas o resto era ele que fazia. Tocou com Luiz Gonzaga, tocou pra Juscelino, tocou em Goiás, com a Cora Coralina, fazia as primeiras festas do milho, em Patos de Minas, é uma pena que morreu com 44 anos.
P/1 – Como é que era aqui a região na sua infância? Conta um pouquinho pra gente como é que se deu a sua infância, antes do seu pai falecer, que eu sei que você era muito criança quando ele morreu, mas eu queria que você contasse um pouco como é que era o bairro, quem morava aqui, quais suas brincadeiras prediletas, o que você fazia, conta pra gente.
R – O bairro aqui, hoje, tem muita, muita gente, muita família diferente, mas esse bairro era genuinamente de negros, o Bairro do Santana. A cidade começou no Bairro do Santana, a primeira igreja de Paracatu é a Igreja Nossa Senhora de Santana, então vivíamos aqui. Inclusive tem uma brincadeira que eles faziam, que aqui era a República Independente dos Boca Preta, [risos] é porque era só negro que morava aqui e hoje mais não, hoje tem pessoas que chegaram, essa coisa, mas era tudo muito bom, muito, a praia... A praia, praia que eu digo é córrego, um córrego grosso, um córrego bonito, tinha muito peixe, tinha ouro e aí bem perto tinha muita, muitas frutas silvestres, né? Aqui era muito bom de viver.
P/1 – Que brincadeira que você fazia?
R – Ah, tínhamos uma, Dona Ana, Ana, a Dona Ana, ela morreu há pouco tempo, é mãe do padre, ela era muito inteligente, uma pessoa que a gente achava muito inteligente, ela chamava as crianças pra fazer uma espécie de teatro ao ar livre, ela ensinava a cada um alguma coisa e a gente fazia esse teatro. Esse teatro, até hoje, não sai da minha cabeça. Eu tenho 73 anos e não sai da cabeça até hoje, porque aquela coisa de infância fica, né? E tinha também os nossos folclores, tinha a tapuiada. Tapuiada é a origem da minha família, o meu avô sanfoneiro, o meu pai sanfoneiro, tapuiada era um encontro de índios Tapuios com os seguranças dos bandeirantes, então era muito bonito, era um encontro, teria que fazer esse folclore durante um determinado mês do ano, porque era em louvor a uma santa. Aí tem ainda até hoje, o santo, aqui, que mais atua, é São Benedito, por motivo de ser negro, né, São Benedito, até hoje a gente cultua São Benedito. E era um lugar muito bom de viver. Esse campo que hoje nós estamos era mais em cima, depois passou aqui pra baixo, tínhamos os colégios, as escolas, inclusive, do outro lado do córrego tem o Paracatuzinho – Paracatuzinho é um bairro que surgiu depois, o bairro de, inclusive, dos parentes nossos, Joaquim Barbosa, que é parente, aí no Paracatuzinho, aí muita gente, era muito bom, Paracatu era muito bom. Está mais estranho, porque eu acho que todo lugar está a mesma coisa, mas Paracatu era lugar de dormir com a janela aberta, porta aberta, a porta não tinha tranca, tinha tramela, vocês não sabem nem o que é isso, tinha tramela, janela também ficava aberta, não tinha problema nenhum. Agora, hoje, unificou essa coisa toda de problemas, todo lugar tem muito problema, Paracatu ainda é muito bom de viver.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho lá pra tua infância, você falou que tinha muitas árvores frutíferas, que eram árvores da região, que tipo de fruta tinha? Vocês subiam na árvore pra comer? Conta um pouquinho pra gente.
R – Tinha muita coisa, os quintais eram com fartura de frutas, com fartura, tinha na minha casa, que o meu pai comprou depois, tinha lima, jabuticaba, laranja, abacate, manga de várias qualidades e todos os quintais aqui eram mais ou menos assim, era muita fruta e tinha as silvestres também, araticum, pequi, marmelada, uma série de outras frutas que não deixavam o elemento passar fome, não. E, quando precisava de alguma mistura pra comida, tinha o córrego, a gente saía com um anzolzinho lá e pegava meia dúzia de bagre, matrinxã, era uma maravilha aquele tempo lá, então não passava necessidade, mas hoje está tudo poluído, aí não tem mais jeito, né, tem que comprar é no sacolão mesmo.
P/1 – Me fala uma coisa, Dário, em quantos irmãos vocês eram?
R – Bom, quando o meu pai morreu, nós éramos em nove. Então tinha, tem a Amélia, Fita, que é a Benedita, por causa do São Benedito, eu, Dário, aí vem Francisco, era o Francisco, Maria Eugênia, Catita, nove, mas mamãe, depois que melhorou, quando eu fui pra fora, comecei a ganhar um dinheirinho, ela pegou mais 12 pra criar, aí conseguiu criar os 12, até quando ela faleceu ela deu conta de criar mais 12, era caridosa mesmo, fazia as caridades.
P/1 – Vamos voltar de novo, então esses nove irmãos, vocês brincavam juntos, como é que era na infância?
R – Eu era o mais sacrificado, porque o meu pai tocava acordeão e consertava acordeão em casa, consertava: “Seu Luís, ó, tem uma sanfoninha pro senhor afinar”, aí afinava e ele tinha um clube, ele montou um clube chamado Sociedade Operária Paracatuense e nesse clube tinha baile sábado e domingo: sábado o baile, domingo hora dançante. Eu tive que aprender tocar alguma coisa, mas está no sangue, aprendemos tocar alguma coisa e logo cedo comecei a entrar nesse conjunto do meu pai. Aí tinha a escola, ia pra escola, depois tinha os ensaios, tinha, no clube tinha o bar, as mesas etc. e tal. E naquele tempo, aqui por perto não tinha cerveja, guaraná, essas coisas, então vinha de longe, mas, quando vinha de longe, não vinha em caixas como a gente vê hoje caixa de cerveja, latinha, não, não tinha, era cerveja grande em sacos de cerveja, era um saco com 48 cervejas, vinha amarrado, vinha lá de Ribeirão Preto, daquelas partes de São Paulo e eu também já ajudava a fazer o retorno. Ajudava a limpar o salão, ajudava, ensaiava etc. e tal, mas eu vivia muito bem, eu gostava muito do meu pai. Quando ele morreu, eu tinha 14 anos e era um companheiro dele das tocatas, né, senti muita falta, mas fazer o quê? É coisa de Deus, Deus é que resolve essas paradas.
P/1 – Você falou pra gente agora que você ia pra escola, depois você ia ensaiar, porque você começou a fazer parte da banda, que instrumento que você aprendeu a tocar, Dário?
R – Ah, eu, eu fico até acanhado de falar que tocava perto do meu pai, que meu pai tocava muito. Ele tocava sanfona pequena, conforme eu já disse, e acordeão, ele tocava o hino francês na sanfona como ninguém, aí deve ter pessoas em Paracatu que lembram disso. Ele tocava o hino nacional, o hino brasileiro na sanfona pé de bode, nas costas, virado, as costas pra o microfone. Ele era autodidata mesmo e a escola dele era muito pouca... Naquele tempo não tinha escola, o máximo que acontecia era o terceiro ano primário, essa coisa toda. Meu pai era tão bom que meu avô, Darilo, quando veio pra cidade, ele ficou sem fazer, sem trabalho, porque eles trabalhavam lá na fazenda do resto do pessoal, aí ele começou a fazer alguns serviços na cidade, ele conseguiu comprar uma sanfona pé de bode, meu pai era pequeno, ele não era grande, ele era garoto. E meu avô, o Darilo, amarrava a sanfona dentro de um saco lá da cumeeira da casa, que era pra ninguém mexer e falava com a minha avó pra não deixar ninguém mexer: “Não deixe ninguém, isso aí é o mais precioso do mundo, é a primeira sanfona que eu consegui comprar” e tal. Aí o que que aconteceu? Um belo dia, o meu pai convenceu minha avó, a mãe dele, a tirar a sanfona, com muita dificuldade subiu lá, tirou a sanfona e ele começou a tocar, começou a tocar, minha avó falou: “Aonde é que você aprendeu?”, “Não, peguei aqui, agora, agora que eu peguei pra tocar sanfona” e continuou tocando. Minha avó entusiasmou, ele tocando lá sentado no tamborete, pequeno, era garotinho mesmo e meu avô voltou do serviço e eles não viram ele chegando, quando ele chegou lá na rua, era aqui perto, disse: “Olha, não é possível que Benedita deixou alguém tocar essa sanfona minha, eu falei que não era pra ninguém tocar, não sei que que tem” e foi reclamando. Quando chegou lá, viu o meu pai pequeno e tocando essa sanfona melhor do que ele, do que o meu avô, o que que aconteceu? Desse tempo em diante, o meu pai tocava fazendo os bailes, sentava em cima da mesa pra ficar à altura do pessoal que estava dançando e fazia os bailes pro meu avô, tocava bem melhor, daí esse tempo eles começaram a fazer os conjuntos, né, já a família nossa é de conjunto, tem irmão que toca, tem irmão que canta. Inclusive, um faleceu no Rio de Janeiro há pouco tempo, compositor, grande músico, fez música pro meu pai, fez música pra mim, o pessoal é todo de música, de princípio musical.
P/1 – Dário, você estava contando pra gente que seu pai fundou, fez o clube e tal.
R – O clube.
P/1 – Esse clube ele fundou pra quê? O que ele era, o que tinha por trás? Ele tinha alguma coisa ligado ao movimento negro? Como é que era isso?
R – Ele sempre foi ligado ao movimento negro, ele sempre queria, quis, como eu também sonhei, eu fui uma liderança de quilombolas, que nós conseguimos o reconhecimento do Governo Federal de cinco comunidades quilombolas de Paracatu, então era um sonho ver o negro em melhor situação. Aí o meu pai fez um clube, o Clube Sociedade Operária Paracatuense, mais voltado pros negros e esse clube saiu SOP e depois desse SOP virou Saca-rolha, porque saiu uma marcha de carnaval no ano que inaugurou falando do saca-rolha, essa coisa toda, ficou, até meu pai ficou meio chateado. Ele falou: “Pô, a gente faz uma sociedade, demora registrar”, foi uma luta pra registrar, porque um juiz que tinha aqui, eu era criança, falou: “Não, nós não podemos registrar clube pra negro, não, eles não podem, eles têm que ficar na posição deles, senão daqui a pouco a gente não tem empregada, a gente não tem a pessoa que capina o quintal”, essa coisa. O pensamento do meu pai foi outro, fez esse clube, que SOP e chamava Saca-rolha, que conseguiu trazer muitos sócios, negros e fazia bailes, daí a pouco os brancos da cidade também estavam indo pro Saca-rolha, pro coisa, dançar lá e virou uma lenda, uma história boa pra nós, pros negros de Paracatu, então é uma situação que a gente nunca esquece.
P/2 – Esse Saca-rolha é naquele mesmo local, ali em frente à igreja, a fundação foi ali?
R – Não, foi mais ou menos perto, não foi bem em frente à igreja, foi no fundo da Praça do Santana, era uma casa grande, com cinco entradas, um salão grande, palco e ali fazia casamentos, ali batizava, ali ele fez uma coisa muito importante, ele fazia, durante o ano, uma programação anual, que começava janeiro, vinha carnaval, vinha aleluia, vinha, dependendo do mês tinha baile da primavera, até terminar em dezembro, com o natal, festas e coisa. Era muito importante pra sociedade. Os negros começaram também a se valorizar, a trabalhar e comprar as suas roupas, porque meu pai fazia os bailes de época com trajes, o negro com terno, com cravo na lapela, as negras com, às vezes até com voal, trabalhavam, claro, trabalhavam, não era tempo de escravidão mais, trabalhavam nas casas do pessoal e compravam. Então, o negro começou a se orgulhar de ser negro, que era muito difícil ser negro em Paracatu, era muito preconceito, eu me lembro de muito preconceito e tem uma história, que veio aqui jogar um time de futebol de perto de Patos, Carmo do Paranaíba, aí jogaram, o time jogou e ganhou do time da seleção daqui. Eu era bem pequenininho, mas eu sempre gostei muito de futebol e fui ver o jogo, vi o jogo, o time de fora, o time de Carmo do Paranaíba ganhou e o pessoal de Paracatu: “Não, vocês vão jogar segunda-feira”, “Por quê?”, “Nós nunca perdemos pra ninguém aqui, não, vocês vão jogar segunda-feira”. Aí ficou o time pra jogar segunda-feira e fizeram lá no Jóquei Clube, que eles não gostam muito que falam, mas eu falo, eu não tenho problema nenhum de falar, negro não podia passar nem na porta, fizeram um baile no Jóquei Clube, uma hora dançante no domingo e convidaram o time de fora pra poder ir lá, porque segunda-feira eles estariam aí jogando outra vez. Eu lá na porta, quando está chegando os jogadores do time lá, tal, os brancos entraram, os negros não puderam entrar e eu ali na porta observando, aí os negros não podiam entrar e o porteiro lá era um negrão grandão, mas ele estava trabalhando, né: “Não, não pode, aqui, infelizmente, não pode”, “Por quê?”, “Não, não sei, mas não pode”. Aí veio o treinador desse time, falou: “Vocês não entraram, não?”, “Não, não nos deixaram entrar”, daí ele falou: “Uai, por quê?”, “Não, não explicou, não, mas não deixou, não”, eu lá do lado, aí esse treinador falou, usou o bom senso, falou: “Então não pode ficar ninguém, vamos embora pra pensão”, aí voltaram, chegou todo mundo, então era dessa maneira. Eu fui homenageado nesse Jóquei Clube, que hoje está lá em cima, hoje é completamente diferente, né, fui homenageado quando fui campeão pelo Palmeiras e fiz os gols da vitória lá em São Paulo e, quando eu cheguei aqui, tinha uma homenagem pra mim, me convidaram, aí eu falei: “Eu não vou”, porque eu já sabia da história, eu falei: “Eu não vou, tá mudando, mas eu não vou”. Aí minha mãe falou: “Não, vai, que vocês não podem, você não pode ser igual, você tem que ser melhor”, eu falei: “Eu não quero ser melhor, não, eu não vou, não” e no vai, não vai, vai, não vai, eu falei: “Não vou” e o que que aconteceu? Voltaram com o convite outra vez, eu falei: “Mas eu...”, era um rapaz que chamava Rodário: “Rodário, eu não vou”, “Não, Dário, o pessoal lá, eles compraram até presente pra você”. Eu recebi, depois eu fui, eu vou contar a história, aí o que que aconteceu? “Vai, vai”, mamãe falou: “Vai”, falei: “Tem uma condição: se eu puder levar meus convidados”, aí o representante foi embora, voltou, falou: “Pode, quantos?”, eu falei: “Ah, eu vou fazer as contas aqui”, aí botei a nora, Galo, Zé Goiano, Nezinha, aquele pessoal todo aqui do Santana, aquela criolada do Santana, eu falei: “Hoje, eu ponho um bocado de crioulo lá dentro desse clube” [risos]. Aí fomos, fomos para o Jóquei, eles fizeram uma mesa que era da diretoria, fizeram um pé nessa mesa, que era dos sócios do Jóquei, fizeram um outro pé na mesa, que era do pessoal meus convidados, aí eu estou lá no meio da mesa e coisa, eles até me deram uma abotoadura de ouro e uma camisa volta ao mundo, me deram a camisa, aí, homenagem pra lá, homenagem pra cá. Na mesa do pessoal do Jóquei Clube, eles colocaram três litros de whisky, aí eu chamei o garçom: “Garçom, quanto é o litro de whisky?”, ele disse: “Tanto”, “Põe três pra nós também”, aí três do lado de cá também, aí eu já paguei ele pra ele não ter dúvida que eu não teria o dinheiro, paguei o garçom, eles abriram os olhos lá: “Pô, os caras de whisky também, né”. Daí foi bom, foi a primeira vez, modificou, eu acho que houve uma reação interna nos sócios do Jóquei dessa vez, aí foi, abrandou, hoje vai todo mundo, entra todo mundo, é bem tratado, sem problemas, mas houve tempos que não, não podia entrar.
P/1 – Dário, vamos voltar um pouquinho lá, você falou que você estudava, depois você ajudava seu pai, você estudava em que colégio? Onde era? Conta um pouquinho como é que era essa escola.
R – Conto, conto e agora, tinha as escolas em que estudava o pessoal menos favorecido, mas meu pai, como era entrosado com o pessoal, falou: “Arruma pra Darinho lá na escola, sô”, “Lá não tem vaga, porque tem, não tem vaga, porque não tem vaga”, “Bom, arruma uma pra ele, ele é meu filho”, não sei que que tem, arrumaram pra mim, chamava Classes Anexas, Escola Estadual Antônio Carlos, que ainda existe hoje aí. É a escola do Estado, aí nós fomos, mas só tinha três negros nessa escola, era eu, Maria Júlia, que ela trabalhava na casa do diretor da escola, e Osvaldo, acho que eles botaram o Osvaldo, Osvaldo Duarte, ele tocava cavaquinho, eu acho que botaram lá porque ele tocava cavaquinho [risos]. A coisa era dureza, não era brincadeira, não. Fizemos lá nessa escola, mas a gente pintava demais, o Doutor Joaquim Barbosa também estudou nessa escola, estudou primeiro na Dom Serafim, na Escola Dom Serafim, depois estudou nessa, eu acho que sim, e ficamos nessa escola lá. Até que um dia, eu me lembro de uma professora minha, chamada Dona Maria das Dores, Dona Dorzinha: “Jurandir?”, “Senhora?”, “Hoje o senhor vai levar a jarra”, “Jarra?”, a jarra que ela botava em cima da mesa: “Pra trazer flores”, “Eu vou trazer flores pra professora, esses meninos vão rir de mim o tempo todo”, “Tem que levar, tem que levar”. Aí vim embora pra cá, minha mãe, minhas irmãs arrumaram as flores, botou lá, não tinha floricultura naquele tempo, uma jarra bonita: “Eu não vou subir com essa jarra de flor, não”, aí quebrei a jarra [risos]: “Jurandir, cadê a jarra?”, “Quebrou”, aí mandou o Gustavinho vir cobrar do meu pai a jarra: “Ao menos a jarra tem que pagar, não preciso levar mais flores”. Mas era desse jeito [risos] essa escola, eu estudei nessa escola até o falecimento do meu pai, depois daí eu tive que assumir a família, assumir essas questões, mas eu queria voltar atrás um pouquinho na questão do clube. Na hora de registrar o clube, Sociedade Operária Paracatuense, primeiro que eles não achavam muito bom falar em operário e aí os caras, rapaz, pelejou para registrar lá e não conseguiu: “Ô, gente, nós precisamos de registrar a sociedade” e vai aqui, vai ali, tinha um juiz aí, eu lembro o nome dele, mas juiz é juiz, a gente não pode falar o nome, né, ele disse: “Não pode”. Aí ele foi num prefeito que tinha aí, que era amigo nosso, amigo da família, Joaquim Botelho: “Seu Joaquim, eu fiz o coisa lá”, “Eu fiquei sabendo, Luís, que você está fazendo um clube aí”, “Mas eu fui lá com o doutor pra registrar a coisa e não consegui”, ele falou: “É difícil demais”, aí pelas circunstâncias de ser negro, essa coisa toda. Aí o que que aconteceu? Ficou aquilo lá, registra, não registra, registra, não registra, eu me lembro que acabou, com muito custo registrou, foi quando saiu essa marcha de carnaval que ficou chamando de Saca-rolha, aí fizeram até uma música pra esse Joaquim Botelho: “Na sede do Saca-rolha vai ser assim, todos nós vamos dançar, mas com prazer, já temos o apoio do Seu Doutor Joaquim para inaugurar a SOP”, aí fez essa marcha englobando o carnaval, exaltando o Joaquim Botelho. O Saca-rolha ficou até quando meu pai morreu, aí não teve liderança nenhuma pra tocar e nós fizemos aí escola de samba, fizemos uma porção de menções, escola de samba, tapuiada, fizemos muitas coisas, mas é mais devagar, é sempre meio sem apoio, mas estamos vivendo, sobrevivendo em Paracatu.
P/2 – E o pai do senhor, o que ele fazia pra dar subsistência à casa, qual tipo de trabalho ele realizava?
R – Ele era tocador, ele tocava no baile, que naquele tempo não tinha radiola nem vitrola, então aniversário, casamento, ele fazia versos, ele chegava num casamento, numa fazenda, ele chegava cedo e perguntava o nome do pessoal que trabalhava na fazenda, até do cavalo de estimação, do cachorro de estimação, fazia versos pra todo mundo, então ele era uma pessoa que ganhava a vida com isso. Vinham aqui os contratos pra ele tocar fora, ganhava um trocado, daí ele montou um armazenzinho, que era venda, chamado Boca da Onça, aí fez o armazenzinho. Nos dias de folga, ele ia pra lá, tinha um empregado, arrumava as coisas lá e vendia secos e molhados, aquele armazém antigo, venda antiga. Depois disso, ele ainda fez um bar, um bar com restaurante, chamava Ponto Chique, lá na avenida já, fez lá o Ponto Chique, o bar, o clube, a sociedade e mais a Boca da Onça, a sobrevivência é isso, então vivia bem, ele ajudava, dava pra ajudar os irmãos, dava pra ajudar a turma toda, né? A gente tinha muito orgulho dele, dele não saber, não ter estudado, ele ensaiava cantar até inglês, ele ensaiava cantar francês, mas era invenção dele, ele era terrível. [risos]
P/1 – Me fala uma coisa, Dário, do que ele morreu? Como é que foi essa coisa da morte dele? Por que que ele ficou doente?
R – Morreu rápido, não pode falar que morreu correndo, porque não, mas ele estava contratado pra tocar na Festa do Milho, em Patos de Minas, que era dia 12 de junho. Já estava contratado e a gente ia, o conjunto ia, ele adoeceu dia 7 de junho, aí dizendo que estava tossindo, que estava não sei o que, aí o médico veio e levou ele pro hospital dia 8 e dia 16 ele veio a falecer, ele faleceu, 16. Naquele tempo a gente não tinha muita definição de doença, aparentemente, ele estava em pé, ele estava falando, ele estava, mesmo porque, no dia que ele morreu, eu achava, aí que eu constatei que ele era uma pessoa evoluída, pelo menos espiritualmente ele era evoluído. Ele me chamou 11 horas da manhã no dia que ele morreu, 16 de junho, era uma Copa do Mundo na Suécia, eu me lembro, eu tinha 14 anos, eu fiz em março 14 anos, 5 de março, ele morreu 16 de junho, aí ele me chamou e falou: “Ó, Darinho”, me chamava de Darinho: “Eu não estou bom, eu estou morrendo”, eu falei: “Mas como o senhor está morrendo? O senhor está conversando comigo”, o pensamento era esse. “Eu estou morrendo, eu chamei você pra conversar com você”, eu: “Pois não?”, “Você vai prometer à sua mãe, você vai prometer pra mim que você vai ajudar a criar meus filhos”, eu falei: “Ah, mas qual o jeito que eu tenho?”, eu estava estudando, eu estava: “Eu não tenho jeito de...”, eu falei: “Só se for no Ponto Chique – que era o restaurante – na venda – que era a Boca da Onça – ou então no Saca-rolha”, eu falei: “Vai ser, eu vou tomar conta dessas coisas, o senhor falou que...”, ele falou: “Não, isso vai acabar logo, dois, três meses, não tem mais nada disso, só eu sei levar, mas vai surgir alguma coisa pra você fazer”. Eu falei: “Uai, como assim?”, “Eu só quero que você prometa que vai ajudar a sua mãe e seus irmãos”, eu falei: “Uai, se eu puder”, ele falou: “Não, eu não quero que você me responda ‘se puder’, não, eu quero que você responda que vai ajudar”, eu falei: “Então, vou ajudar”, mas dentro de mim eu estava pensando: “Fazer o quê? Ajudar com 14 anos e numa cidade dessa aqui, como é que faço?”. Mas parece que foi uma profecia, eu achei que houve uma influência muito grande pra mim, pro meu seguimento de esportista, de jogador. Porque ele era sanfoneiro, tio João era carroceiro, tio Paulo trabalhava no Jóquei Clube que tinha aí, de corrida de cavalo, tio Martinho era pescador, aí surgiu essa questão de jogar futebol. Sei jogar, o cara me levou a Moreira, em Santana, lá em cima, eu fiz nove gols, tinha uma pessoa na beira do campo, Seu Bueno, ele falou: “Você, quantos anos você tem?”, eu falei: “Eu tenho 14”, ele falou: “Você não quer trabalhar numa companhia aí, não, na Ester?”, essa Ester era uma companhia do Rio de Janeiro que fez essa primeira estrada aqui que ia pra Brasília, começava no São Marcos, terminava lá adiante, lá em Três Marias. Eu falei: “Eu quero, porque inclusive meu pai morreu tem pouco tempo”, ele falou: “Não, então vamos, quantos anos você tem?”, eu falei: “Quatorze”, “Então não dá”, aí que que aconteceu? Ele falou: “Vai lá no cartório e pede ao homem pra tirar uma certidão com 19, eu vou botar você pra trabalhar e ganhar um dinheiro, lá você vai ganhar um dinheiro, você vai trabalhar na topografia comigo”, aí assim foi feito. Fui lá, demorou demais esse homem entender que eu precisava: “Seu Bernardo Caparucho, meu pai era amigo do senhor, lá em casa está em dificuldades, me ajuda”, aí ele, com muito custo, ele falou: “Olha, eu vou fazer aqui na mão, é errado, eu posso ir até preso”, agora não vai preso, não, porque ele já morreu tem muito tempo, aí ele escreveu lá, me deu, eu cheguei lá e fiz a inscrição lá na coisa com 19 anos, mas eu tinha era 14. Entrei no time deles, fui o artilheiro, com 30 gols, uma pessoa me viu jogando, Milton, meu compadre Milton me viu jogando, levou pro Nacional, fui artilheiro do Nacional, o pessoal me viu jogando, levou pra uma companhia com o Senhor Rabelo, de Brasília, fui artilheiro também, fui pra Seleção de Brasília, Seleção de Brasília. O Augusto da Costa, que era da Seleção Brasileira, me viu jogando, me mandou pro juvenil do Vasco da Gama, é uma coisa assim, quase tudo em um ano, fui artilheiro do Vasco da Gama, passei em Belo Horizonte, treinei no América, fiz três gols no América, eles ficaram doidos, aí eu fiquei no juvenil do Vasco mais um ano, um ano e aí do Vasco vim pro América, já fiz um contrato profissional com 15 pra 16 anos. Aí fui profissional, quebrei a perna, operei a esquerda, fiquei lá no América, por isso que eu carrego a camisa do América até hoje. O América me apoiou, me dava, pagava, mandava dinheiro pra casa, daí melhorei, fui ídolo no América, fui goleador no América com meu companheiro Jair Bala, aí depois o América me vendeu, vendeu o passe pro Palmeiras. Tinha Corinthians, tinha Santos, tinha Botafogo, tinha um time da Colômbia e tinha um time do Rio Grande do Sul, o Palmeiras pagou, naquela época, 60 milhões, eu não sei de quê, se era cruzeiro, cruzado, sei lá, e deu mais três jogadores pro América a troco da minha transferência pra lá, aí no Palmeiras eu fui. No primeiro jogo fiz gol, no segundo fiz gol, o terceiro fiz dois gols, quarto fiz, no Rio de Janeiro, fiz dois gols, no quinto jogo, tem até no Milton Neves, no quinto jogo nós fomos campeões, já fomos campeões do Rio-São Paulo contra o Botafogo de Gerson, de Manga, aí fomos campeões do Rio-São Paulo, tem lá, o Milton Neves deve ter essas gravações todas. Aí o que aconteceu? No Palmeiras fiquei, fui campeão em 65, 66, 67, fui campeão brasileiro, fui campeão paulista, fui campeão da Taça Quarto Centenária da Guanabara, fui campeão do São Paulo de Piratininga, um torneio internacional que teve lá, fui embora, fui vendido pro México, quem me comprou, quem comprou o passe foi Albert Frank Sinatra, comprou pro Monterrey. Fiquei no Monterrey, me machuquei igual esse menino que machucou agora, disseram: “Olha, o Gabriel de Jesus, daqui a pouco ele volta”, eu falei: “Não volta”, “Ele não volta? Por que que ele não volta?”, ele quebrou o quinto metatarso, é o quinto dedinho do pé, eu quebrei lá no México o quinto metatarso, demorou um ano pra melhorar, porque o pé é a base, o peso do corpo vai pro pé, então ele está lá até hoje, daqui a pouco ele volta. Mas era extraordinário jogar, então fui, voltei, vim pro Fluminense, fui campeão no Fluminense em 69, aí fui pro, não queria voltar pro México mais, porque eu achei que não devia, fiquei no Olaria, no Afonsinho, do Doutor Afonsinho, aquele pessoal, com um pouco de tempo vim pro Flamengo, o Flamengo de Fio Maravilha, de Zanatta, de Liminha, de Estrique, vim pro Flamengo em 70, o Brito, que foi pra Copa do Mundo em 70, lá no México, ele estava no Flamengo. Depois eu vim pro América Mineiro, em 71, fui campeão outra vez, mineiro, aí daí fui pra Caldense, no Caldense fui campeão da divisão, pela Caldense, voltei pra Vila Nova, de Nova Lima, de Vila Nova, Nova Lima, vim pro CEUB [Centro de Ensino Unificado de Brasília Esporte Clube], de Brasília, quando eu encerrei a carreira. Eu achei que tudo aquilo, tudo isso teve influência da conversa que o meu pai teve, eu sou muito espiritualizado, eu não sou religioso, mas eu gosto muito de achar que perto da gente tem que ter uma, independente de qualquer religião, uma força, né, uma força de Deus, que essa é a verdadeira.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, você correu, você já falou a sua carreira inteira, eu vou voltar. Quantos gols você já fez aqui, hein, Seu Dário?
R – Ah, fiz. O pessoal de fora com o pessoal daqui, a seleção e vinha muita gente. Naquele tempo chovia muito, chovia e chovia muita coisa, teve uma falta, a falta mais ou menos dali, aí eu fui bater essa falta, eu chutei, a bola não foi no gol, não, a bola passou por cima da trave e derrubou o muro lá, sabe, bateu no muro, aquelas bolonas, bateu no muro. O muro, “pum”, o goleiro saiu: “Não vou jogar mais, não, se essa bola bate em mim, eu morro” [risos]. Eu lembro desse trem, eu chutava forte, eu fiz gol de muito longe, chutava muito forte.
P/1 – Então, Dário, vamos voltar um pouquinho. Como é que você começou a jogar futebol? Assim, começou na brincadeira, você já gostava de futebol, como é que foi isso?
R – Eu gostava de futebol, mas antes do acontecimento do meu pai eu não jogava, não jogava, eu era tão ruim que eles não me botavam pra jogar de jeito nenhum, a verdade era essa. Depois desse acontecimento é que foi abrindo as portas, também qualquer coisa que a gente faça na vida é necessário que a gente tenha vontade, boa vontade. Aí de repente falei: “Eu preciso fazer isso, isso que surgiu pra mim”, aí começou surgir essa oportunidade de jogar futebol, mas tinha aqui mesmo, o campo era lá em cima, eles não me botavam pra jogar direito, também papai, a hora que estava, a hora de eu entrar, ele: “Vem cá, vem fazer o retorno aqui”, não sei o que, aí tinha que sair, mamãe: “Vem buscar água”, porque a água, não tinha água na cidade, tinha que pegar um balde de água na praia pra levar na cacimba, pra levar pra casa. Depois que aconteceu esse falecimento do meu pai que começou tudo, como um passe de mágica, uma coisa mais ou menos assim, mas depois eu fiquei, fiquei bom, eu aprimorei.
P/1 – Esse primeiro time que você jogou, que foi quando o rapaz fez a tua mudança de idade, você foi jogar, conta pra gente onde era, onde vocês treinavam, em que posição que você foi jogar.
R – Sim, eu tive um cunhado que não me botava pra jogar, era um treinador, esse cunhado não me botava pra jogar, porque ele mesmo falava: “Ai, não vou botar vocês pra jogar, não, porque eles vão falar que eu estou colocando você porque você é meu cunhado”, aí eu ficava de fora. Aí veio esse Rui Ulhôa, me botou pra jogar lá em cima, quando eu fiz os nove gols, esse senhor, Seu Bueno, me viu, me botou pra jogar nesse time, que era, na verdade eu tinha era 15, 14 anos, 14 anos e pouco, era um time que chamava Rodoviário, que era composto DNR mais essa firma que fazia a estrada, aí eu fiz os gols que precisavam ser feitos, daí deslanchou, mas eu tinha 15 anos, 15 anos só.
P/1 – Você jogava em que posição?
R – Eu jogava na frente, atacante, sempre fui atacante. No Palmeiras, joguei de sete, de oito, de nove, não jogava de dez, porque o Ademir da Guia não deixava, né? Aqui jogava de nove, no América Mineiro jogava de dez; Fluminense, jogava de nove, sempre atacante, era muito veloz. Na época, eu era muito veloz, eu fazia cem metros em 11 segundos, 11 segundos e pouco. Eu era veloz pra época, hoje tá todo mundo fazendo quase isso, evoluiu muito a questão de preparação física, alimentação, essa coisa melhorou muito, evoluiu muito, é por isso que os caras estão hoje voando baixo, eles correm o tempo todo.
P/1 – Você ganhou algum apelido por correr muito?
R – Ganhei, lá em São Paulo era Fiori Gigliotti, era um, esse deve ter morrido, desse povo quem sobrou foi só eu, me colocou Leopardo das Alterosas, porque o leopardo, ele é um dos animais que tem mais velocidade. Aliás, ele sempre falava nome, colocava algum apelido, algum apelido carinhoso nos jogadores, né? O Ademir chamava Filho do Divino, tinha lá o Pantera, Ademar chamava Pantera Negra, o Sevilho: Filho do Bailarino, o Djalma Santos ele chamava de Lorde e eu ele chamava de Leopardo das Alterosas, porque corria muito, em Belo Horizonte já era Dário Alegria, com Osvaldo Faria, né?
P/1 – Quando você sai desse outro time, você falou que você vai pra Brasília, é isso? Como é que é essa ida pra Brasília? Onde você ficou? Porque a sua família era toda daqui, aonde você morava, aonde você foi morar? Conta um pouquinho pra gente.
R – Essa é a história triste, porque eu saí, esse meu compadre me levou, me viu jogando, falou: “Vamos pra Brasília. Quanto você ganha aqui?”, fizemos as contas, ele falou: “Lá você ganha mais, vai ganhar mais, vou botar você numa companhia, a companhia tem um time, você vai jogar e lá você vai ganhar mais”, mas, quando chegou lá, ele falou: “Ó, mas você tem – quando chegou lá –que trabalhar de servente de pedreiro” e servente de pedreiro naquele tempo lá eu não tinha costume, porque aqui eu não trabalhava tão duro. Aí servente de pedreiro, naquele tempo, o que que aconteceu? Servente de pedreiro, eu trabalhei fazendo, na Câmara dos Deputados, Senado e aquele prédio de 22 andares, mas servente de pedreiro em Brasília era diferente, que aqui você pegava o tijolo, botava lá, lá não, lá é o seguinte: descia o caminhão, tinha 20 betoneiras, tinha 50 serventes. Como é que era? Eles faziam a armação e tinha a jerico. O jerico era um carretão grande com umas rodas de carroça, então tinha 30, 40 serventes, que a betoneira jogava o cimento ali, já mudou hoje também, e o servente saía correndo, subias as rampas, subia a primeira rampa, depois subia a segunda, quando fazia a terceira, subia a primeira, segunda e terceira e eu trabalhava. Trabalhei, eu perdi muitos quilos naquele troço lá. Mas aí começou a jogar o futebol, eles me botaram pra treinar, eu fiz os gols, já foi me afrouxando mais a coisas, então fui pra Brasília pra jogar, mas tive que enfrentar primeiro essa situação de servente de pedreiro, mas eu não parei de mandar o dinheiro pra minha mãe.
P/1 – Isso foi mais ou menos quando, 59, por aí?
R – É, 59, exatamente, meu pai morreu em 58, eu fiquei um pouco, 59 e 60, aí em 60, eu mudei de clube, aí já passei a ser oficial de carpinteiro, que eu não sabia nada, mas porque eu jogava passei a ser carpinteiro, na Rabelo, aí Rabelo também foi campeão, Nacional foi campeão, Rabelo foi campeão e surgiu Seleção de Brasília, surgiu a Seleção de Brasília, eu fui pra Seleção de Brasília. Nessa Seleção de Brasília, tudo com essa identidade trocada, né, aí eu estava com 16 anos, por aí, 58 era 14, é, 16 anos, por aí, aí fui pra Seleção de Brasília e houve a inauguração de Brasília, a inauguração de Brasília foi 21 de abril de 1960, foi quando a Seleção de Brasília jogou contra o Santos, de Pelé, que eles tinham sido campeões mundiais em 58, por aí, né? E aí o Pelé veio, desceu de helicóptero no campo, ele não jogou, parece que ele estava com um problema de bico de papagaio na espinha, uma coisa na coluna e não jogamos, ele não jogou, mas foi a oportunidade que eu tive de tirar uma fotografia com ele, que eu tenho lá a fotografia com ele. Daí terminou o jogo, nós fomos pra concentração e coisa e apareceu um senhor chamado Augusto da Costa, Augusto da Costa era um zagueiro da Seleção Brasileira, me convidou pra ir pra um futebol maior, falou: “Não, quantos anos você tem?”, eu falei: “Olha, a minha história é essa, essa e essa”, ele falou: “Não, mas dá pra você ir pro Rio”, aí foi quando depois, logo depois, eu fui pro Rio.
P/1 – Esse jogo da Seleção de Brasília contra o Santos quem ganhou?
R – Santos, cinco a um, eu fiz o gol de Brasília, depois nós jogamos contra o Fluminense do Rio, foi um a um, eu fiz o gol, aí depois desse jogo aí que eu fui embora.
P/2 – E não teve nenhuma objeção da sua mãe, da sua família aqui pra ir embora?
R – Todas, todas e tem uma coisa, depois que eles estavam lá, mas a necessidade era maior que a objeção, depois que eu estava jogando, lá em São Paulo, naquela muvuca danada e ganhando e coisa, passa em Belo Horizonte, o pessoal leva pro rádio, pra televisão, vai pra cá, tem homenagem, tem isso e aquilo, eu cheguei aqui trazendo, eu trazia muita coisa, tinha, eu comprava brinquedo pros meninos, não só os meus irmãos, pra todo mundo, aquele pessoal, era uma comunidade mesmo, fazia, tinha casamento, a gente participava, batizado, até de enterro a gente participava muito, muito ativamente. Aí minha mãe, um dia, disse assim: “Dário, você chegou, né?”, eu falei: “Eu estou aqui, mãe”, “Você vai embora que dia?”, eu falei, férias era de 17 de dezembro até dia 7 de janeiro, férias coletivas do futebol, não sei se é agora mais ainda, aí conto o que que aconteceu, no dia de ir embora ela falou comigo assim: “Você vai amanhã?”, eu falei: “Amanhã, que eu tenho que estar lá depois de amanhã, dia 8 eu tenho que estar lá”, porque não passava, não era avião, passava por Belo Horizonte, pegava a Fernão Dias e ia pra São Paulo. Aí ela disse assim: “É, você fica pra lá e quando você voltar aqui eu já morri”, eu falei: “Grande incentivo a senhora está dando pra mim, né, [risos] eu lá buscando a comida, buscando coisa, a senhora falando isso”, aí ficamos, foi brincadeira, mas ela falou sério, mas se há de fazer, aí graças a Deus, com isso nós, esse irmão mais novo que eu formou, inclusive veio a falecer há pouco tempo lá no Rio de Janeiro, em Campos, formou advogado, minha irmã enfermeira, mais velha, a outra, duas professoras, um é contabilista, essa coisa. Então encaminhou, encaminhou-se as coisas todas, né, aí a casa não estava paga, acabou de pagar e adquirimos algumas coisas aqui, lá, por lá, foi muito bom, foi muito importante.
P/2 – Brasília mudou a sua vida, né?
R – Mudou a minha vida.
P/2 – Você foi pra lá e mudou, mudou a vida de Paracatu?
R – Ah, muito, mas muita coisa, se não tivesse Brasília, Paracatu tinha acabado, com certeza, porque aqui era a última cidade de Minas Gerais, então ia pra onde? Nós tínhamos mudado tudo pra Goiânia, [risos] nós íamos pra Goiânia... Depois de Brasília, surgiu muita coisa, muita coisa, aqui tem um projeto, Entre-ribeiros. Entre-ribeiros é um projeto de plantio, aqui, veio depois disso, poderia até ter surgido essa Kinross, mas eu não sei se foi por força de Brasília ou se não foi, eu só sei que veio, eles vieram pra cá e ajudou muito a cidade com empregos, a maioria dos jovens trabalham lá. Paracatu tinha uma tradição de mandar boi, mandar boiada pra Barretos, saía daqui da região, compravam os bois e passavam aqui, ia pra Barretos, mil quilômetros daqui lá, então, numa altura dessa, se não tivesse Brasília, mas não era só Paracatu que ia fechar, não, ia fechar muitas cidades. Então, esse JK [Presidente Juscelino Kubitscheck] lá, com a equipe dele, fez muito bem pra o Brasil, fez muito bem, inclusive pra Goiás, depois surgiu a cidade de Goiânia, Planaltina, Planaltina talvez seja da idade de Paracatu, Formosa, mas as outras cidades são tudo mais novas e evoluíram muito. Eu gosto muito de Brasília, não pra morar.
P/1 – Dário, você falou que veio uma pessoa que observou você jogando na Seleção de Brasília contra Santos e te levou pro Rio. Você foi jogar e morar onde no Rio? Você conhecia o Rio já ou não, foi a primeira vez que você foi?
R – Primeira vez que eu fui, me levaram, uma pessoa que morava lá falou: “Eu estou indo pro Rio e você vai comigo, eu te deixo lá”, aí eu tinha uma carta, um envelope: “Câmara dos Deputados”, um envelope, esse Augusto da Costa foi um back da seleção de 50, aquela famosa seleção que perdeu pro Uruguai, Barbosa, Augusto, ele: “Dário, você vai, tem uma carta pro Flamengo e outra carta pro Vasco”, mas por força do pessoal aqui ser vascaíno, não sei o que, eu fui pro Vasco e fiquei no Vasco, juvenil do Vasco lá uns tempos. Comecei, joguei, aí agradeço a oportunidade que me deram, agradeci, sempre muito esforçado, mais esforçado do que precisava, chegava nos clubes e, se a pessoa treinava uma hora, eu treinava duas. Eu precisava dessa parte física pra me destacar, porque o destaque me dá o sustento da minha família. Não tem riqueza nenhuma, mas mais ninguém perto de mim passou necessidade grande, passou necessidade pequena, porque tem coisas que não tem jeito, mas necessidade daquela de não ter nada pra... Graças a Deus, nós tivemos essa possibilidade de fazer muita coisa.
P/1 – E onde você foi morar lá no Rio, Dário?
R – No São Januário, é o campo do Vasco.
P/1 – Você morava dentro do campo?
R – Dentro do campo, dentro do campo, depois, quando saí de lá, eu vim pro América Mineiro, morava dentro do campo.
P/1 – Como é que era o cotidiano de treinar, esse seu treinamento pra ser jogador? Vocês treinavam o dia inteiro, tinha que ajudar no clube? Conta um pouquinho pra gente.
R – Depois que eu saí do Rio, no Rio eu sempre fui uma pessoa, um ajudante, um ajudante, a primeira coisa que eu pensava era ajudar o meu pessoal, eu ajudava muito, lá tinha refeitório, lá tinha as cozinheiras, lá tinha o pessoal roupeiro, massagista, eu ajudava carregar as coisas, ajudava a limpar vestiário, até quando as pessoas chegavam lá, viam eu ajudando, depois eu jogando, falavam: “Mas você ainda ajuda?”, “Ajudo”. Porque eu achava que, com aquilo, porque eu já estava acostumado a trabalhar, pequeno com o meu pai trabalhava, em Brasília trabalhava, então não custava nada. Eu nunca fui um jogador daqueles que não ajuda, que não enxerga, que não tem humildade, nunca fui. Inclusive, tenho uma história pra contar, eu estava no Palmeiras, fui campeão, vim embora pra cá pra Paracatu e estava capinando o quintal lá pra minha mãe, ela botou um chapéu de palha na cabeça, me deu uma enxada, eu estou lá capinando, capinando, capinando, tal e tinha um, era arame, não era muro, eram uns arames, fios de arame assim. Parou um carro, virou um carro e parou lá, aí desceu um cara até arrumado: “Opa, bom?”, “Bom”, “Você mora por aqui?”, eu falei: “Moro, moro aqui”, “Eu sou de São Paulo”, o cara falou, eu falei: “Ah, pois não, você está precisando de alguma coisa?”, “Falaram comigo que aqui tinha um jogador do Palmeiras que mora por aqui”, eu falei: “Sou eu”, ele não responde mais nada, entrou no carro e foi embora, porque eu estava capinando [risos]. “O cara é um maluco, ele está capinando o quintal dos outros”, ele achou que devia estar com a camisa do Palmeiras, todo de chuteira, fazendo abdominal [risos], foi embora, eu morri de rir.
P/2 – Dário, mas isso era comum entre os jogadores da época, ter esse vínculo com o lugar, ter uma vida simples, de ajudar os familiares, os amigos? Porque hoje a gente percebe uma diferença dos jogadores estrelas, era comum nessa época os jogadores...
R – Hoje, às vezes quando eu vou nos clubes que eu passei, porque tudo muda, na vida tudo muda, chega lá na portaria de um Palmeiras, de um Fluminense, de uma coisa, então tem que identificar e aí tem até que mostrar um retrato, eu falo: “Não, eu sou aquele”, que aí eles deixam entrar, porque senão não deixam entrar, mudou tudo, o presidente é outro, essa coisa. Aquele pessoal mais velho, que lembra, ainda abraça, mas os jogadores de futebol hoje, é a coisa mais difícil que tem, é você trocar uma ideia com o jogador, eles são deuses. Você chega no coisa, ele passa, pisa no seu pé, vai pra lá, às vezes não joga nada, às vezes nunca. Eu fiz 88 gols com a camisa número sete do Palmeiras, eu fui cinco vezes campeão pelo Palmeiras e ajudava o roupeiro a levar a mala, ajudava o pessoal levar as coisas, tinha um ônibus. O Palmeiras tinha um ônibus daquele tempo, ajudava o Toninho, era o motorista, a limpar com a escova lá, então é diferente. Hoje, eles passam, pisam no seu pé, nem cumprimentam e jogam três meses num time. Eu joguei quatro, tive quatro contratos com o Palmeiras, hoje não fica, esse pessoal não fica esse tanto de tempo, é muito diferente. Hoje, qualquer time, qualquer jogador, que você vê no aeroporto passa, não cumprimenta. Mas eu nasci diferente, eu nasci da humildade, então eu sempre ajudei, ajudei a arrumar campo, encher bola, que a chuteira antiga, agora eu não sei, ela pregava a lama, então tinha que escovar e passar uma graxa pra não pegar depois. Naquele tempo, o futebol de São Paulo tinha muita chuva, muita chuva, então tinha que ajudar os roupeiros, eu sempre ajudei, ajudei muitas vezes.
P/1 – Você falou que do Rio depois você foi pra BH, você foi jogar no América e depois do América que você foi pro Palmeiras?
R – Do América eu fui pro Palmeiras.
P/1 – Quem fez essa transação pra você? Como era a transação do futebol daquela época? O jogador era consultado: “Olha, nós estamos negociando o seu passe” ou não, a coisa acontecia sem que você soubesse de nada?
R – A gente dormia numa cama e acordava na outra [risos]! Não tinha empresário, às vezes fazia o negócio que a gente nem sabia. Pra você ter uma ideia, eu estava no América, jogando bem e o Cruzeiro, do Tostão, daquele pessoal, pretendia um centroavante e o centroavante seria eu, aí tinha um homem lá no América que quis fazer uma jogada, ele era do Pará de Minas, que é uma cidade perto de Belo Horizonte, e era Cruzeirense e queria me levar pro Cruzeiro. Aí fez uma proposta de me levar pro Paraense pra depois, mas não foi falado que ia pro Cruzeiro. Ele queria trocar por um boi, eu falei: “Eu não vou, jogador trocado por um boi não pode”, “Mas o boi é de raça, sô”, “Mas eu não vou”, aí deu uma polêmica danada, aí depois de muito tempo aí fui pro Palmeiras, era Hugo Marinho, eu lembro do nome dele e o presidente do Cruzeiro era Fenício Brant e o nosso presidente era Délcio Alves Martins. Acontecia que eles faziam negociação que a gente não ficava nem sabendo, nem sabendo.
P/1 – O teu contrato não era com om clube? Você assinava com o clube também?
R – Era com o clube.
P/1 – E aí essa coisa do salário, tudo?
R – Acertava ali, mas o salário do América até hoje é miudinho, é por baixo. Então, quando destaquei em Belo Horizonte, eu estava com 20 anos, 21, surgiu a oportunidade de sair, tinha uma porção de clube querendo, Santos queria, Corinthians queria, Botafogo, uma porção de clubes queria, mas aí acabei indo pro Palmeiras. Palmeiras fez a melhor proposta pra eles. Mas naquelas alturas tinha que sair do América, porque o Palmeiras é muito mais, muito mais, até hoje ainda é um dos grandes do Brasil.
P/1 – Você jogou quanto tempo no Palmeiras? Você falou que foram quatro contratos, os contratos duravam quanto tempo?
R – Um ano, um ano e pouco, mas eu fui um ano e pouco, temporadas, né, aí 65, 66, 67 e 68 fiquei lá no Palmeiras.
P/1 – Você morava aonde lá em São Paulo?
R – Lá em São Paulo, o Palmeiras tinha uma casa do clube, primeiro no hotel, ficávamos no hotel, depois alugou uma casa do clube, morava eu, o Ademir, Olavo, Germano e aí tinha uma senhora que fazia comida no almoço. Quando você chegava, o almoço estava pronto e a janta a gente se virava, porque era muita concentração também. Você jogava, por exemplo, sábado, domingo. Segunda era folga, mas terça-feira, oito horas da manhã, tinha que estar lá, terça, quarta, quinta, sexta, aí ia concentrar, se jogava domingo, já ficava concentrado, sábado de manhã já ia concentrar e por aí a fora, aí era, mas eu senti muita falta da família lá fora. Até tentei levar meu pessoal pra lá: “Mas é longe, não sei que que tem”, mas eles tinham razão, não é brincadeira. São Paulo não é brincadeira até hoje.
P/1 – E quando você sai do Palmeiras, você foi pro México?
R – Monterrey do México.
P/1 – E como é que deu essa transação? Conta pra gente como foi e quando você chegou lá, uma língua diferente, conta pra gente como é que foi feita a sua adaptação numa outra cultura.
R – É, era, já tinha viajado pra lá algumas vezes, não sabia muito, mas falei: “É necessário”, porque naquele tempo eu só fui pro México porque a Europa estava fechada pra jogadores, a Europa estava fechada, não entrava jogador nem saía da Europa, só entrava, por exemplo, Mazzola, Altafini, Júlio Botelho eram descendentes de italiano, mas os outros não podiam ir. Estava fechada, então fui pro México, pro México foram muitos jogadores do Brasil pra lá, Vavá, Mauro, Zaggi. [Foram] muitos jogadores pro México, porque a Europa estava fechada. Fui pro México em grande estilo. A primeira partida que eu fiz foi contra, na mesma semana que eu cheguei, eu fui capa de revista, tenho a revista até hoje aí, fui o melhor jogador, ganhei os prêmios todos, ganhei não sei o que, coisa, aí aquela: “Surgiu o novo Pelé aqui pra nós”, mas eu não brincava, não. Minha carreira, quem acompanhou minha carreira sabe que eu não fui lá pra brincar. Não gostava de festa, não ia pra baile, não ia... Nunca bebi, nunca fumei, pra mesmo pra ter o resultado, senão...
P/1 – Você olhando, pra essa carreira que você contou um pouco pra gente, qual foi o jogo que mais te marcou e por que que te marcou?
R – Foi um jogo que acho que deve ter marcado as outras pessoas também, teve uma final de um campeonato que ficou Palmeiras e Botafogo, era em São Paulo. O Botafogo, se empatasse, era campeão, naquele tempo era Roberto Gomes Pedrosa, o campeonato, Roberto Gomes Pedrosa era o Rio e São Paulo, depois virou Robertão, era Rio, São Paulo, Minas e o Sul e lá Porto Alegre. Então, o Botafogo e Palmeiras. Ficou Botafogo e Palmeiras, eu entrei nessa partida, no segundo tempo, e nós precisávamos da vitória. Na entrada da área, eu peguei uma bola, levei pro Ademir, tem esse trem gravado por aí, ele enfiou o pé debaixo, levantou e eu chutei no ângulo de Manga. Manga era um goleiro enorme, a mão dele era desse tamanho, se chutasse mal chutado, ele pegava com uma mão só, então no ângulo. Aí desceu a arquibancada toda, aquele pessoal todo pra lá, já estava terminando o jogo, foi um gol, um dos gols mais importantes, que inclusive o Ademir da Guia, perguntaram a ele se qual seria o gol mais bonito que ele tinha visto na vida dele, eu vi isso numa reportagem com ele de madrugada, ele falou: “Foi o gol que o mineiro Dário fez contra o Botafogo”, então ele também achou. Eu achei muito importante, ele também achou.
P/1 – Conta pra gente, você resolveu parar a sua carreira por quê? Em que momento foi isso? Conta um pouquinho pra gente.
R – Eu fui muito agraciado, eu fui muito compensado nas coisas que eu até não tinha a origem, eu ajudei meu povo, embora, comprei alguma coisa e aí o que que aconteceu? Eu falei: “Chegou a hora de parar” e parei. Hoje tem jogador jogando com 40 anos, 42 anos. Com 32, eu joguei em Brasília, no CEUB, contra o Cruzeiro de Belo Horizonte, Raul Plassmann, Dirceu, Tristão, nós ganhamos deles e eu fiz os dois gols, no outro dia peguei o carro velho lá, vim embora pra Paracatu, eu falei: “Não vou mexer com esse trem mais, não”. Mas eu também tinha começado muito cedo, com 14 anos eu já tinha começado, aí com 34, 32, estava bom demais, coisa que eu não tinha nem pretensão disso, não sabia disso, tá bom demais da conta.
P/1 – Como é que você encontra Paracatu depois? A gente está falando em que ano mais ou menos? A gente está falando na década de 70?
R – Setenta e cinco, por aí.
P/1 – Como é que estava Paracatu nessa época, ela estava diferente? Conta pra gente.
R – Paracatu nunca foi diferente pra mim, porque eu sempre vinha, dez minutos de prazo, de tempo que eu tinha, eu vinha bater em Paracatu, nas festas de Folia de Reis, na tapuiada. Eu sou o autêntico morador de Paracatu com essas prerrogativas de adorar o lugar que nasceu, essa coisa toda. Eu achei, falei: “Vou embora pra Paracatu”, “Ah, mas aqui em São Paulo é melhor pra você”, eu sou, inclusive, treinador profissional pelo Sindicato de Treinadores de São Paulo, eu falei: “Não vou mexer com isso, não vou tomar mais sol na cabeça, não”, eu sou massagista pela Escola de Educação Física do Rio de Janeiro, da Praia Vermelha, também não vou mexer com isso. Estou aí, não faço nada, só vou sair de casa lá uma vez ou outra.
P/1 – Quando você chegou aqui em Paracatu, o que você foi fazer? Você resolveu montar alguma coisa, o que você foi fazer daí?
R – Eu fiz muita coisa, eu montei negócio que o meu pai..., montei boteco, montei escola de samba, pra passar o tempo, mandava jogador pra fora, agora estou recomeçando mandar um jogador pra fora, então mas era mesmo pra cumprir prorrogação. Eu estou na prorrogação, 73 anos é prorrogação, não preciso procurar mais nada. O que tinha que fazer já fez.
P/1 – Agora, mas aos 34 anos você se envolveu aqui com a comunidade, né?
R – Jogava no time aqui e essa coisa, viajava, teve as questões do quilombola, quilombos e essa coisa toda, participei da vida de Paracatu, mas depois eu falei: “Agora eu não vou fazer mais nada, não”.
P/1 – Mas naquele tempo você se envolveu muito com o movimento negro, né?
R – Sim.
P/1 – Conta pra gente o que que ele era, o que que vocês faziam por esse movimento negro. O que que era a Fala Negra?
R – Era Instituto de Defesa da Cultura Negra e Afrodescendente, nós montamos aí, aí logo que nós montamos, fomos procurados pela Fundação Cultural Palmares, que é do Governo Federal, pra fazer um levantamento, nós fizemos um projeto que chamava Redescobrindo os Quilombos de Minas Gerais. Nós fizemos esse projeto, fomos agraciados com o pessoal de Brasília, que mandou recursos, mandou antropólogo, mandou advogado, eles mandaram quase tudo pra cá. Nós trabalhamos nisso aí uns dez anos, mais ou menos, aí fizemos o levantamento de 83 comunidades no setor nosso aqui, só em Paracatu cinco, cinco em Paracatu, três em Vazantes, aí em João Pinheiro duas e fizemos 83, levantamento e foram quase todos reconhecidos pelo Governo Federal como quilombos. Não sai tudo, porque o grupo, o grupo, o que o grupo faz? O grupo não entende, não entendeu as possibilidades que teria pra poder melhorar, aí não entendeu muito, eu falei: “Eu sozinho não vou carregar mais nada, não”, mas nós tivemos encontros, Rio de Janeiro, encontro em Rio Grande do Sul, encontro na Paraíba, na Bahia, pra tudo quanto é canto, mostramos o folclore daqui e mostramos muita coisa. Mas depois eu perdi muito o entusiasmo e perdi até tempo, porque, se eu tivesse continuado a mandar os jogadores daí da vizinhança, da cidade pra fora, eu teria ganho muito mais, mas eu não me arrependo, porque estava defendendo um grupo nosso, mas o grupo não entendeu direito. Hoje mesmo, a hora que passei ali pra abrir o portão, a moça falou: “Ó, tem uma reunião dos quilombolas, não sei o que tem”, eu falei: “Não, deixa pra vocês agora, se precisar de alguma opinião, alguma coisa, alguma rumo, eu estou pronto, mas eu não vou pegar na frente mais, não”, mas eu tive muito entusiasmado com isso, muito, muito, muito mesmo.
P/1 – Desse trabalho seu, você falou que alguns quilombos foram reconhecidos, pelo Governo Federal, mas você também fez um livro, conta um pouquinho, você também buscou trabalhar a memória da comunidade negra.
R – Memória, porque a memória, se não faz livro, se não junta, se não... As pessoas vão passando, então o livro é o que vai ficar, algumas informações de quilombo, de quilombola, nós fizemos, conseguimos juntar um pessoal pra um livro. Eu tenho ele lá, um calendário que nós fizemos, o calendário, ele virou mundial, uma beleza de calendário, dizendo pras comunidades quilombolas o que que elas eram, porque, qual a lei que regia, qual a lei que protegia essa coisa toda. Nós fizemos tudo, eu tive muito entusiasmado com isso, mas mamãe falava: “Por que que você está mexendo com isso, Dário? Esse pessoal não dá certo, eles não unem, eu já sei disso”, eu falei: “No tempo da senhora não unia, mas agora une”, não uniu nada, mas é, seria necessário que esse pessoal unisse pra crescer, pra poder arrumar a vida, né, de forma, de maneira diferente.
P/1 – Dário, você é casado?
R – Três vezes.
P/1 – Ah, vamos escutar uma história interessante. [risos] Conte-me como foi essa história de casar três vezes. Quem foi a primeira mulher? Aonde você conheceu?
R – A primeira mulher foi o seguinte, até é ruim, porque ela não morreu, ela está viva, por isso que eu estou falando, se ela tivesse morrido, não tinha falado, maria chuteira, é, porque estava no auge, eu estava em Belo Horizonte, tal e coisa, apareceu.
P/1 – Apareceu como? Da onde surgiu essa maria chuteira?
R – Apareceu, tinha, o clube lá tinha uma piscina, ela nadava, nadadora, apareceu lá na arquibancada, eu com a perna quebrada: “E aí, o que você tem?”, “Perna quebrada”, não sei o que tem, aí ficou, aí passou uns dias, eu estava na arquibancada lá esperando melhorar, ela veio, trouxe um bolo: “Teve um aniversário lá em casa e coisa, estou trazendo um bolo pra você”, eu puf no bolo. [risos] Aí ficou aquilo lá, em Belo Horizonte, aquilo lá ficou e eu ali, melhorei, comecei, ela sumiu, sumiu, eu falei: “Pô”, mas eu nunca tinha ido com a cara dela, porque ela era branca como você, branca, então a gente fica meio de longe, aí sumiu ela. Quando se passaram os tempos, fui embora pro Palmeiras, quando chegou lá num hotel no Rio de Janeiro, um amigo meu que chamava Sevilla, que jogava no Palmeiros, falou: “Tem uma pessoa te procurando aí na porta”, eu falei: “É?”, disse: “É uma mulher”, falou: “E bonita”, eu falei: “Então não é eu, não, vou lá não, não é comigo, não”, “Não, sô, falou, falou pra chamar você aqui”, que a gente estava no primeiro andar, aí chamou. Daí eu desci lá, uma mulher bonita, moça bonita: “Você não lembra de mim, não?”, eu falei: “Ah, não lembro, não”, “Lá do América, em Belo Horizonte, aquela que deu o bolo”, eu falei: “Ah, tá, agora, mas tá bonita demais da conta”, “É eu trabalho aqui na clínica do Doutor Eiras, aqui no Botafogo”, não sei o que, eu falei: “Não, tudo bem, aí o que que tá acontecendo?”, “Não, eu vim te ver, sô, naquele tempo o meu pai”, era português o pai dela, né: “Ficou sabendo que eu estava conversando com você, me trouxe pro Rio de Janeiro, eu estou aqui até agora, não sei o que”. Aí ficou, foi embora, na outra vez tornou a ir lá, tornou a ir lá, aí o César Maluco, um centroavante do Palmeiras de Niterói, irmão de Caio, irmão de uns outros jogadores que foram profissionais também, levou ela pra São Paulo, chegou lá em São Paulo, eu falei: “César, você é maluco? O que que eu vou fazer com essa mulher aqui?”, “Não, sô, eu já arrumei lugar pra ela ficar, na casa de Léo, Cléo, tem uma vaga lá, ela vai pra lá”, eu falei: “Mas, César, pelo amor de Deus, sô”. Aí arranjou isso, né, passou uns tempos, tal, tal, quando eu estou pra ir pro México, a Sônia, do Jair Bala, falou: “Ô, Darinho”, a mulher chamava, chama Jane, falou: “Darinho, Jane está esperando um menino seu”, “Ô, meu Deus do céu, mais essa”. O que que aconteceu? No dia de eu embarcar: “Como é que você vai fazer?”, eu falei: “Se é uma pessoa como eu, que tratou de sobrinho, tratou de afilhado, tratou de irmão, tratou de todo mundo, como é que eu vou abandonar um filho?”, é inédito, mas eu tinha que viajar, viajei, fui embora, eu falei: “Agora como é que eu faço?”, mandei uma procuração pra esse meu irmão que jogava também, advogado, procuração pra ele casar em meu nome. Casou em meu nome, embarcou pra lá pro México, levou ela pra México City, que é a capital, de lá mandou pra Monterrey, daí uns tempos nasceu uma menina, Rita, Rita Francis, Rita da minha mãe e Francis desse meu irmão, o Francisco, Rita Francis. Aí depois eu vinha pro Fluminense, vinha pro Fluminense, trouxe Rita no balaio, eu tenho muita facilidade de fazer amizade, eu já tinha uma amizade com Elis Regina, que é fluminense, torcia pro fluminense, com um escritor famoso chamado Nelson Rodrigues, Chico Buarque, tinha muita gente, foram tudo pro aeroporto, abraçou a menina, chegamos no Rio. Aí depois nasceu mais Andreia e Daniel dela, mas depois não deu certo, não deu certo, eu vim embora pra cá, ficou pra Belo Horizonte, mas os meninos ficaram comigo, todos os três moram por aqui, moram comigo. Depois tive uma outra pessoa, que dessa nasceu Isabela, Isabela Benedita nasceu, mora em São Paulo, é professora a Isabela, é novinha, mas é professora, a mãe chama Leninha, Leni do Pilar Pereira, e agora tem a última, que a gente não pode ficar sozinho de tudo, né, porque senão como é que lava as roupas, faz aqueles trabalhos? Não tem jeito, a última chama-se Ceni Barbosa de Brito, ela hoje até foi pra Patos de Minas, mas é uma pessoa boa, que me tolera e coisa, então é a terceira, é a terceira, mas eu sempre tive muito carinho com elas, só a primeira que eu achei que não, que eu não merecia muito a coisa, aí nós estramos lá, eu caí fora, mas o resto é tudo ajustado, ajustável.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho, dentro do que você contou pra gente e tal, se tem alguma lembrança que você acha importante deixar registrado, da sua vida, se ficou alguma coisa que você fala assim: “Olha, eu gostaria muito de deixar isso registrado, contado”.
R – Uai, tem muita coisa que a gente deixa, às vezes passa da hora a gente falar, mas é o carinho. O povo que me conhece, vocês, por exemplo, estão me conhecendo agora, vai ser difícil vocês esquecerem dessa entrevista, porque é uma entrevista simples, sem bobagem. Todo mundo, o que me deixa à vontade na vida são os lugares que eu passo, as portas que abrem pra mim e elas ficam abertas, eu posso voltar pra poder entrar quando precisar. Então, eu gosto muito das pessoas, independente de posição, de qualquer coisa, eu gosto muito de pessoas, é muito importante pra mim conhecer pessoas e ter pessoas como os amigos, eu acho que a eternidade não é por aqui, ainda vamos nos encontrar mais vezes.
P/1 – Você comentou pra gente também da amizade que você teve com o Chico, com a Elis, como é que era a convivência com eles? Isso era mais no Rio de Janeiro, era em São Paulo?
R – Não, era Rio de Janeiro, a Elis eu conheci lá em São Paulo, Fino da Bossa, Jair Rodrigues, eu morava num hotel, eles tinham lá, naquele tempo da Jovem Guarda, aquela coisa toda, então por ali passava o Erasmo, passava tudo e tem gente daquele pessoal, pessoas preciosas, preciosas, sem nenhuma reclamação. A Elis, por exemplo, cheguei no Rio de Janeiro, já conhecia, cheguei, ela foi no aeroporto, carregou a Rita, foi comigo, marcou um batizado, porque eu saí com Rita do México com sete dias, por aí, marcou o batizado na Candelária, compareceram, foram lá, Nelson Rodrigues meio caladão, mas muito inteligente, Chico gaguejando, mas uma pessoa muito boa, e mais pessoas lá que acompanharam a vida da gente. Eu dou muito valor às pessoas e não esqueço, não esqueço das pessoas. Eu ganhei com Fio Maravilha, que hoje mora nos Estados Unidos, eu ganhei com o Liminha, joguei com o Ademir, joguei com jogadores menos famosos, mas também bastante amigos, né, então temos uma história muito grande, muito comprida e muito relevante, porque é importante o seguimento da vida
P/2 – Dário, Dário, um nome de muitos nomes, né? [Risos]
R – Muitos nomes, é quase ladrão de cavalo, tem muito nome.
P/2 – Deixe registrado pra gente aquela história, o seu pai era Luiz de Darilo, não é?
R – Sim.
P/2 – E quando você foi ser registrado...
R – Ah, sim, o meu avô chamava Darilo, então o meu pai Luiz de Darilo, aí quando eu nasci, disseram assim, meu pai falou: “Ó, Bernardo Caparucho”, que era o dono do cartório, falou: “Eu queria batizar um menino meu que nasceu”, “Pois não? Como é que é o nome?”, aquelas canetas de tinteiro ainda, molhou lá: “Como é o nome?”, disse: “Jurandir”, que Jurandir era um pandeirista que tocava com ele, Darilo, que é nome do meu pai, o meu avô, que é o pai dele, Gouveia Damasceno. Aí o Bernardo Caparucho falou assim: “Luiz, Jurandir tá certo, Gouveia Damasceno tá certo, mas Darilo é nome de bobo”, meu pai falou: “Como é? É o nome do meu pai, como é que é nome de bobo?”, falou: “Mas é nome de bobo, não registro”, “Mas o filho é meu”, ele falou: “Mas o cartório é meu, eu não registro”, aí saíram, discutiram essa coisa toda, falou: “Ó, vou arrumar um nome bonito pra botar nesse menino pra você, apesar de filho seu, não deve ser bonito, não”, ainda falou isso, falou. Aí passaram-se os tempos, ele voltou: “E aí?”, falou: “Ó, Luiz, arrumei, Jurandir Dário”, “Jurandir Dário? É Darilo que eu quero”, “Não, é Jurandir Dário, Dário, rei da Pérsia, quer melhor?”, aí ficou Jurandir Dário Gouveia Damasceno, com muita contrariedade da parte do meu pai, mas ficou.
P/1 – Pra finalizar, eu queria que você falasse qual é o seu sonho hoje, Dário?
R – Viver e deixar viver, não atrapalhar ninguém a viver, e viver mais um pouco e esperar a determinação celestial pra gente, acho que vai pra outro plano, né, tem vários, vamos ver se eu tenho essa possibilidade de estar em outros planos depois, mas vou trabalhar, vou cumprindo as determinações celestiais. Sou muito, não sou religioso: “Ah, Dário, viram ele ali batendo tambor”, não, batendo tambor só no carnaval: “Eu vi Dário ali no coisa, na coisa, na igreja”, não, não me vê muito, mas vou, sento lá, a igreja aqui, Nossa Senhora do Rosário, aqui chama Nossa Senhora do Rosário dos Pretos Livres a igreja, só negros, só entrava lá, aqui na Igreja do Santana não entrava negro, só lá na Nossa Senhora do Rosário dos Pretos Livres, os pretos escravos iam nas capelas das fazendas. Então estou aí, preto livre, tranquilo, graças a Deus e pelejando pra fechar a conta, né?
P/1 – Eu queria agradecer em nome do Museu da Pessoa e da Kinross por você ter participado, muito obrigada.
R – Não, isso pra mim é uma honra, estar nessa parada aí, né, é muito bom, foi muito bom conhecer vocês e responder, não sei se respondi as coisas que vocês... por exemplo, entenderam, mas eu tentei.
P/1 – Foi ótimo.
FINAL DA ENTREVISTA